TRIPs estabelece um padrão mínimo de proteção à propriedade
intelectual. Nada impede que dois países assinem um acordo prevendo um nível
maior de proteção à propriedade intelectual, por exemplo, um prazo de vigência
de patentes de 50 anos.
De fato o Acordo TRIPs busca restringir tais acordos bilaterais pelo
Artigo 4o referente ao tratamento de nação mais favorecida: “Com
relação à proteção da propriedade intelectual, toda vantagem, favorecimento,
privilégio ou imunidade que um Membro conceda aos nacionais de qualquer outro
país será outorgada imediata e incondicionalmente aos nacionais de todos os
demais Membros”. Para o indiano Jagdish Bhagwati, da Universidade de
Columbia, “Os acordos bilaterais estão destruindo o conceito de nação mais
favorecida (segundo o qual não pode haver discriminação entre diferentes
fornecedores, isto é, se um país faz uma concessão a uma determinada nação,
precisa fazer a mesma concessão para todos os países membros da OMC). Esse
princípio é central para a eficiência do comércio e fundamenta a OMC. Nós
estamos vendo uma epidemia desses acordos bilaterais”.[1]
A CUP em seu Artigo 2º a respeito da igualdade de tratamento
nacional estabelece que: “Os nacionais de cada um dos países da União
gozarão em todos os outros países da União, no que se refere à proteção da
propriedade industrial, das vantagens que as leis respectivas concedem
atualmente ou venham a conceder no futuro aos nacionais, sem prejuízo dos direitos
especialmente previstos na presente Convenção”. Bodenhausen destaca que o
Artigo 2º da CUP quando se refere “as respectivas leis” está fazendo
referência às legislações nacionais, desta forma, os países da União de Paris
podem assinar Tratados bilaterais com outros Estados, por serem estes considerados
Acordos Internacionais, que não substituem por completo a legislação nacional.[2] O Artigo 19 da CUP estabelece que “Fica entendido que os países da União se
reservam o direito de, separadamente, celebrar entre eles acordos particulares
para a proteção da propriedade industrial, contanto que esses acordos não
contrariem as disposições da presente Convenção”. Em seu comentário
Bodenhausen destaca que a aplicação destes Tratados bilaterais ou multilaterais
pode estar limitada aos nacionais dos Estados que concluam tais Tratados.[3]
Se um país X estabelece um acordo bilateral com o país Y
isentando-o de taxas para o depósito de patentes, tal vantagem torna-se
automaticamente estendida a todos os demais países. Como estratégia para elevar
o nível de proteção à propriedade intelectual os Estados Unidos assinou Acordos
bilaterais com Jordânia, Chile, Omã e Colômbia, no intuito de que no futuro,
quando forem discutidos a revisão de TRIPs, tais acordos bilaterais possam ser incorporados
ao texto final do Acordo, de forma que não exista mais uma polarização entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento, o que facilitaria a aprovação de
níveis mais elevados de propriedade intelectual.
Pedro Roffe destaca que no Acordo de Livre Comércio (FTA) entre
Estados Unidos e Chile este último questionou quais seriam os possíveis efeitos
do princípio de nação mais favorecida (MFN) previsto em TRIPs. Por este
princípio todas as vantagens e privilégios previstas no acordo TRIPs-plus seriam
estendidas aos demais países imediatamente e de forma incondicional.[4] Por este princípio, presente no GATT, se os países X e Z assinam acordo
bilateral, X concorda em conceder a Z alguns privilégios até então não
concedidos a Z. Pelo princípio de nação mais favorecida Y pode pleitear as
vantagens concedidas a Z, modificando-se assim a relação original entre X e Y,
uma vez que Y recebe tais vantagens sem lhe ser imposto qualquer contrapartida.
No âmbito do GATT para remediar esta situação alguns países concedem tais
benefícios a Y na condição de obter reciprocidade, temos portanto um MFN condicional.
O NAFTA, por exemplo, estabelecido antes de TRIPs segue esta linha de MFN
condicional, na medida em que aplica o princípio de MFN apenas a investidores
em situação similar as consideradas no Acordo e não a qualquer outro membro.
TRIPS, contudo, eliminou estas condicionalidades na medida em que
o Artigo 4º expressamente prevê a aplicação do MFN incondicionalmente aos
nacionais de todos os outros Membros, prevendo algumas situações de
exceção, especialmente para Acordos internacionais relativos à proteção da
propriedade intelectual que tenham entrado em vigor antes da entrada em vigor
do Acordo Constitutivo da OMC. Apesar disso continua válido o entendimento de
que a aplicação da cláusula MFN é governada pelo princípio Ejusdem Generis,
que estabelece que esta se aplica apenas a questões que pertençam a mesma
matéria ou a mesma categoria de participantes a que a cláusula se refere.[5]
Para Joseph Stiglitz os acordos bilaterais são considerados legais pelas regras da OMC
apenas quando conduzem a mais comércio do que desviam: “deveria haver um
tribunal internacional para determinar se esses acordos propostos são legais,
com o ônus da prova a cargo dos países que tentam fragmentar o sistema de comércio
mundial”.[6]
Na avaliação de Maristela Basso Estados
Unidos e Europa tem estabelecido uma série de acordos bilaterais procurando
estender os níveis de proteção à propriedade intelectual. Estes acordos em
geral procuram: i) a extensão do prazo das patentes, ii) limitação do
licenciamento compulsório, iii) obrigatoriedade da exclusividade de dados de
testes de produtos farmacêuticos por cinco anos, iv) associação de autoridades
de patentes e reguladoras, estabelecendo um vínculo (linkage) entre o registro do medicamento e a proteção à patente[7]. O Acordo de Livre
Comércio entre Estados Unidos e Chile por exemplo, estabelece além destes
quatro pontos o direito do titular obter prorrogação da vigência da patente por
conta de atrasos excessivos no exame de patente ou em sua aprovação pelas autoridades
de saúde no caso de produtos farmacêuticos.[8]
Para a Maristela Basso, estas extensões de direitos dos titulares
de patentes são contrárias aos interesses dos países em desenvolvimento cujas
economias ainda não se adaptaram aos custos de TRIPs: “Esses países não estão
em posição de absorver totalmente os custos sociais de novas cargas de
propriedade intelectual quando os verdadeiros custos sociais da última rodada
de reforma estão se revelando somente agora”.
[1] MELLO,
Patrícia Campos. Acordos bilaterais são instrumentos dos EUA, O Estado
de São Paulo – 20 de julho de 2003 http: //en.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=589&Itemid=397.
[2] BODENHAUSEN. Guia
para La aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad
Industrial, revisado em Estocolmo em 1967. BIRPI:
Genebra, 1969, p. 30.
[3] BODENHAUSEN. op. cit., p. 209.
[4] ROFFE, Pedro. Bilateral agreements and a TRIPs-plus world:
the Chile-USA Free Trade Agreement. Quaker International Affairs Programme,
Ottawa, 2004
[5] UNCTAD. Most favoured Nations Treatment. UNCTAD Series on Issues
in International Investment Agreements, United Nations, 2010
[6] STIGLITZ, Joseph. Globalização
como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 186, 431.
[7] WTO, WIPO, WHO. Promoting Access to Medical Technologies and Innovation: Intersections between public health, intellectual property and trade, fevereiro 2013, p.188, 189 http://www.wto.org/english/res_e/publications_e/who-wipo-wto_2013_e.htm
[8] GRANGEIRO, Alexandre;
TEIXEIRA, Paulo Roberto. Repercussões do acordo de Propriedade Intelectual
no acesso a medicamentos. In: VILLARES, Fabio. Propriedade intelectual:
tensões entre o capital e a sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p.
220.
Nenhum comentário:
Postar um comentário