terça-feira, 28 de abril de 2020

Seminário: A propriedade intelectual como estratégia impulsionadora de negócios, promovido pela ASIPI.

Seminário: A propriedade intelectual como estratégia impulsionadora de negócios, promovido pela ASIPI. 


Miguel Campo (Ministério Economia) buscamos elaborar uma estratégia nacional para propriedade intelectual e estamos trabalhando junto com a OMPI e com a Patricia na elaboração desta estratégia. A ideia de elaborar essa estratégia surgiu com a reorganização do GIPI em 2019 (hoje participam 10 ministérios, Embrapa, INPI e outros). Este grupo técnico já fez 10 reuniões para uma diagnóstico da PI no Brasil. Oficinas foram realizadas. A ideia é ter essa estratégia lançada até o final do ano após consulta pública prevista para junho. Países como China e Índia também estabeleceram estratégias nessa área. Nossos indicadores de PI não estão em sintonia com outros indicadores como publicações científicas. Precisamos de uma coordenação entre os diversos atores de Inovação de modo a dar competitividade as nossas empresas que incentive a inovação. Nesse trabalho de diagnóstico identificamos desiquilíbrios como a subutilização do sistema de PI pelas empresas, a falta de estratégia de empresas e governo em PI, carência de profissionais formados em PI (esta deve ser uma das prioridade das estratégia talvez com difusão de conceito de PI já no ensino básico), a complexidade do sistema de PI, problemas no sistema judiciário como índices de pirataria e carência de recursos humanos, baixa inserção internacional do Brasil nos tratados da OMPI, temos pouca geração de receita em PI pelas empresas o que fica evidente quando fazemos um acordo e negociação com a Europa por exemplo, revisão do marco jurídico em PI. A proposta ser apresentada deve focar em sete eixos estratégicos: 1) geração de renda, 2) disseminação e capacitação, 3) governança e fortalecimento institucional que inclui modernização do INPI e outras instituições como direito autoral e cultivares, 4) modernização dos marcos legais em PI, 5) fortalecimento da segurança jurídica e combate a pirataria, 6) inteligência e visão de futuro para saber onde temos mais competitividade e 7) inserção no sistema global de PI, elevando a participação nos tratados da OMPI como o Tratado de Madrid em Marcos e Tratado de Budapeste para depósito de microorganismos


Patricia Gestic (Intelligence for Innovation Consulting) está trabalhando nesta consultoria via OMPI. A última reunião do Grupo de Trabalho foi em fevereiro e estamos buscando uma estratégia realmente articulada incluindo atores fora do governo. Nas Oficinas tivemos 18 horas de reuniões com mais de 200 participantes, entre diretores de associações e presidentes e segmentos de inovação (25% dos participantes). Quase 30% dos participantes foram de empresas privadas, 25% de governo e 50% de associações e núcleos de inovação completando o grupo. Se fosse presencial não teríamos tanta participação. Trata-se de uma estratégia elaborada em conjunto.


Felipe Oliveira (INPI) o INPI negócios está sintonizado dentro desta estratégia nacional. Ele marca uma nova fase. O cenário atual tem a participação ainda muito pequena das empresas na inovação. Com posição 66 no Global Innovation Index como meros aquisidores de tecnologia sem desenvolver tecnologia própria, os casos são muito raros. Nesse sentido estamos numa estratégia mais agressiva em disseminação de PI na alavancagem do uso de PI por nacionais. Temos uma participação muito baixas de empresas brasileiras em depósitos de patentes sendo dos nacionais apenas 29% feita por empresas e a maioria por universidades (muitos dos quais destas patentes de universidades não chegaram efetivamente ao mercado). Em 2018 tivemos um embrião do INPI Negócios. Modelamos os principais clusters de inovação do país e nos aproximarmos deles. Fortalecemos nossas unidades regionais para maior impulso desse programa. Nossa ideia é fomentar a formação de ativos de PI monetizável, tendo como principal eixo é a expansão do uso de PI por residentes com ações junto a ANPROTEC, ABPI, Sistema S em programas de telementoria saindo da forma presencial do passado. Hoje temos uma melhor segmentação de nosso público alvo. Estamos trabalhando muito em prospecção tecnológica para identificar os ativos que gerem riqueza. Fizemos acordos com Emprapii e atuado junto ás suas células. Como exemplo eu gostaria de mencionar a parceria com o Parque Tecnológico da Paraíba onde identificamos trabalhos em ventiladores pulmonares no enfrentamento da pandemia e viabilizamos um depósito de patente da Universidade nesta área. Estamos desenvolvendo uma plataforma eletrônica de inovação com ferramenta de inteligência artificial e que pudesse fazer esse trabalho de mentoria especializado junto a estes parceiros. Outro ponto importante é o desenvolvimento de capital humano e com isso redefinimos prioridades em nossa Academia de PI para o empresariado. Estamos novas unidades do INPI em uma das principais unidades Embrapii nos Espírito Santo e uma nova unidade do INPI em Fortaleza esta sendo criada. No âmbito internacional estamos numa visão moderna, criando uma plataforma digital, aportes do Prospect Funding entre várias outras ações como a adesão ao Prorocolo de Madrid em marcas. Temos metas extremamente desafiadores em termos de aumento de depósitos de patentes por nacionais. Buscamos um match making entre brasileiras nacionais e internacionais e temos uma experiencia positiva nesse sentido com a embaixada da Dinamarca em agrobusiness neste primeiro ano, saúde no segundo ano e energias renováveis no terceiro ano (patentes verdes). Buscamos também novos materiais audiovisuais para promover a PI e temos trabalho com APEX, FINEP, SEBRAE. Estamos inserindo clausulas de PI em editais de Fomento da Finep.


Graça Aranha (OMPI) quando a OMPI pensou no tema de patente verde para o dia internacional da PI jamais poderia imaginar a situação atual de isolamento social. A ideia é promover uma reflexão sobre esse tema que ainda é desconhecido e um pouco distante das pessoas apesar de tão presente em nossas vidas. Apesar de um ser um ativo valiosíssimo para as empresas é pouco considerado. No Brasil temos quase um quarto da biodiversidade da natureza e de nossa floresta amazônica que se bem cuidada pode ter um papel significativo no desenvolvimento. Não houve nenhum país que tenha tido um desenvolvimento econômico considerável sem o devida proteção a PI. A ideia de uma estratégia nacional em PI é essencial para melhor o ambiente de negócios no Brasil onde o país está mal posicionado segundo estudos do Banco Mundial e isso tem impacto nos investimentos. Hoje chegamos a 5 mil mortos na Covid no Brasil. Esse é um momento oportuno para discutir o papel da PI. Temos de definir o que queremos como nação. O Brasil tem tomados posições importante além das medidas que o INPI vem adotando em eliminar o atraso em marcas e que está muito bem equacionado em patentes. Chegamos a levar 15 anos para conceder uma patente. Isso é péssimo para o ambiente de negócios. Vamos querer seguir o passo destas nações desenvolvidas, como Japão, Coreia, Índia, Cingapura e a própria China que há 40 anos não tinha nada em PI e que hoje é líder de depósitos de patentes. Precisamos parar de pensar que PI é bom somente para os países ricos. Brasil foi um dos pioneiros sendo o quinto país do mundo a adotar a proteção da PI. Veneza foi o primeiro em 1474, Brasil foi primeiro até do que Portugal. Fomos membro fundador do PCT mas depois de 1970 tivemos muitos altos e baixos, sendo muito mais baixos do que altos, com PI sendo desmerecida. Muitos avanços e recuos mas tudo indica que hoje aprendemos a lição. este é um tema técnico, não é um tema ideológico, que interessa ao setor privado. Um avanço recente foi a adesão ao Protocolo de Madrid em marcas. O Brasil é membro de apenas 40% tratados da OMPI e de apenas 20% dos tratados considerados mais importantes. Governo tem dado sinal que o Brasil irá aderir a Haia, Budapeste, Beijng, entre outros. Esta é uma demanda do setor produtivo. Não temos de reinventar a roda: o caminho do desenvolvimento tecnológico passa pro uma PI mais forte.

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Dia Mundial da Propriedade Industrial 2020- ABPI/OMPI/INPI

Presidente do INPI Claudio Furtado destaca que patentes verdes são de interesse para países emergentes, mas precisamos pensar em tecnologias mais próximas de nós como, por exemplo, tratamento de resíduos e os problemas em saúde pública que atingem especialmente os países emergentes (55% da população brasileira não tem acesso a esgoto). A 5km da residência do presidente em São Paulo existe a favela de Paraisópolis, com esgoto a ceu aberto. Muitas tecnologias nessa área tem mais interesse para o país do que baterias e carros elétricos, por exemplo. Falemos de patentes patentes verdes mas não esqueçamos é que é absolutamente prioritários para nós.

Jose Graça Aranha diretor regional da OMPI observa que nem todos os ambientalistas são comunistas. Preservar o ambiente não é coisa de comunista, parece que estamos num filme de ficção científica trágico. Preservar a natureza é fundamental. Esperamos que o bom senso, cada vez mais raro, possa prevalecer. Vários países europeus já assinaram o Pacto verde e ninguém em sã consciência pode dizer que esses países são comunistas. Precisamos aproveitar o embalo e desenvolver essa área. A WIPO Green é gratuito e uma rede de soluções que pode servir de base para muitas pesquisas nessa área.

Felipe Cardoso, CEO e Fundador da Eco Panplas foi premiado com patente de reciclagem de embalagens plásticas de óleo lubrificante com custo 30% inferior ao processo com água. A Eco Panplas desenvolveu um solvente ecológico que descontamina embalagens plásticas sem gerar resíduos e garante plástico limpo para reciclagem. A medida é ganhadora do 6º Prêmio Fecomércio de Sustentabilidade, na categoria Indústria. A Patente Verde foi enquadrada pelo INPI como uma tecnologia limpa que contribui positivamente para as questões ambientais, de mudanças climáticas e gerenciamento de resíduos. Dessa forma, teve sua prioridade de análise. A patente BR102014008094 foi depositada em 03/04/2014 e concedida em 26/09/2017 após reforma na fase recursal de decisão de indeferimento em primeiro exame. A invenção ganhou 18 prêmios entre nacionais e internacionais e a melhor solução patenteada na America Latina devendo ser exposta na Feira Internacional em Genebra. Entre os prêmio o BID FEMSA Award Washington 2018 . A patente foi muito importante nesses resultados e valoriza a solução. O processo de patenteamento foi bastante exigente e criterioso o que confere confiabilidade a patente concedida. A aceleração do exame em três anos foi também muito importante. https://www.entrepreneurship-campus.org/ideas/22/13608/

Thiago Coelho Mariano, Gestão e Suporte ao Negócio, New Steel, Nova Lima, Minas Gerais desenvolveu tecnologia FDMS em mineração a seco de separação magnética em minério e rejeitos de barragem. Nosso rejeito final é areia, um rejeito seco que pode ser aproveitado na indústria cimenteiro e até mesmo na indústria de vidro. Chegamos ao patamar de redução direta, gerando matéria prima para siderúrgicas. A patente 102014025420 trata de processo de beneficiamento a seco de finos e superfinos de minério óxido de ferro presente em barragens de rejeitos e minérios rejeitados de baixo teor foi depositada em 10/10/2014 e concedida em 05/04/2016 em apenas um ano e seis meses como parte do programa de aceleração em patentes verdes, na época um programa novo. A tecnologia tem patente concedida em 59 países. A empresa ganhou em 2015 o prêmio e inovação PLATS considerado o Oscar da inovação em mineração. Temos orgulho de nossas patentes que estão emolduradas em todas as nossas unidades. https://newsteel.com.br/patentes/

Patenteabilidade e obviedade misturando conceitos no USPTO


Em DDR Holdings, v. Hotels.com, o Tribunal considerou que a solução alegada de gerar uma página da Web composta que combina certos elementos visuais de um site host com o conteúdo de um comerciante de terceiros é técnica e “necessariamente enraizados na tecnologia de computadores", apesar de abordar, sem dúvida, o problema comercial de reter ou aumentar o tráfego do site. Na identificação dos avanços em relação ao estado da técnica é inevitável que haja uma contaminação cruzada do critério de patenteabilidade da seção 101 com a de obviedade na seção 103 o que tem acontecido em Berkheimer v. HP Inc. assim como KPN, Chamberlain, Enfish e McRO mencionados, bem como Cellspin Soft v. Fitbit, Data Engine Technologies v. Google, Core Wireless v. LG Electronics e Internet Patents Corp. v. Active Network.

Em Cellspin Soft. v. Fitbit, 927 F.3d 1306 (Fed. Cir. 2019) considerou as alegações factuais plausíveis e específicas para ser considerada como patenteável na medida em que revela a patente a conexão de um uma câmera digital com um telefone celular de modo que o usuário pode fazer a postagem de foto ou vídeo diretamente a uma página da internet sem a necessidade de fazer uso da transferência de dados por meio de um cabo USB como observado no estado da técnica. Uma das patentes envolvidas faz a comunicação entre celular e câmera por meio de Bluetooth. Ainda que elementos individuais como o Bluetooth sejam convencionais a implementação de técnicas conhecidas em dispositivos particulares numa combinação específica pode ser inventiva, de modo que a invenção faz “significativamente mais do que meramente a ideia de captura, transferência ou publicação de dados”.[1]


[1] Lemley, Mark A. and McCreary, Andrew and Robbins, Tyler, Recent Developments in Patent Law 2020 (April 22, 2020). https://ssrn.com/abstract=3583103

domingo, 19 de abril de 2020

Patentes e a Fiocruz

Em 1906, Alcides Godoy, cientista do Instituto Oswaldo Cruz, descobriu a primeira vacina veterinária do país para profilaxia de doenças infecto-contagiosas: a vacina contra o carbúnculo sintomático, mais conhecido como Peste da Manqueira. Em 1918 em conjunto com outro pesquisador da Fiocruz, Astrogildo Machado, Godoy descobriu a vacina anticarbunculosa, contra o carbúnculo hemático, também conhecida como carbúnculo verdadeiro (ou antraz). Tem havido confusão entre o Carbunculo Sintomático (Manqueira, Mal do Ano) e o Carbuculo Hemático ou verdadeiro (Carbunculo, Antraz). A primeira vacina foi a "Vacina contra a Manqueira" ou seja contra o Carbunculo Sintomático. A Vacina contra o Antraz,"Vacina Anticarbunculo, Manguinhos", foi desenvolvida cerca de 10 anos depois por Alcides Godoy e Astrogildo Machado que então trabalhava no Laboratório de Godoy no Instituto Oswaldo Cruz. As duas vacinas foram patenteadas a primeira por A.Godoy em 1908 (patente no 5566) e a segunda por A.Godoy e A.Machado em 1918 registro no 9981.
O desenvolvimento desta vacina da peste manqueira partiu de uma solicitação dos pecuaristas de Minas Gerais, onde a peste da manqueira dizimava aproximadamente 40%, às vezes até 80% dos bezerros. A epizootia era muito comum também em outros estados do Brasil e em vários países da América do Sul. Em Minas ela já fora estudada por J. Batista de Lacerda, que chegou a preparar uma vacina contra a doença, com resultados insatisfatórios. Oswaldo Cruz, que qualificou estes estudos como pouco sérios do ponto de vista bacteriológico, entregou a incumbência primeiro a Ezequiel Dias e Rocha Lima, depois a Alcides Godoy. A originalidade do processo de Godoy residia na utilização de um meio de cultura especial para bactérias anaeróbicas, na qual a glicose tinha um papel preponderante. Com esse meio de cultura, obteve uma raça diferenciada de bactérias de virulência atenuada, o que permitiu o uso da vacina com o germe vivo (Clastridium Chauvei). Basta uma injeção de dois centímetros cúbicos para imunizar o animal durante toda a vida. Geralmente aplica-se a vacina em bezerros, nos primeiros anos, pois o animal que atinge à idade adulta, num meio infectado,está naturalmente imunizado. Logo que foram confirmadas as propriedades vacinantes das culturas de Godoy, ele partiu para Juiz de Fora, com Rocha Lima e Carlos Chagas, para executar as experiências finais, e só então a vacina começou a ser fabricada em escala comercial.
Após a descoberta das vacinas em 1906 e os registros das respectivas patentes em nome dos cientistas fundadores de Manguinhos, elas passaram a ser fabricadas no Instituto Oswaldo Cruz - Manguinhos, atual Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e exploradas comercialmente pelos próprios cientistas até que, em 1939, resolveram fundar a empresa Produtos Veterinários Manguinhos Ltda, continuando a trabalhar no IOC até falecerem, respectivamente em 1950 e 1945. A firma Produtos Veterinários Manguinhos foi criada e continuou a produção das vacinas até então produzidas no IOC. A vacina contra a manqueira começou a ser distribuída e vendida já em 1906. Ela imunizava o gado com uma só aplicação. Na exposição de demografia e higiene realizada de Berlim, em junho de 1907, na qual o Instituto obteve a medalha de ouro, a vacina da manqueira foi um dos destaques selecionados, dentre os produtos fabricados para representar as atividades do IOC. A premiação em Berlim foi determinante para que o Ministério da Justiça e Negócios Interiores aprovasse um novo regulamento, proposto por Oswaldo Cruz, visando expandir de modo expressivo as atribuições do Instituto, que passaria a gozar de considerável autonomia administrativa e financeira, sendo esta última garantida, principalmente, pela renda advinda da venda da vacina na manqueira. Tais recursos, que permitiam ao Instituto não depender apenas do orçamento governamental, foram fundamentais para contratar novos pesquisadores e, assim, ampliar o quadro de pessoal da instituição. O próprio Oswaldo Cruz, em função da repercussão e da originalidade do processo desenvolvido por Godoy, aconselhou-o a patentear em seu nome a invenção.
Depois de registrar a patente da vacina, em 24 de novembro de 1908, (Carta patente n 5.566, publicada no Diário Oficial de 6 de dezembro de 1908), Godoy lavrou em cartório uma escritura de cessão, lavrada no Tabelião Evaristo Vale de Barros, em 11 de dezembro de 1908, transferindo sua invenção para o Instituto Oswaldo Cruz, na condição de reverter em favor de suas atividades científicas a exploração industrial do produto, sob pena de ficar sem efeito a concessão. Por entendimento verbal entre Oswaldo Cruz e Godoy, ficou estabelecido que o descobridor teria direito a 5% da renda bruta da vacina até 1917, e daí em diante, 8%. Esse artifício hábil consolidou a autonomia de Manguinhos, permitindo-lhe gerir esses recursos, que seriam consideráveis, sem ter de se submeter à burocracia do Ministério da Justiça ou às rígidas determinações que presidiam a aplicação das verbas votadas pelo Congresso. Por outro lado, o estratagema criava, jurisprudência para um tipo de relação privatista entre a instituição e seus pesquisadores, estimulados a inventar e patentear outros produtos biológicos. Segundo depoimento de Arthur Neiva: “dos milhares e milhares de contos de réis que as vacinas preparadas em Manguinhos renderam os descobridores preservaram para si módica percentagem, abrindo mão da quase totalidade em favor de Manguinhos”.[1] Carlos Chagas retrucava aos críticos que consideravam imoral facultar a seus técnicos o direto de solicitar patentes e auferir parte da renda gerada: “A descoberta de produtos novos representa a resultante do esforço ou da capacidade profissional e merece ser recompensada. Alegam os contraditores dessa prática que os tais descobrimentos são realizados com material do estado, e que os descobridores são pagos para realizar descobertas. À primeira objeção cabe a resposta de que não é o microscópio e nem o tubo de cultura que fazem as descobertas E quanto á outra alegação, eu devo afirmar que entre as atribuições dos funcionários deste Instituto não figura a obrigação de fazer descobertas. Seja como for, o certo é que devemos a tais normas uma grande parte do desenvolvimento científico do Instituto”.[2] Entre estes críticos se encontrava o próprio Arthur Neiva que alegava que ´modelo de partição de lucros da patente da manqueira fomentou uma ambição nos demais pesquisadores em detrimento da pesquisa básica: “Esta foi a origem principal da decadência de Manguinhos. Vários técnicos do Instituo atualmente empregam toda sua atividade no preparo de vacinas, soros, produtos quimioterápiocos, que, revestidos no nome prestigioso do Instituo onde foram preparados, possam dar uma fonte de renda avultada a seus manipuladores. Todos o ideal de pesquisa científica desinteressada já despareceu quase que pela totalidade dos assistentes, e os que não se sentem com pertinácia para preparar soros e vacinas procuram fundar na cidade laboratórios de pesquisas onde possam encontrar uma condição material melhor do que a que lhes é oferecida pelos pequenos honorários que recebem”.[3]
Segundo Simon Schwartzman: "Os recursos para financiar boa parte dessas pesquisas vinham não do custeio do Instituto pelo governo federal, mas do que ficou conhecido como a “verba da manqueira”. Em 1908 Alcides Godói e José Gomes de Faria desenvolveram uma vacina muito eficaz contra a “manqueira”, uma doença que afetava o gado brasileiro. Doaram ao Instituto a patente dessa vacina, e os lucros com a venda da vacina serviam agora para equipar laboratórios, pagar novos pesquisadores e financiar as viagens dos técnicos pelo Brasil ou aos países vizinhos, em busca de novos problemas e novas soluções”. A famosa verba da manqueira, contabilizada à parte, teve importância vital na sustentação do Instituto Oswaldo Cruz, sobretudo nas conjunturas recessivas do país, com ela foram pagos os salários de muitos pesquisadores e funcionários, parte das despesas com as novas construções, a impressão das Memórias e uma infinidade de outros itens. Devido à importância dessa fonte de recursos, o Instituto empenhou-se a fundo em disseminar o uso da vacina nas zonas pastoris do Brasil. Grande parte dos fornecimentos fazia-se por intermédio do Ministério da Agricultura e outros órgãos públicos estaduais ou municipais. Basta salientar, que, entre outras rendas arrecadadas pelo Instituto, predominava a da manqueira, pela qual foi custeada a maioria das despesas do pessoal contratado e de material até 1930, além da despesa total do Instituto nos anos de 1931 e 1932, na importância média de Cr$ 880 mil anuais, em virtude de ter havido corte orçamentário nos ditos anos. Tendo o governo concedido apenas Cr$ 30 mil para material em 1933 e Cr$ 30 mil para 1934, foi a citada renda um fator preponderante para a manutenção dos encargos do Instituto.
A experiência da vacina da peste manqueira que garantiu a autonomia financeira de Manguinhos por três décadas foi pontuada por conflitos políticos e gerenciais. Nara Britto, a partir de depoimento oral de Lobato Paraense, esclarece que as discussões em torno desta vacina originaram divergências, gerando três posições sobre a aplicação dos lucros auferidos com a comercialização do produto. Oswaldo Cruz decidiu destinar os royalties da vacina aos inventores. Uma vertente apoiou a medida tomada por Oswaldo Cruz. Outro grupo pensava em aplicar as verbas em compra de materiais laboratoriais. Um terceiro grupo defendeu a distribuição equitativa dos lucros entre os pesquisadores, como forma de acréscimo salarial. Questionou-se também a “legitimidade de propriedade de um produto desenvolvido numa instituição pública”. Em relatório do Instituto Oswaldo Cruz, de 14 de fevereiro de 1912, Oswaldo Cruz tece comentários generosos em relação à atitude de desprendimento de Godoy, posto que este havia cedido a titularidade da vacina ao Instituto. Godoy condicionou a cessão à aplicação das verbas em atividades de aquisição de livros e de publicação da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, conforme Relatório do Instituto Oswaldo Cruz, de 1911 (Britto, 1995). A patente da vacina foi registrada em 24 de novembro de 1908 (carta patente no 5.566, publicada no Diário Oficial, de 6 de dezembro de 1908), e lavrada pelo tabelião Evaristo Vale de Barros, em 11 de dezembro de 1908. O termo de cessão foi registrado em 24 de março de 1909, no livro 5, fl.132, do registro geral de privilégios, da Diretoria Geral de Indústria (Ministério da Viação e Obras Públicas). O não cumprimento das condições supracitadas invalidaria a cessão. Entendimento verbal entre Oswaldo Cruz e Alcides Godoy possibilitou o remanejamento, em favor do inventor, de 5% da renda bruta da vacina até 1917, e daí em diante, 8% (Benchimol, 1990). Para Henrique Cukierman: “o hábil artifício da cessão da patente permitiu consolidar a autonomia de Manguinhos, assegurando-lhe recursos consideráveis e absolutamente estratégicos, uma vez que estavam  colocados fora do alcance da inconstância da burocracia pública e das rígidas determinação que acompanhavam as aplicações de verbas orçamentárias aprovadas pelo Congresso”.[4]
A vacina contra a peste manqueira, que atingia o gado, foi o segundo produto que obteve no Brasil a renovação da Patente, fato só obtido anteriormente pelo Formicida Matarazzo. A patente da vacina manqueira foi prorrogada pelo Decreto nº 16.200 de 31 de outubro de 1923 que prorrogou por 15 anos o prazo do privilégio de que trata a Carta de Patente de invenção, nº 5.566 de 24 de novembro 1908, que em seu artigo primeiro estabelece: “Fica prorrogado por 15 anos o prazo do privilégio a que se refere a Carta Patente n. 5.566, de 24 de novembro de 1908, concedida ao Dr. Alcides Godoy e transferida ao Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos (Instituto Oswaldo Cruz), em 24 de março de 1909, para invenção de uma nova vacina contra o carbúnculo sintomático (peste da manqueira)”. Os rendimentos obtidos com a venda da vacina foram fonte de verbas controladas pelo Instituto para contratar pessoal, comprar material, formar a biblioteca etc.
Em 1937, como consequência da reforma implementada por Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde (criado em 1930, no âmbito da Revolução de 1930), foi vedada ao IOC a fabricação e comercialização desse e outros produtos veterinários. Segundo Henrique Cukierman: “A festa da autonomia de Manguinhos terminaria em 13 de dezembro de 1937 quando foi aprovada a incorporação de sua renda à receita geral da União, passando todos os seus serviços a serem custeados por dotações do orçamento ministerial”.[5] Em 26 de junho de 1938, Godoy e Machado pediram o registro da marca genérica para produtos veterinários Manguinhos. Suas famílias fundaram em 25 de janeiro de 1939, uma firma que se chamou Produtos Veterinários Manguinhos Ltda, para fabricar e comercializar a vacina da manqueira, do carbúnculo hemático, e posteriormente a vacina contra a pneumoenterite dos porcos. O primeiro lugar em que estabeleceram o laboratório foi em prédio nos fundos do Hospital Gaffrée Guinle, na Rua Silva Ramos 20. Tiveram por muitos anos escritório na Rua Uruguaiana 33. Na década de 40 construíram um laboratório na Rua Licinio Cardoso 91 (hoje Rua Francisco Manuel), em Benfica. Godoy casou-se com Dulce Leite de Castro em 5 setembro de 1923 e tiveram dois filhos: Oswaldo Tarcisio, que veio a se formar em Química Industrial e Engenharia Química e Margarida Maria, que estudou musica, tocava piano e estudou na Europa. Faleceu em 30 de janeiro de 1950, aos 70 anos. Na década de 1960 a família Godoy saiu da sociedade, que ficou com a família de Machado. A firma, que continua a fabricar a vacina da manqueira, foi vendida recentemente pelos seus descendentes e pertence hoje à empresa Bravet.
 



[1] BENCHIMOL, Jaime; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Cobras, lagartos & outros bichos, UFRJ, 1993, p.209
[2] BENCHIMOL, Jaime; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Cobras, lagartos & outros bichos, UFRJ, 1993, p.189; CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 339
[3] BENCHIMOL, Jaime; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Cobras, lagartos & outros bichos, UFRJ, 1993, p.145
[4] CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 338
[5] CUKIERMAN, Henrique. Yes, nós temos Pasteur. Rio de Janeiro: Faperj,2007, p. 341

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Rui Barbosa e as patentes


Em 1880 ainda sob a vigência da lei de 1830 o Conselheiro Guilherme Schuch de Capanema solicitou patente para um processo de fabricação de sulfureto de carbono como formidica que foi objeto de discussão na Câmara no mesmo ano. As discussões na Câmara dos Deputados sobre o assunto foram inflamadas, o projeto foi discutido em seis sessões, onde os deputados debateram assuntos diversos, entre os quais a diferença entre introdutor e inventor, o histórico da descoberta do dissulfeto de carbono, a composição do formicida e a prática da concessão do privilégio ao invés do prêmio pecuniário que o introdutor de uma nova indústria no país tinha direito.[1] Combatendo a concessão o então deputado Rui Barbosa declarava-se “intransigentemente hostil a toda a espécie de medidas tendentes a assegurar à indústria, ao trabalho, outra proteção que não seja a da liberdade, a do direito comum, a única legítima, a única razoável, e com que exclusivamente deve contar o trabalho nacional”. [2] 
Anos mais tarde em 3 e 5 de dezembro de 1899 Rui Barbosa irá mencionar esta campanha realizada em artigos do Diário de Notícias e do Jornal do Brasil como prova de sua coerência contra os monopólios.[3] Em 8 de janeiro de 1899 como redator chefe do jornal A Imprensa sob o título Monopólio, Rui Barbosa ao comentar sobre a chegada da indústria elétrica e aos contratos de exclusividade de gás das empresas estrangeiras que exploravam tais serviços comenta: “Somos e seremos intransigentemente avessos a essas explorações odiosas, não porque tenhamos contra os monopólios a superstição do ódio ao nome, ou porque ele preste às cordas da indignação uma retumbância útil para atordoar incautos, mas porque as nossas mais antigas convicções de acham em hostilidade a esse funesto industrialismo, porque o estudo, que é a nossa triste mania e o hábito absorvente de nossa vida, cade vez mais enraíza em nosso espírito essas ideias, e porque os monopólios, como os privilégios, quando não são ligados à essência das coisas, ou ditados por necessidades inevitáveis, violam o nosso direito constitucional [...] as conquistas da civilização não são propriedade de ninguém, elas pertencem ao mundo civilizado, exceto aqueles direitos, criados e protegidos por lei, para o benefício de inventores, aperfeiçoadores e iniciadores”.[4] 
Rui Barbosa, contudo, foi o advogado da canadense Rio de Janeiro Tramway Light & Power Co..Como consultor jurídico da Light respondeu a um questionamento feito por Alfredo Maia sobre privilégios exclusivos. Em resposta Rui Barbosa afirma que “só se verifica o monopólio, propriamente dito, quando o seu privilégio sequestra ao direito comum, para os encerrar no domínio exclusivo dos privilegiados, uma indústria, um comércio, um gênero qualquer de trabalho, até então franco a todos, ou naturalmente a todos acessível e que fora daí limitando-se o privilégio exclusivo á viação pública, à iluminação urbana, ao serviço de telegrafia ou telefonia, o aproveitamento da água e da força motriz ás cidades, bem assim a satisfação de outras necessidades coletivas nos centros populosos, essas concessões administrativas nem incorrem no odioso monopólio na sua má significação, nem são inconstitucionais [...] o que, sobretudo, legitima esses privilégios, após a consideração de que não subtraem aos indivíduos nenhum direito seu, e representam serviços incumbentes, pela sua natureza, à administração, é a sua necessidade, a sua inevitabilidade”. Na conclusão do crítico Magalhães Júnior: “Virou, assim, pelo avesso os seus conceitos de 1889. Uma coisa era o jornalista de oposição, inflamado e pressuroso, a defender a cidade contra a voracidade de um monopólio. E outra, o jurista meticuloso e aplicado disposto a retribuir , em bons serviços, a generosidade do poderoso grupo concessionário dos telefones, bonde, gás, luz e força, exemplar na pontualidade de suas mensalidades e de mão aberta no pagamento de extraordinários”.[5]


[1] SANTOS, N. P.. Privilégios Industriais no Brasil e a Química: o Formicida Capanema. In: X Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 2005, Belo Horizonte. Cadernos de Resumos do 10o. Seminário Nacional de História da Ciência e Tecnologia. Belo Horizonte: CEDECOM - UFRMG, 2005. v. 1. p. 128-128.
[2] Annaes do parlamento Brasileiro. Câmara dos Srs Deputados, Terceiro Anno da Décima Sétima Legislatura, Sessão de 1880, Rio de Janeiro, 1880, IV, 432, cf. LUZ, Nícia Vilela. A luta pepla industrialização do Brasil, São Paulo:Alfa Ômega, 1975, p.46
[3] JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 251
[4] McDOWALL, Duncan. A história da empresa que modernizou o Brasil, Rio de Janeiro:Ediouro, 2008, p. 185; JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 250
[5] JUNIOR, Magalhães, Rui o homem e o mito, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 260