sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Invenções incrementais: o rigor de exame do INPI

Darcio Gomes e Eduardo Fiuza[1] investigam o impacto das patentes follow on, também conhecidos como me-too, que tratam de produtos de segunda geração resultado de P&D incremental essencialmente baseados em produtos já existentes e que tenham essencialmente um modo de ação similar. O estudo faz parte do Inquérito Brasileiro sobre a Concorrência no Setor Farmacêutico Brasileiro (IBSCSF). As avaliações foram realizadas tomando-se como base 94 princípios ativos de medicamentos referência da ANVISA que não eram associações (combinações) e e que suas patentes primárias tinham data de depósito posterior a 1980. Para os 94 princípios ativos selecionados foram identificadas 817 pedidos de patente no Brasil pelo grupo detentor da patente primária, e 702 pedidos de patente depositados no Brasil por outros laboratórios (46%) o que que demonstra o interesse e a viabilidade dos concorrentes em inovar partindo de um produto já conhecido. Isto indica que uma grande parte da pesquisa incremental, que gera depósitos de patentes no Brasil, é pró-competitiva. O levantamento recuperou 304 produtos dos quais 137 (45%) foram produtos originais e 167 (55%) follow on. Grande parte destes produtos follow on (74) é de combinações farmacêuticas, ou de mudanças de doses (73) seguidas de novas formas farmacêuticas (18). Em apenas 24 casos o princípio ativo foi de alguma forma quimicamente modificado na forma de análogos estruturais, sais ou no uso do isômero isolado a partir do princípio ativo original. A pesquisa não identificou novos usos ou patentes de processo pois em ambos os casos não se protege o produto. Os números indicados no IBSCSF, ainda inéditos, dão conta que o INPI é muito mais rigoroso na concessão de patentes incrementais que as suas contrapartes norte americanas e europeias.


[1] PEREIRA, Dárcio; FIUZA, Eduardo. Os direitos de propriedade intelectual nas estratégias de ciclo de vida para medicamentos de segunda geração: resultados parciais do inquérito brasiileiro sobre a concorrência do setor farmacêutico. IPEA, Rio de Janeiro, Radar Tecnologia, Produção e Comércio Exterior, n.29 , p.27-37 http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/radar/131009_radar29.pdf

Rayom: os danos de uma patente mal concedida

O químico inglês Perkin havia obtido patente na Inglaterra em 1856 para a anilina iniciando uma indústria de corantes que revolucionaria o setor de tecelagem inglês.[1] No início do século XX um importador de corantes do Rio de Janeiro, chamado Max Naegeli descobrira uma falha na lei de patentes: não era necessária a busca das patentes existentes para a concessão de novas patentes. Assim, Naegeli decidiu patentear em 1913 fórmulas básicas de corantes de anilina. Mesmo sabendo que suas patentes poderiam ser anuladas em juízo, por falta de novidade, sua tática era a de que os produtos concorrentes fossem temporariamente apreendidos de modo que as despesas de armazenagem lhes tornassem anti econômica a liberação.
Não obstante, quatro meses depois, os tribunais negavam a validade das suas patentes e as anilinas começaram a ser livremente importadas novamente. Em 1919 o mesmo Naegeli obteve a patente do processo de fabricar rayon. O registro foi impugnado pela empresa inglesa Courtaulds Limited num processo que se arrastou por sete anos e meio. Desta vez Naegeli venceu por um detalhe técnico, o de que a Courtaulds não era parte legítima. Segundo a lei brasileira, numa situação dessa ordem, a iniciativa da ação só caberia a um consumidor e não ao fabricante. Assim Naegeli pode arrendar sua patente à Matarazzo que construiu uma fábrica de rayon. Como o prazo da patente expirasse em 1934, Naegeli requereu sem sucesso, uma extensão de prazo de sete anos e meio[2]. A primeira fábrica para a produção de fios de raiom foi estabelecida pelo grupo Matarazzo m São Paulo em 1924, que pode se aproveitar dos direitos de sua patente até 1933 quando uma segunda fábrica iniciou suas operações. Esta segunda fábrica, subsidiária da Rhône Poulenc foi estabelecida em 1930, porém só pode operar a partir de 1933 antes da extinção da patente. Em 1935 uma terceira fábrica, a Companhia Nitro Química Brasileira, do grupos brasileiros Votorantim e Klabin  em associação com capital norte americano pode se estabelecer e  iniciar suas operações em 1937. [3]



[1] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 353
[2] DEAN, Warren. A industrialização de São Paulo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1971. p. 135. O caso da seda artificial, Revista de Direito Industrial, setembro/outubro 1936, n.4, p. 194-201
[3] SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: origem e desenvolvimento. São Paulo:Hucitec, 2000, p.348

Smartgene: patente de etapas mentais ?

Em SmartGene v. ABL (Fed. Cir. 2014) a Corte analisou a patente US6081786 referente a método para guiar a seleção de um regime de tratamento terapêutico para paciente com doença conhecida compreendo fornecer informações do paciente a um dispositivo de computação compreendendo uma primeira base de dados com diferentes regimes de tratamento para dita doença, segunda base de dados compreendendo regras para avaliação e selecionar o regime de tratamento  da dita doença, uma terceira base de dados com informações auxiliares e a geração no dito dispositivo de computação de uma lista de possíveis de regimes de tratamento em ordem de recomendação e informação auxiliares. Segundo a Corte esta reivindicação não atende a seção 101 da lei conforme o caso Cybersource Corp. v. Retail Decisions pois trata de  porcesso definido simplesmente pela utilização de computador para executar uma série de etapas mentais que uma pessoa, consciente das etapas, poderia executar em sua mente. CyberSource explica que a Suprema Corte indicou que a seção 101 não abrange processos mentais – associados como parte da categoria conhecida como “ideias abstratas” – nem processos que meramente invocam um computador e suas funcionalidades básicas para implementar tais processos mentais, sem que se especifique algum novo componente físico ou algum processo outro que não aquele que possa ser executado mentalmente. Mayo v. Prometheus reforça este entendimento de que eligibilidade pela seção 101 requer que a reivindicação envolva algo mais, a aplicação da ideia no domínio dos objetos úteis (para reivindicações de produto) ou ações físicas (para reivindicações de processo), que seja considerado além do que já é conhecido, rotineiro e convencional. No caso Ultramercial o processo lá reivindicado lá era materialmente distinto do apresentado nesta patente e, portanto, não envolvia etapas meramente mentais, mas especificidades próprias de uma rede de computador que está além do aqui se apresenta. [1] Para Dennis Croch esta decisão do Federal Circuit é um indicativo que a revisão da Suprema Corte do caso CLS deve seguir o mesmo argumento.[2]



[1] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/13-1186.Opinion.1-22-2014.1.PDF
[2] CROUCH, Dennis. SmartGene v. ABL: Foreshadow of the Supreme Court in CLS Bank? 30/01/2014 http://patentlyo.com/patent/2014/01/smartgene-foreshadow-supreme.html

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Japão, patentes e engenharia cultural

A revolução Meiji iniciada em 1868 enfatizou a busca por conhecimento tecnológico e chegou a aprovar uma lei de patentes em 1871 que viria a ser revogada no ano seguinte. [1] Ian Inkster[2] mostra que a Revolução Meiji emnvolveu o que podemos denominar de “engenharia cultural” que teve um amplo alcance absorvendo técnicas do Ocidente assim como com impactos sociais importantes ao reforçar o sentimento de grupo e uma ética ao trabalho. A contribuição de pesquisadores estrangeiros como o químico holandês  K. Gratama foi fundamental para o surgimento de universidades como o departamento de química na Universidade de Tóquio com elevado padrão de ensino.  Segundo Ian Inkster: “a educação pública foi claramente o elo institucional mais próximo entre a formação de capital humano, engenharia cultural e transferência de tecnologia”.

Nuno Carvalho aponta o impacto provocado pela infração generalizada de um tear mecânico apresentado por um inventor japonês durante a primeira exposição industrial realizada no Japão em 1877. O inventor morreu pobre apesar do enorme sucesso de sua invenção, para o qual não havia proteção legal disponível.[3] Em 1886 Takahashi Korekiyo, primeiro diretor do escritório japonês de patentes, então um órgão do Departamento de Agricultura e Comércio,[4] foi enviado em missão pelo governo japonês aos Estados Unidos e Europa para examinar seus sistemas de patentes e concluiu em seu relatório: “o que faz os Estados Unidos uma grande nação? e nós investigamos e encontramos que eram as patentes, deste modo também nós teremos patentes”.[5] A primeira lei de patentes japonesa foi aprovada em 1888 incorporando muitas das características da legislação norte americana. Após a adesão à CUP uma nova lei foi aprovada em 1899, com a principal modificação de estender os direitos às patentes também aos estrangeiros seguindo o princípio de tratamento nacional. A influência alemã viria na lei de 1909 com a proteção aos modelos de utilidade e em 1921 com a adoção dos procedimentos de oposição administrativa e a remoção da proteção para produtos químicos.[6] O Japão, portanto, possui legislação patentária desde o início de seu processo de industrialização.



[1] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.164
[2] INKSTER, Ian. Cultural engineering and yhe industrialization of Japan circa 1868-1912 In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.291-308
[3] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 343.
[4] http: //en.wikipedia.org/wiki/Takahashi_Korekiyo.
[5] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 111.
[6] KHAN, Zorina. An Economic History of Patent Institutions. 2010 http: //eh.net/encyclopedia/article/khan.patents. cf DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.164
 

As origens do relatório descritivo

Na Inglaterra pré industrial não se exigia do pedido de patente a presença de um relatório descritivo. O relatório descritivo somente foi introduzido nos pedidos de patente no século XVIII. Sua presença era considerada excepcional no pedido de patente. Christine MacLeod [1] estima que a presença de um relatório descritivo tornou-se prática padrão apenas após 1734,. O precedente para esta padronização foi o Ato de 1732 que concedeu um subsídio de 14 mil libras para Thomas Lombe na condição de que ele depositasse um modelo de sua fiandeira de seda na Torre de Londres junto com uma descrição escrita completa de seu funcionamento. Uma ênfase maior veio com a decisão Liardet v. Johnson de 1778 em que o juiz Lord Mansfield estipulou que o pedido de patente deve ser suficientemente completo e detalhado para que qualquer técnico no assunto ou no comércio ao qual pertence a invenção pudesse copreendê-la e executá-la sem um esforço indevido. Em parte esta medida surge em um momento em que o desenho técnico através de diagramas adquire um maior desenvolvimento, até então bastante rudimentares. Para Christine MacLeod a principal motivação para introdução de um relatório descritivo nas patentes certamente não foi o de promover a disseminação tecnológica mas para facilitar a caracterização de contrafação nos casos de litígio, pois facilitava aos juízes compreenderem qual era o estágio da tecnologia na época do depósito do pedido. A patente nesta época não tinha o caráter fonte de informação tecnológica. Os países até então não adotavam uma política de exportação de tecnologia. Pelo contrário, em geral, adotavam uma postura protecionista de reter os avanços tecnológicos dentro do próprio país, e nesse sentido havia conflito com a proposta de divulgação de documentos de patentes com suficiência descritiva para que um técnico no assunto pudesse realizar a invenção. Uma sucessão de dispositivos legais impediam a emigração de trabalhadores especializados. Nuno Carvalho observa que nesta época muito mais importante para a transferência de tecnologia era o aprendizado direto proporcionado pelo titular da patente introdutor das novas tecnologias no país ou cidade: “a contrapartida do privilégio nunca foi a divulgação da invenção (muitos privilégios, mesmo em França e Veneza foram concedidos para invenções mantidas em segredo), mas sim a sua exploração” [2].



[1] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.49
[2] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 236.
 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Evergreening no Brasil

Segundo Adelaide Antunes: “É possível observar que, até o momento, o desenvolvimento de inovações incrementais ainda reflete a situação da P&D brasileira. Isso porque é inviável para a indústria farmacêutica nacional, de imediato, realizar os investimentos e alcançar a fronteira da tecnologia necessária para o desenvolvimento de inovações ditas radicais. Neste sentido, considera-se que, no atual cenário, pesquisas em novos usos médicos de composto químicos conhecidos podem representar uma opção factível para o setor farmacêutico brasileiro, tendo em vista que neste tipo de P&D não há mais necessidade da densidade tecnológica e investimentos requeridos durante a etapa de pesquisa básica. Ao mesmo tempo, não se deve subjugar a importância das inovações incrementais, que muitas vezes causam mais impacto terapêutico e econômico que uma inovação radical”. [1]

Entretanto, pesquisa na base de patentes do INPI realizada por Rodrigo Oliveira mostra que a maior parte das patentes de segundo uso depositadas no INPI tem como titularidade grandes empresas estrangeiras. Rodrigo mostra que as empresas detentores de patentes de fármacos tem maior propensão a patentear segundos usos por questões de ordem econômica, pois os fármacos já existentes por terem farmacocinética e perfis de segurança já bem conhecidos e por, frequentemente, já terem sido aprovados pelas agências regulatórias para o uso humano, permitem aos detentores destas patentes identificar novos usos rapidamente para avaliação em estudos clínicos de fase II. Dessa forma, os pesquisadores de novos fármacos podem deixar de gastar quase 40% do custo total para trazer um medicamento para o mercado por eliminar grande parte da pesquisa em farmacocinética e toxicologia. [2] Desta forma os detentores das patentes de primeiro uso que detêm, em primeira mão, os dados de pesquisa básica e ensaios pré-clínicos e clínicos do composto químico para o primeiro uso médico, tem maior propensão em avançar neste tipo de pesquisa. A miltefosina, por exemplo, falhou em sua ação anticancer durante os estudos clínicos de fase II, entretanto os estudos in vitro e em animais indicarm sua viabilidade no tratamento de leishmaniose visceral. Podemos, portanto, entender que o custo de desenvolvimento de um novo uso, neste caso, deve ser visto como um continuidade do desenvolvimento do medicamento original, principalmente se considerarmos que apenas um percentual pequeno dos fármacos consegue a aprovação pelas autoridades de saúde. 

A pesquisa realizada mostrou um total de 207 pedidos de patentes de segundo uso depositadas entre 1995 e 1997 reivindicados em sua grande maioria como usos ou método terapêuticos. Entre os maiores depositantes, considerando as fusões entre empresas, encontram-se Eli Lilly/US (22), Pfizer/US (15), Sanofi/FR (13), Glaxo Smithkline/GB (12), Novo Nordisk/DK (11), Procter&Gamble/US (9), Hoffman-La Roche/CH (8), Novartis/CH (8), Abbot/US (7), Bayer Schering/DE (7), AstraZeneca/GB (5) e Johnson&Johnson (4). O Brasil aparece representado na amostra com apenas uma patente do Laboratórios Sintofarma S/A (PI9702841-0 de Nova indicação terapêutica da ivermectina). Por definição, o evergreening ocorre quando o novo depósito é realizado antes da patente anterior expirar, ou seja, dentro da sua vigência (geralmente o período de vigência é de 20 anos), porém a pesquisa não avaliou este lapso temporal, limitando a indicar dentre as 207 patentes listadas quais possuiam pedidos de patentes do mesmo depositante referentes aos compostos cujos novos usos são reivindicados nos pedidos de patente do presente estudo. Dos 22 pedidos de patente da Eli Lilly foram, desta forma, identificados “indícios” de evergreening em 20 casos o que representa 91% dos casos. O estudo contudo se limita a considerar pedidos de patentes. Pesquisa simples realizada no site do INPI mostra que destes 20 pedidos de patente 14 foram indeferidos, 8 arquivados e nenhum deferido, uma informação relevante para as conclusões da tese e que é omitida do texto.

Em sua conclusão Rodrigo Oliveira afirma: “No período estudado, a indústria nacional brasileira não se demonstrou inserida de maneira relevante na rede de depositantes de patentes de segundo uso médico no Brasil, o que reflete a sua falta de capacidade e produtividade inovadora significativa no campo das pesquisas de novos usos médicos. Os depositantes de pedidos de patentes de segundo uso médico no Brasil são predominantemente as indústrias farmacêuticas estrangeiras, mais especificamente, as maiores indústrias farmacêuticas em nível mundial em termos de receita, as chamadas “Big Pharma”. O argumento de que uma vez que a indústria nacional não inova então não precisamos de patentes, parte do princípio que o não patenteamento impuslsionaria tais empresas para inovação, o que é questionável, uma vez que décadas sem patentes para produtos químicos farmacêuticos antes do advento da LPI em 1996 não foram capazes de alavancra esta inovação como sugere o texto. Um argumento similar poderia ser usado com relação aos investimentos em mestres e doutores de engenharia. Uma vez que as empresas nacionais pouco inovam e tem poucos centros de P&D então poderíamos concluir que o país deveria parar de investir nesta área ?

Rodrigo Oliveira prossegue em sua análise: “O patenteamento de novas indicações terapêuticas está sendo usado no Brasil por empresas farmacêuticas estrangeiras como um mecanismo artificial de extensão patentária ou como um mecanismo para se obter uma patente relacionada a um composto anteriormente patenteado pela mesma empresa”. Esta conclusão ignora contudo um fato relevante; o de que todas as patentes listadas para a maior empresa, a Eli Lilly, foram arquivadas ou indeferidas não havendo portanto segundo a lei qualquer direito advindo destas patentes que afinal não foram concedidas. O argumento de que a expectativa de exame trouxe insegurança para investimentos de empresas genéricos, não se justifica pois muitas destas patentes, como o estudo indica, são para métodos terapêuticos que já possuem vedação explícita na lei. Não há razões para imaginar que o cenário seria diferente com uma exclusão explícita para novos usos. Diante de uma prática de exame rigorosa em se rejeitar tais patentes, por parte do INPI, tomando-se em conta os pedidos listados nesta pesquisa, pode-se presumir que haja uma maior segurança no mercado que as patentes de métodos terapêuticos serão rejeitadas tão logo examinadas, e quanto as de novo uso concedidas apenas sob um critério de atividade inventiva que veta a possibilidade de patentes frívolas.





[1] ANTUNES, Adelaide; BRITTO, Adriana; SILVA, Maria Lucia Abranches. Segundo uso médico de compostos químicos, 10/07/2013 http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=90&id=1102&print=true
[2] OLIVEIRA, Rodrigo Borges. A patenteabilidade do segundo uso e dos posteriores usos médicos no Brasil. Tese Doutorado, Instituto de Economia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2012, p.41 http://www2.congreso.gob.pe/sicr/cendocbib/con4_uibd.nsf/05DAB69D6A954B6605257A7C00778D0B/$FILE/Tese_-_Rodrigo_Borges_-_Verso_Final_com_ficha_catalogrfica_-_Ps_-defesa.pdf

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Quais os direitos de uma patente de uso ?

Newton Silveira argumenta que a patente de segundo uso não confere qualquer direito prático a seu titular: “Este (o consumidor), se acha coberto pela exceção do inc. I do art. 43, que isenta os atos praticados por terceiros não autorizados em caráter privado e sem finalidade comercial. O que resta então? Anunciar, na embalagem ou na bula, a nova destinação do medicamento. Anunciar, então, seria o verbo que se aplicaria. No entanto esse verbo não se acha nas previsões do caput do art. 42, redigido em obediência ao Acordo TRIPs. Além do mais, tal proibição significaria violação ao direito constitucional de livre expressão. Não se vislumbra, assim, qualquer enquadramento nos verbos previstos no art. 42: produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar. Vejam-se os dois incisos do art. 42: produto objeto de patente – não é o caso, como exposto; processo patenteado – também não é o caso, pois não se trata de processo; portanto, também não se trata de produto obtido por processo patenteado. Qual poderia ser o teor de uma sentença proferida num processo de contrafação de patente de 2º uso? Proibir o réu de praticar 2º uso, ou sugerir ao consumidor tal 2º uso? Como se vê, não se trata de falta de atividade inventiva, mas de falta de previsão legal. Ou, falta de lógica...”. [1]

Segundo a OMPI[2] “uma reivindicação para uma substância ou composição, para uma utilização particular, deve ser construída significando uma substância ou composição que seja de fato adequada para o uso indicado; um produto conhecido, o qual, à primeira vista, é o mesmo da substância ou composição definida na reivindicação, mas, que se apresenta numa forma que poderia tornar a mesma inadequada para o uso indicado, não destituiria a reivindicação de novidade. Entretanto, se o produto conhecido se apresentar numa forma na qual o mesmo é de fato adequado para o uso indicado, embora nunca tenha sido descrito para esse uso, isto, geralmente iria destituir a reivindicação de novidade em muitas jurisdições”.

Segundo Denis Barbosa[3]: “o uso de um produto objeto de patente ou produto obtido diretamente por processo patenteado só é suscetível de restrição pelo titular até o momento que o mesmo tenha sido posto no mercado pelo titular ou com seu consentimento; uma vez que isso tenha se dado, esgota-se o direito, e não cabe mais exercer qualquer direito de exclusiva. Não pode o titular da patente, por exemplo, impedir a revenda do produto, ou cobrar royalties pelo uso, ou condicionar o uso a qualquer propósito específico. Se o comprador de um equipamento eletrônico patenteado de alta complexidade quiser utilizá-lo para peso de papéis [...] de nada mais pode se valer o titular da patente para impedir tal utilização. Fazê-lo, aliás, seria abuso de direito ou abuso do poder econômico”.  Segundo o TJDF[4] “o que a lei penal pune é o uso arbitrário de meios ou processos de realização da ideia com o fim de obter produtos ou resultados industriais e não o uso de coisa fabricada”.

O novo uso em geral implica em algumas adaptações do produto original, adaptações estas consideradas pouco inventivas, contudo, diante dos efeitos surpreendentes, este novo uso pode-se se mostrar patenteável. A reivindicação de produto protege tal produto para quaisquer usos. Uma patente de novo uso, se patenteável, configuraria uma patente dependente da patente de produto. Como patente dependente o titular desta patente de novo uso não poderá fabricar o produto, porém poderá adquiri-lo legalmente no mercado, fazer as adaptações necessárias para potencializar sua ação no novo uso e revendê-lo para este novo uso. Qualquer outra pessoa, ou mesmo o titular da patente de produto será excluído da fabricação deste produto para este novo uso, tal como o caso de qualquer outra patente dependente, ou seja, não poderá vender seu produto indicando este novo uso.

A rigor, as reivindicações de uso estão na mesma categoria de invenções que aquelas de processo, são reivindicações de "atividade", de modo que os direitos de uma patente de uso seriam os mesmos conferidoss pelapatente de método correspondente. Em alguns casos, elas se confudem e mais depende da forma que se redige a reivindicação. Segundo as Diretrizes do PCT uma reivindicação de “uso da substância X como inseticida” é considerada equivalente a “processo de matar insetos usando a substância X” e, portanto, uma reivindicação de uso é vista como reivindicação de processo[5]. Assim, uma reivindicação na forma indicada não deve ser interpretada como dirigida para a substância X, mas como pretendida para uso como inseticida. Contudo, uma reivindicação direcionada para o uso de um processo é equivalente a uma reivindicação direcionada ao mesmo processo
.
Na EPO estas duas formas de reivindicação são consideradas equivalentes da mesma forma que “uso de um transitor em um circuito de amplificação” é equivalente a “processo de amplificação de sinais contendo um transistor”. Neste caso estas reivindicações não são equivalentes a um circuito de amplificação em que um transitor é utilizado, nem tampouco ao processo de utilização de um transitor na fabricação de tal circuito. Por outro lado uma reivindicação de uso de um processo deve ser entendida como equivalente a outra reivindicação referente ao processo.[6] No INPI na área de eletrônica este exemplo de circuito de amplificação usualmente não seria aceitos como reivindicações de uso mas na forma de processo.

Na Europa, em geral a EPC permite reivindicações de método ou de uso, porém se a reivindicação é escrita como método para realização de uma atividade (definindo uma sequência de etapas) ou pelo uso de algo para um determinado propósito (a sequência de etapas sendo implícita) é uma questão de preferência, pois para G5/83 de 1985, não há qualquer diferença de substância entre as duas redações. Por exemplo “método para prevenir a corrosão de metais pela aplicação ao metal de um composto de fórmula X” é equivalente a “uso de um composto de fórmula X como agente anti corrosivo para metais”. [7] Portanto, desde que as reivindicações de uso não sejam no campo relacionado a uso médico, não haverá qualquer tratamento especial para tais reivindicações. Na Alemanha reivindicações de uso são classificadas na categoria de reivindicações de processo. Estas se dirigem a proteção ao uso de uma substância ou aparelho conhecidos para se atingir determinado efeito ou um determinado produto final[8].

No Japão uma reivindicação de uso é interpretada como método de utilização de objetos que por sua vez é categorizado como processo. O uso de uma substância X como inseticida é interpretada como método de utilização da substância X como inseticida. O uso de uma substância para preparação de um medicamento para aplicação terapêutica Y (fórmula Suíça) é interpretada como método para utilização da substância X para preparação de medicamento para aplicação terapêutica Y. [9] Na Coreia mesmo se um produto contempla todas as características técnicas descritas na reivindicação, o examinador deve observar se o produto do estado da técnica é apropriado para o uso reivndicado ou se o mesmo necessitaria de adaptações para este uso. Por exemplo um gancho usado em guindastes possui determinada forma pleiteada na reivndicação. Um anzol do estado da técnica que apresentasse a mesma forma não poderia ser usado como anterioridade porque destinado a um uso distinto do reivindicado, e a utilização desta forma de gancho no guindaste obviamente necessitaria de adaptações.[10]

Na China uma reivindicação de uso pertence a categoria de processo. Contudo o examinador deve distinguir uma reivindicação de uso de uma reivindicação de produto. Por exemplo, uma reivndicação de inseticida contendo um composto X é considerada uma reivindicação de produto e não de uso. Desta forrma, reivindicações de uso do composto X como inseticida ou composto X para um inseticida são respectivamente reivindicações de uso e de produto. Enquanto reivindicações de uso da substância X para o tratamento de doenças é considerado método terapêutico. O uso de uma substância X para a preparação de um medicamento para tratar doença Y (fórmula Suíça) é considerado aceitável diante do Artigo 25.1(3) da lei de patentes. Por sua vez um produto conhecido não é considerado novo meramente porque um novo uso foi apresentado. Contudo a novidade do produto conhecido não destrói a novidade do novo uso, se este novo uso for considerado uma invenção. No caso de novos usos médicos se o novo uso é diretamente equivalente ao mecanismo de ação ou ação farmacológica do uso conhecido, então o escritório chinês entende não haver novidade neste novo uso. Se o uso porposto é apenas uma forma mais genérica de uso conhecido, então o uso conhecido (nível mais baixo) pode destruir a novidade do uso mais genérico (nível superior). Características reivindicadas quanto a forma de administração do medicamento (quantidades, dosagens, intervalo de administração, modo de aplicação) não habilitam o novo uso de novidade.[11]




[1] SILVEIRA, Newton. Patente de 2º uso. Revista Eletrônica do IBPI – Nr. 8, 2013 http://www.ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/article/view/66/64
[2] Manual de Redação de Patentes da OMPI, IP Assets Management Series, 2007, p.157
[3] Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 465
[4] TJDF Recurso em sentido estrito 119, j. 01/03/1971, 1a Turma Cível. Relator Des. Juscelino José Ribeiro, publicação 08/07/1971, p.3408, Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 471
[5] item A5.21 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[6] EPO Guidelines 2010, Part C, Chapter III item 4.16
http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guiex/e/c_iii_4_16.htm
[7] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.229
[8] Guidelines for the Examination procedure, Deutsches Patent und Markenamt. item 3.3.3.6 de 1 de março de 2004 P 2796.1 11.06 acessível em http://www.dpma.de/docs/service/formulare_eng/patent_eng/p2796_1.pdf
[9] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.21
http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf
[10] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.22 http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf
[11] Catalogue of remaining differences. First Draft supplemented with KIPO and SIPO contributions (mid 2011 version), p.23 http://www.trilateral.net/catalogue/catalogue.pdf

domingo, 26 de janeiro de 2014

Reivindicações de uso: TRF2 favorável


O TRF2 inicialmente já se manifestou pela não patenteabilidade de segundos usos médicos. Segundo decisão de 2009 do TRF2 em INPI v. Eli Lilly Co. ao discutir a patenteabilidade de PI9606903: “Das matérias referentes à propriedade industrial a patente de medicamentos é das mais controversas, por permitir uma série de estratégias muito mais conceituais, do que inovadoras. Ou seja, a criatividade, no caso, fica por conta do desenvolvimento de estratégias conhecidas como “life cycle” management ou “evergreening”, que consistem no prolongamento de tempo do privilégio mediante a obtenção de múltiplas patentes, com base em diferentes atributos de um mesmo produto, visando a impedir, p. ex. a entrada de genéricos no mercado (...)“segundo uso de princípios ativos já conhecidos, novas formulações de medicamentos em uso etc, são subterfúgios usados para obter novas patentes sobre velhas moléculas e assim, mediante táticas de modificação de registros, conseguir a manutenção da exclusividade de mercado e dos preços de monopólio de medicamentos (...) Não [se pode] esquecer que a descoberta de um novo uso para um medicamento não estimula a inovação, e adia, em contra-partida, a concorrência no mercado com prejuízos para a produção e difusão do conhecimento [...] [1].
O relator Messod Azulay Neto conclui: “Do cotejo dos dispositivos extrai-se: primeiro, que a patente de segundo uso não atende ao requisito básico de novidade, à vista do segundo uso da mesma substância já pertencer ao estado da técnica. Segundo, o fato de uma mesma substância ser utilizada para outra finalidade não resulta em matéria patenteável por não envolver um passo inventivo (de acordo com o TRIPs) ou atividade inventiva (de acordo com a lei brasileira). No máximo estaremos diante de uma simples descoberta de um novo uso terapêutico, que não é considerado invenção nos termos do art. 10° da lei n° 9.279/96. III - Ademais, a concessão de um novo monopólio - para um segundo uso de substâncias já conhecidas - prolongaria indefinidamente os direitos privados do titular da patente sobre uma matéria que não apresenta os requisitos, internacionalmente aceitos, de patenteabilidade e, em contrapartida, reduziria o direito público de acesso aos novos conhecimentos pela sociedade brasileira, e impediria que pesquisadores nacionais desenvolvessem novas formulações e novos medicamentos”.
Decisão de Tribunal Federal do Rio de Janeiro conclui que “a patente de segundo uso, admitida por países desenvolvidos como os Estados Unidos, a meu ver não se coaduna com o sistema brasileiro, diante da expressa vedação legal de se patentear uma descoberta, caso em que se enquadra a patente de segundo uso, eis que não se trata de um novo produto ou novo processo, pois tanto o princípio ativo como a composição de fármaco já são conhecido. Ademais, a ampliação do escopo patentário e, por conseguinte, o privilégio de algo que sequer é um invento ou um novo processo, não me parecem condizentes com as políticas de saúde pública, tão caras ao Brasil enquanto país em desenvolvimento”.[2]
No entanto em decisões mais recentes o TRF2 reveteu esta linha de raciocício. O TRF2 em Anvisa v. Max Plank Gesellschaft conclui[3]: “De outro lado, não se nega nos autos que a patente da empresa apelada (PP1100133) é de segundo uso, assim denominada por objetivar a aquisição de novos títulos privilegiáveis com base em princípio ativo já conhecido, ao argumento de que as buscas por novas moléculas se tornaram economicamente proibitivas, levando os laboratórios a investirem em novos efeitos terapêuticos da mesma substância química. Forçoso reconhecer que o fato de uma patente ser de segundo uso não importa necessariamente em carência de novidade, sendo possível que novos efeitos terapêuticos se originem de pesquisas e estudos em tal sentido, de caráter absolutamente inovador, sem que se configurem em meras descobertas oriundas de uso do medicamento”.

O TRF2 em Eli Lilly v. INPI em embargos infringentes do mesmo caso da PI9606903 citado anteriormente reverteu seu entendimento: “O Brasil contempla a propriedade intelectual privada desde a Constituição, mas de acordo com os incisos XXIX, XXII e XXIII do art. 5º, sendo certo que na legislação vigente, no que concerne às patentes, em regra vige o sistema genérico de classificação onde tudo que não está relacionado de forma expressa na Lei como não patenteável, em princípio seria passível de proteção, o que em tese autorizaria o registro das denominadas patentes de segundo uso. Necessidade de aferição, caso a caso, dos requisitos de patenteabilidade”.[4] Nesta decisão[5] de junho de 2013 foi discutida a patenteabilidade de PI9606903 que trata  de uma invenção de segundo médico, o uso da tomoxetina para o tratamento da TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade), medicamento já conhecido no tratamento de desordem do trato urinário.

O Relator Paulo Espírito Santo menciona a definição da Desembargadora Liliane Roriz que bem define o objeto da patente: “Assim, está-se diante de uma substância já conhecida e contida no estado da técnica – a tomoxetina, inventada originalmente para tratar problemas urinários, mas que nunca chegou a ser efetivamente a ser usada como medicamento, para esse ou para outro fim, e cujo porcesso de produção também já é conhecido e contido no estado da técnica – para a qual se inventou um novo uso médico, agora para tratar distúrbios de atenção. O que se pretende patentear, entretando, não são as etapas do porcesso de preparação do novo medicamento que contém  tomoxetina, mas sim a invenção de um novo uso para a tomoxetina, após acrescentá-la a outros materiais”. O INPI defendeu a patenteabilidade alegando que o pedido de patente abrange um processo de obtenção de um medicamento para tratar TDAH usando a tomoxetina como ingrediente ativo, sendo portanto, um processo. O relator entende que o pedido de patente  em questão não pretende proteger um método terapêutico, mas sim um medicamento que serve para tratar uma determinada doença. Segundo o relator: “em que pese o denominado segundo uso não ser expressamente veddao por nosso ordenamento, há que haver em relação a ele, um inequívoco preenchimento dos requisitos de novidade e inventividade, os quais devam ser aferidos de forma bem mais rigorosa, uma vez que se trata de alguma coisa já conhecida (no caso o conjunto substância e processo), ambos do estado da técnica, para que se lhe estenda um outro monopólio [...] Nossa legislação não proíbe novos usos, ainda que não os preveja expressamente como patenteáveis, mas não contempla o que não seja novo, inventivo, mediante utilização de substância que nada tem de novidade””. A Corte conclui pela falta de novidade deste novo uso: “Novidade se vê esvaziada na medida em que embora não tenha sido anteriormente descrito o uso da substância para o TDAH e não tenha havido notícias de pesquisas sobre ele para uso em tal doença a substância já era conhecida como inibidora de substância que interferia em outra doença neurológica, não parecendo de todo impossível a um técnico derivar sua utilização também para outras doenças do mesmo gênero [...] Ante o exposto nego provimento aos embargos infringentess opostos pela empresa Eli Lilly”. Em nenhum momento a considerou este segundo uso como descoberta ou como não sendo invenção pelo Artigo 10 da LPI.

[1] Origem: TRF-2 Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 420502 Processo: 2005.51.01.507811-1 UF : RJ Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA Data Decisão: 22/09/2009 Documento: TRF-200221049 Fonte DJU - Data::30/09/2009 - Página::55 Relator Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO http://www.trf2.jus.br
[2] Seção Judiciária Federal do Rio de Janeiro, 39ª Vara Federal, Sentença na Ação Ordinária de nº 2004.51.01.530033-2, DJ 04.07.2007.
[3] Origem: TRF-2 Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 418440 Processo: 2005.51.01.500427-9 UF : RJ Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA Data Decisão: 25/05/2010 Documento: TRF-200233470 Fonte E-DJF2R - Data::07/06/2010 - Página::107/108 Relator: Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO
[4] TRF2, 200551015078111 - EMBARGOS INFRINGENTES, Relator: Abel Gomes, data Julgamento: 06/06/2013.
[5] Embargos Infringentes, TRF2 nº CNJ 0507811-09.2005.4.02.5101, Reator: Des. Abel Gomes, Embargante: Eli Lilly Co, Embargado: INPI. Origem: 35ª Vara Federal do Rio de Janeiro (200551015078111), Data de publicação 6/06/2013.

Reivindicação de uso: STJ e TJRJ favoráveis

No Brasil, o Viagra foi protegido por duas patentes pipeline de uso terapêutico e ambas extintas em novembro de 2013. A primeira PP1100028 (com prioridade em GB19900013750 depositado em 20 de junho de 1990 na Inglaterra) enfoca problemas cardiovasculares e reivindica o produto sildenafil: compostos, composições e primeiro uso (COMPOSTO, COMPOSIÇÃO FARMACÊUTICA, USO E PROCESSO PARA O TRATAMENTO OU PREVENÇÃO DE ANGINA). A patente foi concedida em 1998 e mantida por decisão do STJ em 2010. A segunda PP1100088 (com base em documento de prioridade GB19930011920 depositado em junho de 1993 na Inglaterra) enfoca problemas de disfunção erétil e reivindica somente segundo uso esta a patente do Viagra per se (PIRAZOLOPIRIMIDINONAS PARA O TRATAMENTO DE IMPOTÊNCIA). A patente da mesma forma foi concedida em 1998 e mantida pela mesma decisão judicial do STJ em 2010 que a patente citada anteriormente. A reivindicação 10 trata de “Uso de um inibidor da cGMP PDE, ou seu sal farmaceuticamente aceitável, ou uma composição farmacêutica contendo qualquer uma dessas entidades, caracterizado pelo fato de ser para a produção de um medicamento para o tratamento oral, curativo ou profilático da disfunção erétil no homem”.

Em 20 de junho de 1990, a Pfizer pediu a patente do Viagra na Inglaterra, mas abandonou tal pedido um ano depois. Um processo na justiça discutiu se a patente PP1100028, depositada no Brasil, se extinguiria em 20 de junho de 2010 (contados 20 anos após o deposito de 20 de junho de 1990 na Inglaterra) ou 7 de junho de 2011 (contados de 20 anos após o abandono da patente na Inglaterra). O laboratório Pfizer alegou que o pedido depositado na Inglaterra não foi concluído e que o registro da patente só foi obtido em junho de 1991, no escritório da União Européia. O primeiro pedido inglês foi abandonado em favor do pedido europeu, de tal modo que a “proteção no país do primeiro depósito” segundo a Pfizer seria aquela assegurada pela patente européia EP0463756B1 até 7/6/2011.
O acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região manteve a validade da patente até o dia 7 de junho de 2011. O recurso, interposto pelo INPI foi julgado pelo STJ. Em seu voto, o relator do processo no STJ[1], ministro João Otávio de Noronha, concluiu que a legislação brasileira determina que a proteção dos produtos patenteados pelo sistema pipeline é calculada pelo tempo remanescente da patente original, a contar do primeiro depósito no exterior. Ele entendeu que, no caso concreto, a primeira patente foi depositada na Inglaterra, em junho de 1990.[2] O julgamento do recurso especial envolvendo o prazo de validade da referida patente foi concluído em abril de 2010 pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por maioria, vencido o ministro Luis Felipe Salomão, a Seção acompanhou o voto do relator, ministro João Otávio de Noronha, pela extinção da patente em junho de 2010.[3]

Em nenhum momento o STJ questionou a validade desta patente por violar o Artigo 10 da LPI como descoberta, muito embora o Artigo 230 da LPI § 3º estabeleça que as patentes pipeline devam atender a este artigo da LPI.

Em decisão sobre contrafação desta patente, novamente a Corte, desta vez o TJRJ em nenhum momento considerou esta reivindicação como descoberta segundo o Artigo 10 da LPI. A Pfizer alegou que as reivindicações 10 e 11 da patente protegem o uso de qualquer inibidor seletivo cGMP PDEv para a produção de medicamento para o tratamento, via oral, de disfunção erétil no homem, inclusive o tadalafil utilizado no Cialis pela Eli Lilly, que segundo a Pfizer é reconhecidamente um inibidor seletivo de cGMP PDE5 portanto um meio equivalente com função e efeitos exatamente idênticos aqueles preconizados na dita patente visando da mesma forma o tratamento de disfunção erétil no homem. O juiz, no entanto, acolheu laudo pericial que conclui: “com relação as reivindicações 10 e 11 não existe no relatório descritivo informações relativas a propriedades físico-químicas, composição da formulação e indicação das variáveis importantes na definição de compostos inibidores de PDEv (que não os compostos da fórmula 1) de modo a possibilitar sua fabricação por técnico no assunto; portanto apenas os inibidores de cGMP PDE do grupo das pirazolopirimidinonas para o tratamento da impotência estão reivindicadas na patente”. O juiz Desembargador Roberto Felinto em julgamento de outubro de 2005 conclui: “Apesar de ambas as substâncias tadalafil e sildenafil serem inibidores de PDEv, verifica-se que elas diferem, também, quanto ao seu grau de inibição em relação ás diversas PDEs. Além da demonstrada duração de suas atividades: o Viagra possui a duração de aproximadamente 4 horas e o Cialis de até 36 horas após a dose. Além disso a própria ANVISA atestou inexistir equivalência farmacêutica entre o Cialis e o Viagra”. [4]


[1] PROCESSO : REsp 731101 UF: RJ REGISTRO: 2005/0036985-3 AUTUAÇÃO : 17/03/2005 RECORRENTE : INPI, RECORRIDO : PFIZER LIMITED, RELATOR(A) : Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - QUARTA TURMA
[2]
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96476
[3] http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=96954
[4] TJRJ 0041853-45.2004.8.19.0001 (2005.001.32885) - APELACAO 1ª Ementa Relator: DES. ROBERTO FELINTO - Julgamento: 04/10/2005 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL Ementário: 11/2006 - N. 14 - 23/03/2006 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 68, pag 225 http://www.tjrj.jus.br
 

Reivindicações de uso: a posição da Procuradoria do INPI


A Procuradoria do INPI neste sentido se pronunciou em parecer NOTA/INPI/PROC/CJCONS /Nº 049/2009 de 30/03/2009 conforme parecer da Dra. Maria Alice castro Rodrigues: “Portanto, presentes os três requisitos substantivos.(novidade,atividade inventiva e aplicação industrial), impostos na LPI e recepcionados no Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (Acordo TRIPS), alinhados à exigência da suficiência descritiva da invenção, também agasalhada no Acordo TRIPS, não há ,alternativa senão a concessão da patente, independentemente da matéria e do campo tecnológico a que se, relacione, sob pena de atuação contra legem, em violação flagrante ao princípio da legalidade, que subordina toda a atividade da Administração Pública.... Conhecida a estrutura hierarquica do ordenamento juridico, toma-se relativamente fácil ao intérprete ou ao operador do Direito dirimir qualquer conflito de normas. Assim, em tratando de conflito de normas de hierarquia diversa, prevalecerá, sempre, a superior, isto é, a de mais alta hierarquia, porque, a outra, exatamente por contraditá-la ou extrapolar seus mandamentos, carecerá validade.... o Chefe do Poder Executivo, no âmbito federal, estadual ou municipal, e autoridades outras como os dirigentes máximos dos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta, onde se insere o INPI - órgão responsável pelo exame da patenteabilidade e a concessão de patentes, não têm competência para legislar sobre a matéria em pauta, nem tampouco podem exceder os limites da sua competência, subtraindo-a de outro poder Estatal... Não pode o Poder Executivo ou o INPI arrogar-se na competência do Poder Legislativo ou de qualquer outro ente público, sem que a lei assim o faculte, por ser a competência requisito de ordem pública, elemento nuclear para a validade e eficácia do ato administrativo, donde insuscetível de ser apropriada voluntariamente pelo órgão, público, ao arrepio da lei.... Consequentemente, não havendo lei, no sentido estrito, formal e material, anterior que exclua, expressamente, da patenteabilidade, as invenções consubstanciadas em "novos usos" ou segundos usos médicos, em "novas formas poliinórficas" e outros, mais especificamente, em "fórmula Markush" e em "patentes de seleção", tampouco que inclua, textualmente, essas mesmas matérias no elenco daquelas não consideradas invenção, qualquer disposição a respeito tende a ser adotada em lei, no sentido estrito, formal e material. Qualquer ato normativo infra legal tendente a regulamentar o assunto, sem prévia lei formal que o disponha, seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige”.

A doutrina e as patentes de uso

A doutrina considera a possibilidade de patentes para novos usos. Segundo Pontes de Miranda[1] “Pode ser nova apenas a relação que se criou entre certo meio e certo resultado. A relação não era antes estabelecida; o inventor encontra a possibilidade de ligar meio e fim e aponta a aplicação como aplicação em que nunca se pensara na técnica [...] A aplicação nova de meios conhecidos em geral é objeto de patente de processo”. Gama Cerqueira define a aplicação nova de meios conhecidos para se obter um resultado industrial como uma categoria de invenção: “A nova aplicação de meios conhecidos define-se como o emprego de agentes órgãos e processos conhecidos para se obter um produto ou resultado diferente daquele para cuja obtenção de tais meios são comumente empregados. O que caracteriza, pois, esta espécie de invenção é a novidade da aplicação. Não é necessário que o produto ou resultado visado seja novo, bastando que seja diferente dos até então obtidos pelos meios empregados [...] Com a aplicação nova de meios conhecidos não se confunde o simples emprego novo. A diferença entre o emprego novo e a nova aplicação consiste em que, no primeiro caso, a aplicação muda apenas de objeto ou de matéria, não diferindo, quanto aos seus resultados ou efeitos, das aplicações anteriores; ao passo que , no segundo, a aplicação se caracteriza pela obtenção de resultado diferente”.[2]

Para Denis Barbosa: “A nova aplicação é patenteável quando objeto já conhecido é usado para obter resultado novo, existente em qualquer tempo a atividade inventiva e o ato criador humano. Trata-se pois de uma tecnologia cuja novidade consiste na relação entre o meio e o resultado, ou seja, na função. Assim , por exemplo, o uso de um corante já conhecido como inseticida – o DDT”.[3] São admitidas patentes de segundo uso, desde que dotadas de atividade inventiva, revelando um efeito técnico novo e surpreendente. As reivindicações de uso estão na mesma categoria de invenções que aquelas de processo, são reivindicações de "atividade". Segundo Denis Barbosa: “Nos inventos que consistem de uma nova aplicação de um produto ou um processo (ou patente de uso), reconhece-se o invento como não-óbvio se existem os dois atributos do efeito novo e surpreendente”.[4] Segundo Denis Barbosa: “nos inventos que consistem de uma nova aplicação de um produto ou um processo (ou patente de uso), reconhece-se o invento como não óbvio se existem os dois atributos do efeito novo e surpreendente”.[5]

Segundo Nuno Carvalho: “a identificação de um segundo uso, no entanto, pode ser inventiva quando esse segundo uso apareça como algo de inesperado para quem experiência no assunto. Afinal, esse tipo de atividade criativa de encontrar novos usos para objetos (ou matérias) conhecidas não deixa de ser um dos tipos da invenção humana cujas manifestações são mais antigas. A esse tipo de dá-se o nome de exaptação, a qual contrasta com a adaptação (esta consiste em mudar produtos e processos para fins previamente conhecidos)”[6] Para Nuno Carvalho: “na realidade, é preciso notar que não há conflito conceitual entre a invenção e a descoberta científica. Não haveria um problema maior – do ponto de vista conceitual, repito – em atribuir patentes para certas descobertas que tivessem funcionalidade”.[7]

Segundo Adelaide Antunes: “É possível observar que, até o momento, o desenvolvimento de inovações incrementais ainda reflete a situação da P&D brasileira. Isso porque é inviável para a indústria farmacêutica nacional, de imediato, realizar os investimentos e alcançar a fronteira da tecnologia necessária para o desenvolvimento de inovações ditas radicais. Neste sentido, considera-se que, no atual cenário, pesquisas em novos usos médicos de composto químicos conhecidos podem representar uma opção factível para o setor farmacêutico brasileiro, tendo em vista que neste tipo de P&D não há mais necessidade da densidade tecnológica e investimentos requeridos durante a etapa de pesquisa básica. Ao mesmo tempo, não se deve subjugar a importância das inovações incrementais, que muitas vezes causam mais impacto terapêutico e econômico que uma inovação radical" [8]

Alguns críticos entendem que a legislação brasileira não permite patentes de uso porque o artigo 42 da LPI refere-se a proteção de patentes de produto ou processo. Denis Barbosa, no entanto, entende que “Aceitas no Direito brasileiro há pelo menos 120 anos, as reivindicações de uso não foram recusadas pela legislação vigente [...] No atual sistema legal, não existe vedação nenhuma a uma reivindicação de uso farmacêutico, primeiro ou undécimo, desde que provada à sociedade e com toda a atenção que merece a proteção à vida e a saúde, a novidade e atividade inventiva do novo uso em face do estado da técnica. Tal reivindicação não colide necessariamente, ademais, com a vedação aos métodos de tratamento e diagnósticos, prevista no artigo 10 da LPI, desde que o relatório descritivo suporte uma reivindicação dirigida a um fim dotado de utilidade industrial”[9].

 [1] MIRANDA, Pontes. Tratado do Direito Privado, tomo XVI, p. 275 apud Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.682
[2] CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2010, Tomo I, p.48
[3] BARBOSA, Denis. Tratado da propriedade intelectual: Patentes, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2010, Tomo II, p.1272
[4] BARBOSA, Denis. Atividade Inventiva como requisito de objetividade, Revista Criação, n.1, p.96, Rio de Janeiro:IBPI, 2008 http://www.denisbarbosa.addr.com/atividade.pdf
[5] BARBOSA, Denis; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco. O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.86
[6] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.412
[7] CARVALHO. op.cit.p.80
[8] ANTUNES, Adelaide; BRITTO, Adriana; SILVA, Maria Lucia Abranches. Segundo uso médico de compostos químicos, 10/07/2013 http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=90&id=1102&print=true
[9] BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.714

 



sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Meios mais funções

A utilização de reivindicações funcionais é bastante frequente em patentes no entanto a LPI não define em nenhum momento como elas devam ser interpretadas. Nos Estados Unidos em Superior Industries v. Masaba (Fed. Cir. 2014) a Corte analisou uma reivindicação de sistema que descreve caminhão de descarga com uma estrutura de suporte configurada para suportar uma extremidade de uma rampa de terra, descrita portanto em termos funcionais. O requerente propositalmente escolheu o termo “configured to” numa tentativa de escapar ao termo “means for” previsto no 35 US 112 § 6º com isso conseguir uma interpretação ampla para sua reivindicação funcional e não estar limitada a estrutura de suporte descrita no relatório como requer a seção 112. A Corte reenvia o caso para Corte Distrital e submete alguns princípios que devem ser levados em consideração em sua reanálise[1]: “Em primeiro lugar as reivindicações geralmente não estão limitadas a qualquer implementação revelada no relatório descritivo ainda que uma única implementação esteja revelada”. Neste aspecto a Corte tende a entender uma interpretação mais ampla para a reivindicação. “Em segundo lugar e relevante para este caso, uma reivindicação de sistema geralmente abrange o que o sistema é, e não o que o sistema faz”. Esta segunda instrução, ao contrário da primeira tende a uma interpretação mais restrita. O juiz cita decisão da Suprema Corte[2] de 1875: “ O inventor de uma máquina tem o direito do benefício a todos os usos pela qual a mesma possa ser empregada, não importa se ele tinha concebido a ideia do uso ou não” e conclui “Assim é geralmente impróprio interpretar termos não funcionais de uma reivindicação de sistema de um modo a concluir pela contrafação ou sua validade por conta de sua função”.[3]

[1] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/13-1302.Opinion.1-14-2014.1.PDF
[2] Roberts v. Ryer, 91 U.S. 150, 157 (1875)
[3] CROUCH, Dennis. What does it mean for a device to be “configured to” perform a particular function? 22/01/2014
http://patentlyo.com/patent/2014/01/what-does-it-mean-for-a-device-to-be-configured-to-perform-a-particular-function.html

Patentes e desemprego

Nuno Carvalho destaca que o requisito de utilidade presente nas legislações patentárias de Veneza no século XV, Inglaterra no século XVII e França no século XVIII estabeleciam que as patentes uma vez concedidas não poderiam prejudicar a indústria já estabelecida e sobretudo no caso da Inglaterra não poderiam gerar desemprego. Em 1589 William Lee solicitou uma patente para uma máquina de tecer meias que foi negada pela rainha Elizabeth I: “Eu amo demais os meus pobres súditos que conseguem o seu pão com a fabricação de malha para dar o meu dinheiro com o objetivo de promover uma invenção que arruinará ao conduzi-los ao desemprego, convertendo-os assim em pedintes”.[1] Com a recusa, William Lee e seu irmão se transferiram para a França instalando unidades produtoras de meias na cidade de Rouen, aproveitando-se do estímulo do rei francês Henrique IV para atração de novas indústrias. Com a morte de Henrique IV em 1610 e as restrições impostas por Luís XIII aos empreendimentos estrangeiros, os irmãos Lee retornaram à Inglaterra, abrindo uma fábrica em Londres.[2] Se a estratégia de proteger os antigos métodos de produção da indústria de lã fossem mantidos a mesma Inglaterra não teria revolucionado a produtividade da indústria têxtil com a introdução de inúmeras máquinas no século seguinte. Christine MacLeod, contudo, aponta este relato da história de William Lee é apócrifo e teria aparecido pela primera vez apenas no século XIX em texto de Gravenor Henson.[3]

Entretanto a tese de que o emprego deveria ser preservado fazia parte da preocupação das autoridades encarregadas na concessão de patentes. Em 1571 o Privy Council rejeitou uma patente de inventor de um cabo para facas atendendo apelo da guilda dos cuteleiro de que a patente levaria os membros da guilda à ruína. [4] Christine MacLeod mostra que esta perspectiva fazia com que poucas patentes citassem como objetivo de sua invenção a economia de mão de obra. Edward Coke em seu comentário ao Estatuto dos Monopólios julgava que uma patente era tida como ‘inconveniente’ se sua implementão resultasse na substuição de mão de obra. [5] O Estatuto dos Monopólios em sua seção 6 especifica que “patentes não devem ser contrárias à lei nem prejudiciais ao Estado seja pela elevação de preços das mercadorias no mercado local, ou por danos ao comércio ou por ser inconveniente de modo geral”. [6] Este quadro se reverte  no início do século XVIII quando patentes como as de John Kay, John Wyatt e Lewis Paul destacam abertamente os ganhos de suas máquinas com economia com mão de obra.


[1] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 219, 292.
[2] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 175
[3] MaCLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.226
[4] MaCLEOD, C. op.cit.p.13
[5] MaCLEOD, C. op.cit.p.161, 167
[6] http://en.wikipedia.org/wiki/Statute_of_Monopolies

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Patentes e Guildas Medievais


Na Inglaterra de Elizabeth I (1558-1603) a patente eram concedidas apenas após ter sido avaliado o impacto sobre as guildas comerciais potencialmente interessadas no comércio do produto patenteado. Um grupo de fabricantes franceses de vidro da Normandia solicitou à Coroa inglesa uma patente em 1567 concedida apenas após o governo confirmar que os artesãos da guilda de fabricantes de Chiddingford não fabricavam nem teriam interesse em fabricar tal tipo de vidro.[1] As patentes fragilizavam o poder das guildas e o controle de seus padrões, além de representar uma quebra de ética na preservação dos segredos de técnicas guardados ciosamente pelos seus artesãos. Cidades onde as guildas estavam mais organizadas como Leeds, Coventry e Norwich demonstram um número menor de patentes no século XVII. Nas áreas onde não havia uma organização de determinada técnica em guildas, maiores haviam as possibilidade de se obter patentes, como por exemplo em técnicas de fabricação de vidros em Londres. Por outro em setores sujeitos a maior competição, muitos inventores como por exemplo Richard Arkwright buscavam patentes de forma defensiva como recurso para se proteger contra algum concorrente que viesse a solicitar a patente desta tecnologia.[2] Na Prússia e Austria do início do século XIX Eric Brose mostra a resistência de diversas cidades contra a industrialização através de decretos que vedavam a possibilidade de importação de máquinas. [3] Segundo o historiador belga Henri Pirenne: “o objetivo essencial da guilda comercial era proteger o artesão, não somente da competição externa ma também da competição de outros artesãos”. A consequência era “a destruição de toda a iniciativa. Niguém era permitido prejudicar os outros  com métodos que os habilitasse a produzir mais rápido e mais barato que os demais artesãos. O progresso técnico assumia os contornos de deslealdade[4] Joel Mokyr conclui: “onde as guildas medievais tentaram manter os monopólios de produtos no mercado, os incentivos para inovar eram menores do que em mercados competitivos, e seus incentivos para proteger  seus conhecimentos – através de segredos industriais e restrições da mobilidade dos artesãos – maiores. Isto trouxe claramente porfundos custos econômicos”.
 


[1] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.12, 83-85, 134, 135, 143, 147
[2] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988 p.89
[3] BROSE, Eric. The political economy of early industrialization in german Europe, 1800-1840. In; In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.111
[4] MOKYR, Joel. The European enlightment and the origin of modern economic growth. In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.85