quinta-feira, 30 de outubro de 2025

A elegibilidade de Sistema mecânico de ajuste automático de pesos

A empresa PowerBlock moveu ação contra a iFIT no Distrito de Utah, alegando violação da Patente norte-americana nº 7.578.771 (https://www.cafc.uscourts.gov/opinions-orders/24-1177.OPINION.8-11-2025_2556557.pdf) , referente a halteres com ajuste de peso automatizado. O tribunal distrital havia considerado quase todas as reivindicações da patente inelegíveis por supostamente se basearem em uma ideia abstrata — o “empilhamento automatizado de pesos” — sem limitações técnicas relevantes. O Tribunal Federal de Apelações (Federal Circuit), porém, reverteu essa decisão, reconhecendo que as reivindicações descrevem uma invenção mecânica específica e concreta, e não uma mera ideia abstrata.O Circuito Federal também rejeitou os apelos da iFit para ignorar as limitações que citavam elementos conhecidos do estado da técnica durante a investigação da ideia abstrata. O Tribunal advertiu contra a simplificação excessiva das reivindicações, observando que a investigação adequada do § 101 aborda a reclamação como um todo.

Reivindicação 1: Um sistema de seleção e ajuste de peso para um haltere seletorizado, que compreende:

a) Um haltere automatizado, que inclui:

(i) uma pilha de anilhas de peso esquerdo aninhadas e uma pilha de placas de peso direito aninhadas;

ii) um cabo com uma extremidade esquerda e uma extremidade direita; e

(iii) um seletor móvel com uma pluralidade de diferentes posições de ajuste nas quais o seletor pode ser disposto, em que o seletor é configurado para acoplar números selecionados de placas de peso esquerda à extremidade esquerda da alça e números selecionados de placas de peso direita à extremidade direita da alça com os números selecionados de placas de peso acopladas diferindo dependendo da posição de ajuste em que o seletor está disposto, permitindo assim que um usuário selecione para uso um peso de exercício desejado a ser fornecido pelo haltere seletorizado; e

(b) um motor elétrico que é conectado operacionalmente ao seletor pelo menos sempre que ocorre uma operação de ajuste de peso, em que o motor elétrico, quando energizado por uma fonte de energia elétrica, move fisicamente o seletor para a posição de ajuste correspondente ao peso de exercício desejado que foi selecionado para uso pelo usuário.

Os halteres tradicionais exigem ajuste manual de pinos ou seletores, o que pode causar erros de encaixe e risco de acidentes. Além disso, ajustar dois halteres separadamente é demorado e inconveniente.

Solução proposta:

Um sistema eletrônico que permite ajustar o peso do haltere sem contato físico direto com o seletor.

Cada haltere contém um motor elétrico conectado a um seletor móvel, que desloca pinos de acoplamento para conectar o número desejado de placas de peso.

O ajuste é controlado por um dispositivo de entrada de dados (como teclado ou tela sensível ao toque), por meio do qual o usuário define o peso desejado.

O sistema inclui um controlador eletrônico que aciona o motor para mover o seletor até a posição correspondente.

Em suma, a invenção propõe halteres inteligentes com ajuste eletrônico e seguro de peso, controlados remotamente por um sistema motorizado e sensores, representando um avanço significativo em praticidade e segurança em equipamentos de musculação.

O tribunal distrital classificou as reivindicações como voltadas a um conceito abstrato de automação, sem restrições técnicas, o que “precluiria qualquer sistema de empilhamento de pesos automatizado”. O Federal Circuit observou que as reivindicações descrevem componentes físicos específicos — um halter seletorizado com pilhas de placas de peso à esquerda e à direita, um seletor móvel e um motor elétrico acoplado que move fisicamente o seletor para ajustar o peso. Assim, a invenção configura um aperfeiçoamento tecnológico concreto, e não uma simples automação genérica.

O tribunal entendeu que as limitações técnicas são “suficientemente específicas” e estruturadas para satisfazer o requisito de elegibilidade do § 101. A iFIT alegou que o patenteado não descreveu como o sistema melhorava a tecnologia dos halteres. O tribunal refutou, destacando que o uso de motor acoplado ao seletor móvel já é uma especificação técnica clara. Também advertiu que, na análise de elegibilidade, não se deve ignorar elementos conhecidos do estado da técnica, nem dividir a reivindicação entre “partes novas e antigas”.

Resultado final:

As reivindicações 1 a 18 e 20 foram consideradas patenteáveis sob o § 101.

O caso foi remetido (remanded) ao tribunal de origem para prosseguimento.

As custas processuais foram atribuídas à parte apelada (iFIT).

Conclusão:

O Federal Circuit reafirmou que invenções mecânicas concretas com estrutura funcional definida não devem ser tratadas como ideias abstratas, mesmo quando automatizam processos existentes.

a invenção automatiza um processo já existente.Nos halteres tradicionais, o usuário ajusta o peso manualmente, inserindo ou removendo pinos ou discos de metal (anilhas) para alterar a carga. Esse sistema manual já era amplamente conhecido antes da patente. O que a invenção da PowerBlock (US 7,578,771) faz é automatizar esse processo mecânico por meio de componentes eletromecânicos, sem alterar o princípio básico do funcionamento do halter, mas melhorando sua operação e segurança. A automação proposta: substituir a ação manual por um motor elétrico controlado eletronicamente, que move o seletor de forma precisa e sincronizada.

O caso reforça a tendência de limitar o uso do § 101 para rejeitar patentes de dispositivos físicos e enfatiza que a análise de elegibilidade deve considerar a reivindicação como um todo, e não desmembrada em elementos genéricos.

Desenhos coloridos nas patentes

Artigo baseado no texto de Casimir Jones SC - Lisa L. Mueller Navigating the Colorful World of Patent Drawings: A Comprehensive Global Perspective on Colored Drawing Requirements www.lexology.com October 24 2025


O panorama global da ilustração em patentes passou por uma transformação notável nos últimos anos, à medida que um número crescente de escritórios de patentes em todo o mundo reconhece que os desenhos coloridos são essenciais para divulgar com precisão inovações complexas. O que antes era uma exceção tornou-se uma necessidade comum, refletindo o avanço das tecnologias e a crescente sofisticação visual das invenções. Essa evolução demonstra uma mudança fundamental na forma como os sistemas de patentes lidam com as realidades tecnológicas modernas — desde a biotecnologia e a farmacologia, que exigem visualizações científicas precisas, até os pedidos de desenho industrial, nos quais a cor é um elemento funcional ou estético essencial.

A importância dessa transformação vai muito além da estética. Em áreas como ciências biológicas, engenharia de materiais e tecnologias visuais, a informação dependente de cor é frequentemente o meio principal para transmitir detalhes técnicos críticos. O estudo revela um cenário global diverso: políticas liberais em países como Brasil, Nova Zelândia e Coreia do Sul, contrastam com abordagens mais restritivas de sistemas tradicionais. O Escritório Europeu de Patentes (EPO) lidera um movimento de liberalização sem precedentes, apontando para o futuro das práticas internacionais.

O USPTO mantém uma postura restritiva quanto ao uso de desenhos coloridos, exigindo petição formal e justificativa. A norma (37 C.F.R. § 1.84) determina que os desenhos sejam em preto e branco com tinta nanquim, sendo aceitas versões coloridas apenas quando for “o único meio prático” de expressar com precisão o conteúdo reivindicado.

A partir de 1º de outubro de 2025, o EPO passa a permitir desenhos coloridos e em tons de cinza em pedidos eletrônicos. Antes, tais desenhos eram convertidos em preto e branco na publicação, causando perda de informações importantes. Agora, as figuras serão publicadas em cor original, desde que possuam boa definição (300 dpi). Essa mudança representa a maior liberalização entre os grandes escritórios e reconhece a importância da cor em dados científicos e características técnicas dependentes de tonalidade.

O KIPO (Escritório Coreano de Propriedade Intelectual) é o mais permissivo entre os cinco maiores escritórios mundiais (IP5), aceitando desenhos coloridos sem necessidade de justificativa especial tanto para patentes de invenção quanto de desenho. Essa abordagem reflete o reconhecimento de que muitas inovações modernas exigem representação cromática para adequada compreensão técnica.

O CNIPA aceita desenhos coloridos quando necessários para explicar claramente o conteúdo técnico, sem requerer petição.

O IP Australia prefere desenhos em preto e branco, aceitando cores apenas em circunstâncias excepcionais, quando “estritamente necessário”. Sugere o uso de tabelas de cores padrão como alternativa (ex.: RHS Colour Chart).

O PCT ainda proíbe desenhos coloridos (Regra 11.13.a), exigindo linhas pretas densas e uniformes. (a) Os desenhos devem ser executados em linhas e traços duráveis, pretos, suficientemente densos e escuros, uniformemente grossos e bem definidos, sem colorações. https://www.wipo.int/en/web/pct-system/texts/rules/r11

Desde a Portaria nº 16/2024 do INPI, o Brasil permite fotografias e imagens em cor, eliminando antigas restrições. Essa postura coloca o país entre os mais progressistas, especialmente relevante para biotecnologia, ciência dos materiais e engenharia. 4.05  "Representações gráficas, tais como figuras, fotografias, fluxogramas ou gráficos, serão aceitas desde que tais reproduções apresentem nitidez. 4.06 No caso das fotografias apresentadas não possuírem qualidade para visualização, o examinador não deve emitir exigência para a apresentação de fotografias com melhor qualidade, dado o risco de acréscimo de matéria. O material inicialmente apresentado deverá ser aceito para o exame"

Na normativa anterior, ora revogada, a Resolução 124/2013 4.06 "São aceitas fotografias coloridas ou desenhos coloridos somente quando essa for a única maneira possível de representar graficamente o objeto do pedido. Em caso das fotografias apresentadas não possuírem qualidade para visualização, o examinador não deve emitir exigência para a apresentação de fotografias com melhor qualidade, dado o risco de acréscimo de matéria. O material inicialmente apresentado deverá ser aceito para o exame". portanto, a limitação das fotografias coloridas foi suprimida. 

 https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/legislacao/arquivos/documentos/portaria-inpi-dirpa-no-16.pdf

Conclusões Principais

O cenário global caminha para liberalização do uso de cor nas patentes.

EPO, Brasil, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Arábia Saudita e EAU lideram esse movimento.

O USPTO, Japão, Índia, Austrália, Malásia e Egito ainda mantêm posturas restritivas.

A tendência é que o PCT e outros tratados internacionais adotem políticas semelhantes à do EPO em breve.


quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A proposta de ampliação de matéria patenteável nos Estados Unidos envolvendo invenções implementadas por IA

Atualmente há um debate jurídico nos Estados Unidos sobre como o sistema de patentes deve lidar com invenções que usam inteligência artificial (IA) — especialmente quando as patentes descrevem apenas o que se quer alcançar com IA, sem explicar como isso é feito tecnicamente. O USPTO vem adotando uma política chamada “compromisso com a elegibilidade ampla” (commitment to expansive eligibility). Isso significa que ele quer ampliar o que pode ser patenteado, tornando mais fácil registrar certas inovações, inclusive envolvendo IA. Ao mesmo tempo, o Congresso norte-americano discute um projeto de lei — o Patent Eligibility Restoration Act (PERA) — que limitaria o poder dos tribunais de invalidar patentes com base no artigo 101 da Lei de Patentes (que trata do que é elegível para patente). Essa mudança poderia abrir espaço para patentes muito amplas que dizem apenas algo como: “Realize tal tarefa com inteligência artificial”, sem realmente ensinar uma nova tecnologia para isso.

O caso Brita LP v. ITC 2025 (https://www.cafc.uscourts.gov/opinions-orders/24-1098.OPINION.10-15-2025_2587963.pdf) (julgado pelo Federal Circuit, corte que decide casos de patentes nos EUA) para mostrar como os tribunais podem controlar esse tipo de abuso usando outro artigo da lei: o § 112, que trata da descrição escrita e habilitação (written description and enablement). No caso Brita: A empresa havia pedido uma patente sobre filtros de água por gravidade com certas propriedades funcionais (ou seja, definidos pelo resultado desejado). Mas a patente só descrevia um tipo específico de tecnologia que funcionava, não todas as variações que ela queria proteger. O tribunal manteve a invalidade da patente, dizendo que o texto não demonstrava “posse” de todas as versões reivindicadas. 

O Tribunal Federal de Apelações dos Estados Unidos (Federal Circuit), no caso Brita LP v. ITC (15 de outubro de 2025), confirmou a invalidade da patente norte-americana nº 8.167.141, de titularidade da Brita LP, por falta de descrição escrita adequada (§112) e falta de habilitação (enablement). 

35 U.S.C. § 112(a) – Specification: O pedido de patente deve conter uma descrição escrita da invenção e do modo e processo de fazê-la e utilizá-la, em termos completos, claros, concisos e exatos, de modo a permitir que qualquer pessoa habilitada na arte a que a invenção pertence possa fazê-la e utilizá-la.

O artigo § 112(a) impõe dois requisitos distintos, embora relacionados: Written Description (descrição escrita): o inventor deve demonstrar que possuía a invenção no momento do depósito (mostrar “posse” do conteúdo reivindicado). Enablement (habilitação): o inventor deve ensinar de forma suficiente para que um técnico na área possa reproduzir e usar a invenção sem experimentação indevida (without undue experimentation).

O tribunal entendeu que a patente reivindicava filtros de água por gravidade com diferentes tipos de mídias filtrantes (carbono ativado, misturas, membranas etc.), mas só descrevia de forma suficiente os filtros de bloco de carbono. A patente afirmava cobrir qualquer filtro que alcançasse um certo desempenho (“FRAP factor ≤ 350”), mas apenas os filtros de bloco de carbono foram testados e demonstraram atingir esse resultado. Assim, o inventor não demonstrou “posse” da invenção completa no momento do depósito — apenas de uma parte dela (carbon block).  O tribunal destacou que “não basta mencionar um resultado desejado”; a descrição deve mostrar detalhes técnicos suficientes que comprovem domínio sobre toda a gama de soluções reivindicadas. Segundo o Tribunal: "Citar genericamente outros tipos de filtros (mistos, membranas etc.) sem mostrar exemplos funcionais ou características estruturais comuns não satisfaz o requisito legal. Para reivindicações amplas e funcionais (“genus claims”), é necessário descrever um número representativo de espécies (exemplos) ou características estruturais comuns que permitam reconhecer o conjunto da invenção".

A patente também foi considerada não habilitante porque não ensinava ao técnico da área como reproduzir a invenção completa sem esforço excessivo (undue experimentation). O tribunal confirmou que somente filtros de bloco de carbono funcionavam conforme reivindicado, e que não havia orientação suficiente para que se pudesse fabricar filtros de outros tipos que atingissem o desempenho FRAP exigido. O texto da patente, inclusive, desencorajava o uso de outros meios filtrantes, dizendo que eles eram ineficientes ou apresentavam desvantagens. A criação de filtros equivalentes exigiria “nova tecnologia”, o que foge ao que a patente efetivamente ensinava. A patente deve permitir que um técnico na área “faça e use” a invenção sem experimentação indevida; não se pode transferir ao público o ônus de descobrir como fazê-la funcionar. Como a patente não cumpria os requisitos de descrição escrita e habilitação, o tribunal manteve a decisão da Comissão de Comércio Internacional (ITC) que considerou os pedidos inválidos. 

O caso Brita v. ITC reforça três lições centrais: Reivindicações funcionais amplas exigem base técnica proporcional — é preciso demonstrar posse real da invenção em toda a sua extensão. A mera enunciação de um resultado (“atingir desempenho X”) não é suficiente para obter uma patente. A patente deve revelar tecnologia, não apenas aspiração. O “barganha” do sistema de patentes (exclusividade em troca de divulgação pública) exige um ensino técnico completo.  Resultados funcionais não bastam. Um inventor não pode simplesmente dizer o que quer alcançar — precisa mostrar como alcançar. “Não é suficiente apenas mencionar um resultado desejado.” Patentes amplas exigem base técnica proporcional. Se a patente cobre uma categoria grande (genus), ela precisa descrever: várias formas representativas (species) que funcionam, ou características estruturais comuns que permitam a outros entender como realizar a invenção. Brita falhou nisso — descreveu só uma. A “barganha” da patente deve ser respeitada. O inventor só ganha o direito de exclusividade se ensinar algo novo à sociedade. O tribunal disse que não se pode preencher lacunas com o conhecimento do técnico da área; o texto da patente deve conter o ensino completo. “Um simples desejo ou plano não é suficiente.”

A decisão tem forte impacto para patentes que envolvem IA. O risco é que empresas passem a tentar patentear: “Método para otimizar X usando inteligência artificial” sem revelar nenhum detalhe técnico (tipo de rede neural, parâmetros, arquitetura, dados, etc.). O tribunal, seguindo o raciocínio de Brita, diria que: Apenas dizer “faça com IA” é um “mero desejo”, E não prova que o inventor possuía uma tecnologia funcional no momento do depósito. Assim, o artigo 112 serve como um freio para impedir patentes que reivindicam resultados genéricos com IA sem uma descrição técnica real. O caso Brita mostra que o requisito de descrição escrita (§ 112) não é mera formalidade. Ele: obriga os inventores a revelar verdadeiros avanços tecnológicos, impede patentes sobre ideias vagas ou aspiracionais, e protege o domínio público, garantindo que ninguém monopolize resultados genéricos sem ter ensinado como atingi-los.

Mesmo que o Congresso torne mais fácil patentear certas invenções (via PERA), os tribunais ainda podem usar o §112 para exigir substância técnica real. Isso é especialmente importante em IA, onde há risco de surgirem patentes dizendo apenas “faça isso com inteligência artificial”. O sistema de patentes deve recompensar tecnologia demonstrada, não promessas abstratas. O caso Brita v. ITC reforça que patentes em IA precisam mostrar posse concreta da inovação, e não apenas um desejo de alcançar resultados com “algum tipo de IA”.

Fonte: www.lexology.com

Can Section 112’s written description requirement police functional AI patent claims if Section 101 broadens? Blog View Points Reed Smith LLP  USA October 24 2025