A agenda do Desenvolvimento trata-se de uma proposta de Brasil e
Argentina dentro da OMPI lançada na XXXI Assembleia Geral realizada em agosto
de 2004 tendo em vista uma rediscussão do papel da propriedade intelectual sob
uma ótica crítica frente as tentativas de imposição por parte dos países
desenvolvidos de intensificar a aplicação de tais direitos independentemente do
grau do desenvolvimento econômico do país.
Esta proposta foi mais tarde expandida no documento IIM/1/4, de 6 de Abril de
2005, submetido por um grupo de 14 países auto-intitulado “Grupo de Amigos
do Desenvolvimento”: Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, República Dominicana,
Equador, Egito, Irã, Quênia, Peru, Serra Leoa, África do Sul, Tanzânia e
Venezuela [2]. A
proposta inicial básica é integrar a dimensão do desenvolvimento nas políticas
e na elaboração de regras sobre a propriedade intelectual de forma a conferir
um nível de proteção à propriedade intelectual variável conforme o
desenvolvimento econômico de cada país.
As ideias centrais da iniciativa podem ser assim resumidas: i) a
propriedade intelectual não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para o
desenvolvimento; ii) deve-se preservar o interesse público nas diferentes
negociações na OMPI; iii) a adoção de novas regras de propriedade intelectual
deve ser precedida de avaliação criteriosa dos impactos sobre políticas de
desenvolvimento tecnológico, econômico e social; iv) é necessário reequilibrar
a pauta de atividades da OMPI, voltada predominantemente para temas de
interesse precípuo de países desenvolvidos [3]. Henrique Moraes e Otávio
Brandelli destacam que a Agenda do Desenvolvimento não se trata de minar o sistema
de propriedade intelectual mas de permitir aos países em desenvolvimento
fazerem uso pleno das flexibilidade sde TRIPs assim como preservar tais
flexibilidades, ao invés de aprofundar os mecanismos de proteção tal como
propostos em acordos bilaterais TRIPs-plus.
Segundo Neil Nataniel: “a agenda do
desenvolvimento não nega o valor das artes criativas e invenções. Mas ela
insiste que a lei de propriedade intelectual deve ser colocada a serviço do
desenvolvimento”,
o que significa uma rejeição da abordagem do one size fits all.
Denis Barbosa identifica no discurso de Guerreiro Ramos em
setembro de 1961 na Assembléia da ONU denunciando o sistema de patente como
lesivo ao desenvolvimento como sendo um marco precursor da Agenda do
Desenvolvimento. O
documento síntese do pronunciamento de Guerreiro Ramos intitulado “O papel das patentes na transferência de
tecnologia para países subdesenvolvidos” foi substancialmente modificado
por emendas apresentadas pelos países desenvolvidos.
O texto consta consta como Apêndice VI do livro “A Redução Sociológica” escrito em 1965. A Assembléia da ONU aprovou
em dezembro de 1961 uma resolução solicitando ao Secretário Geral a elaboração
de um relatório sobre os efeitos das patentes nos países subdesenvolvidos.
O então BIRPI (organismo antecessor da OMPI) encorajado pela International
Chamber of Commerce (ICC) publicou artigo em 1962 em resposta a proposta
brasileira e defendendo o sistema de patentes apontando imprecisões no texto proposto argumentando ser a Convenção
de Paris “o sistema internacional de
patentes mais avançado e equânime existente, levando em consideração o
interesse público no uso e tratamento das patentes concedidas a estrangeiros”.
O UN Department of Economic and Social
Affairs (DESA) publicou o relatório final em 1964 com o título “The role of patents and the tranfer of
technology to developing countries”. O tema das patentes também foi
abordado em um discurso no Congresso Nacional em que Guerreiro Ramos como
Deputado Federal pelo PTB/RJ elogiava a criação do Grupo Executivo da Indústria
Farmacêutica, que tinha como um dos seus principais objetivos “promover a substituição de importações no
plano das matérias-primas destinadas à fabricação de remédios”, em um claro
movimento de nacionalização da indústria.
Segundo Ruth Okediji esta proposta de 1961 deu início a um um estreitamento de
relacionamento da OMPI com a ONU que viria a se consolidar com o acordo de 1975
em que a ONU reconhece a OMPI como agência especializada e responsável por
tomar as medidas apropriadas para promoção da atividade intelectual criativa e
por facilitar a transferência de tecnologia relativa a propriedade industrial
aos países em desenvolvimento de modo a acelerar o desenvolvimento cultural,
social e econômico destes países.
A conexão entre a rejeição de patentes com o pensamento sociológico
de Guerreiro Ramos não é evidente mas também não é inesperada. Guerreiro é um
nacionalista-desenvolvimentista, ou seja, para ele o "desenvolvimento
nacional" não deveria estar subordinado aos interesses estrangeiros. A polêmica
com Florestan Fernandes da USP revela esta perspectiva a respeito do tipo de
sociologia que deveria ser praticada no Brasil à época: uma sociologia
acadêmica ou uma sociologia "em
mangas de camisa", uma sociologia aplicada às politicas públicas de
interesse nacional. Guerreiro Ramos defende a proposta de que a sociologia deve
ser constituída a partir da realidade nacional, pelo desenvolvimento de uma
metodologia também própria.
Para Guerreiro Ramos os problemas de pesquisa sociológica deveriam obedecer às
necessidades impostas pelas particularidades de uma dada estrutura social e
desta forma a industrialização deveria ser o principal tema da sociologia
latino-americana, No II Congresso Latino-Americano de Sociologia ocorrido no
início da década de 1950, Guerreiro Ramos defendia que “o trabalho sociológico
deve ter sempre em vista que a melhoria das condições de vida das populações
está condicionada ao desenvolvimento industrial das estruturas nacionais e
regionais”
Na perspectiva de Roberto Jaguaribe e Otavio Brandelli: “é importante buscar
preservar as flexibilidades existentes para ajustar a proteção dos direitos de
propriedade industrial à política industrial e tecnológica e ao nosso estágio
de capacitação, modelo historicamente muito bem aplicado pela grande maioria
dos países hoje dotados de maior competitividade. Dessa forma, a estratégia
adequada parece ser a de, internamente, maximizar os benefícios da propriedade
intelectual, por meio de uma disseminação mais ampla, de uma interação mais
ativa com os setores de produção, acadêmico e de pesquisa, de uma maior
aproximação da propriedade industrial com a política industrial e tecnológica,
e externamente, de assegurar a manutenção ou ampliação dos espaços de
flexibilidades existentes” [14].
A Agenda do Desenvolvimento retoma o debate em torno da revisão da
Convenção de Paris iniciado pelo Brasil na Assembleia Geral das Nações Unidas
em 1961. Em 1979 um texto foi elaborado tomando como premissa para Revisão da
Convenção de Paris que “os tratados
internacionais sob competência da OMPI, em particular a Convenção de Paris,
devem ser elaborados à luz dos objetivos acima, deixando o máximo de liberdade
para cada país adotar medidas apropriadas no nível administrativo e legislativo
consistente com suas necessidades e políticas de desenvolvimento, econômicas e
sociais”. A
Revisão propunha então a revisão do artigo 5A da Convenção de Paris revendo a
questão da exploração local das patentes, adoção de medidas para conter abusos
do sistema e a relação entre licenças compulsórias (non voluntary licences) e caducidade ou revogação de patentes no
sentido de facilitar a aplicação de tais medidas. Com TRIPs não somente estas
propostas de flexibilização foram negadas como algumas das flexibilidades
presentes na Convenção de Paris foram retiradas (TRIPs exige a concessão de
patentes para produtos e processos, dotados de atividade inventiva, em qualquer
área tecnológica por no mínimo vinte anos de vigência). Bodenhausen em
comentário sobre a Revisão de Paris de 1967 declara que “Na área de patentes, por exemplo, a Convenção deixa os países membros
inteiramente livres para estabelecer o critério de patenteabilidade, decidir se
os pedidos de patente devam ou não ser examinados de modo a determinar, antes
que a patente seja concedida, se tais critérios foram atendidos, se a atente
deva ser concedida ao primeiro inventor ou ao primeiro depositante de uma
patente, ou se as patentes devam se concedidas para produtos somente, para
processos somente, ou para ambos, e em quais campos da indústria e por qual
prazo”.
Para Carlos Ardissone, muito embora o governo Fernando Henrique
tenha se envolvido em uma disputa diplomática com os Estados Unidos entre 1997
e 2001 em torno da questão das patentes de medicamentos contra AIDS, que
conduziu a Declaração de Doha em 2001, e tenha criado o Grupo Interministerial
de Propriedade Intelectual (GIPI) assim como a Divisão de Propriedade
Intelectual (DIPI) no âmbito do MRE, será somente no governo Lula que a
diplomacia brasileira irá utilizar as questões de propriedade industrial de
modo mais assertivo com o painel vitorioso contra os Estados Unidos na questão
do algodão e as ameaças de retaliação cruzada em propriedade industrial assim
como na proposição da Agenda do Desenvolvimento.
Se na era Fernando Henrique o papel de uma “diplomacia
presidencial” ofuscava o papel do Itamaraty, no governo Lula ganhará
representatividade o segmento crítico do Itamaraty presente nas formulações de Samuel
Pinheiro Guimarães e outros.
Toda a polêmica em torno dos medicamentos da AIDS reforçou o apoio político
para segmentos do governo que tinham uma cultura antipatente, não somente no
setor saúde.
Carlos Ardissone destaca Samuel Pinheiro Guimarães como um
diplomata influente no MRE alinhado com teses desenvolvimentistas e que ganhou
prestígio na era Lula. Segundo Samuel Pinheiro Guimarães: “a estratégia desenvolvimentista reconhece a importância do setor
externo para a economia brasileira, mas considera que o cerne da estratégia de
desenvolvimento deve ser a expansão estimulada do mercado interno e a
diversificação do parque produtivo no Brasil”. È neste sentido que a
estratégia desenvolvimentista destaca o papel do Estado como indutor de um desenvolvimento
industrial integrado e sustentado. Mesmo o governo Juscelino que promoveu uma
estratégia de industrialização focada em empresas multinacionais instaladas no
país, é colocado no grupo de políticas desenvolvimentistas.
Samuel Pinheiro Guimarães mostra uma postura bastante restritiva
ao sistema de patentes: "o terceiro
método [para restringir a concorrência] é, ao contrário, estimulado pela
legislação de proteção á propriedade intelectual que, na prática, legaliza
situações de monopólio temporário, sob o argumento de que tal seria necessário
para estimular a inovação tecnológica e sua difusão"
. Segundo Samuel Pinheiro Guimarães "Os
sistemas jurídicos de proteção a patentes e segredos industriais criam
monopólios legais justamente para dificultar a difusão de inovações
tecnológicas e para garantir que ela somente se verifique quando de interesse
das empresas detentoras, em condições que lhes permitam ganhos econômicos sem o
risco de novos competidores e em um momento em que essas empresas já tenham
descoberto novas tecnologias mais sofisticadas".
Por outro lado, Samuel Pinheiro Guimarães utiliza o número de patentes de
residentes como indicador de uma política científica e tecnológica bem
sucedida, o que parece contraditório com o argumento inicial.
A associação das patentes como entrave à difusão tecnológica é clara, no
entanto, o mesmo autor reconhece que "a
principal tendência do sistema interacional é a contínua aceleração do
progresso científico e tecnológico",
ou seja, mesmo com a intensificação da proteção patentária pelos países
centrais não se tem observado um recuo de desenvolvimento tecnológico destes
países, pelo contrário. No entanto, ao tratar das áreas tecnológicas em que o
Brasil detém conhecimento, Samuel Pinheiro Guimarães recomenda uma política
para "promover o conhecimento
sistemático da biodiversidade, levantar conhecimentos tradicionais e promover o
registro e proteção desse conhecimento" ,
o que poderia ser feito através de patentes,
embora reconheça a dificuldade jurídica de tais conhecimentos se adequarem a
este diploma legal. No âmbito do Mercosul, Samuel Pinheiro Guimarães destaca a
necessidade de se desenvolver capacidades científicas e tecnológicas autônomas,
especialmente nos mercados mais lucrativos construídos de forma monopolística por
meio da exploração temporária de inovações por meio de patentes.
Para Maristela Basso: “é imperativo que os países desenvolvidos
assegurem que seus objetivos de política para a propriedade intelectual sejam
condizentes com metas mais amplas de promoção do desenvolvimento dos países
pobres. Os países em desenvolvimento não devem ser obrigados a aceitar padrões
de proteção dos direitos de propriedade intelectual impostos pelos países
desenvolvidos para, em troca, obterem acesso a mercados e investimentos” [28].
Em 2007 a Assembleia Geral da OMPI estabeleceu um novo comitê para
implementar a Agenda, o Comitê sobre o Desenvolvimento e a Propriedade
Intelectual (CDIP) com o intuito de promover medidas que assistirão os países a
lidar com as práticas anti-concorrenciais relacionadas com a propriedade
intelectual e examinar como melhor promover práticas de licenciamento de
propriedade intelectual pró-concorrenciais [29]. Na 14ª Assembleia do Standing
Committee on the Law of Patents, realizada na WIPO em janeiro de 2009, o
Brasil apresentou proposta, dentro da linha de ação da Agenda para o
Desenvolvimento com intuito de se rever as exceções de patenteabilidade no
sentido de as tornar mais eficazes tendo em vista o interesse da sociedade em
geral, citando como exemplo as dificuldades dos países em implementar as
flexibilidades de Doha e licenças compulsórias efetivas em medicamentos
face à falta de capacitação tecnológica dos países pobres. O texto proposto,
contudo, não avança em detalhar que mudanças seriam estas [30]. Durante a reunião de
novembro de 2010 as discussões para coordenar os instrumentos para
implementação das 45 recomendações da Agenda do Desenvolvimento aprovadas em
2007 chegaram a um impasse.
Estas recomendações abrangem ações que tratam de assuntos como:
i)
assistência
técnica (uso de medidas como licenças compulsórias e outras flexibilidades para
coibir abusos dos direito de propriedade intelectual),
ii)
normatização,
flexibilidades, políticas públicas e domínio público ( adoção de medidas que
aumentem direito de PI devem ser precedidas por avaliações de impacto para
melhor instruir os países dos riscos envolvidos),
iii)
transferência
de tecnologia e práticas anticompetitivas (medidas que permitam aos países em
desenvolvimento a abssorção de tecnologia por exemplo pelo aumento do uso da
informação tecnológica contida nos docmentos de patentes),
iv)
questões
institucionais e de governança da OMPI (adequando o papel da OMPI em atingir os
objetivos do Milênio estabelecidos pela ONU em especial ao sexto objetivo que
trata do combate a AIDS, malária e outras doenças
e aumentando a participação de ONGs na área de saúde e software até então
ausentes dos debates da OMPI).
Para Keith Maskus muitas das recomendações da Agenda do Desenvolvimento
são vagas: “a probabilidade que tais
recomendações venham a no final das contas levar a um compromisso multilateral
de modo a permitir um uso extensivo das
regulações flexíveis em propriedade intelectual
é limitada, na melhor das hipóteses [...] Muitos países em
desenvolvimento precisam investir fortemente em políticas de desenvolvimento
complementares que são mais importantes do que reformas no sistema de
propriedade intelectual”. Keith Maskus identifica o motivador das atuais
propostas de reforma como remanescentes
da chamada Nova Ordem Econômica Internacional (NIEO) proposta nos anos 1980 e
interrompida com o Acordo de TRIPs. O argumento de que tal política se
justificaria no exemplo do passado de países como Estados Unidos, Japão e Coreia
que alavancaram seu desenvolvimento com um sistema de propriedade intelectual
fraco, não leva em conta, segundo Keith Maskus, o contexto histórico destas
experiências. Estas experiências do passado foram acompanhadas de políticas
públicas que estimulavam a poupança interna, altas taxas de investimento,
administrações públicas competentes e consideráveis investimentos em capital
humano (educação) e infraestrutura industrial: “estas características podem não estar presentes de forma adequada em muitos
países em desenvolvimento hoje, sugerindo que uma política agressiva de fracos
direitos de propriedade intelectual pode produzir pouco efeito na melhoria da
inovação doméstica ou no encorajamento da transferência de tecnologia”.
Escrevendo em 2007, Nuno Carvalho destaca alguns avanços até então
alcançados pela Agenda do Desenvolvimento tais como a assistência técnica da
OMPI, o estabelecimento de fundos financeiros, a preparação de estudos para se
avaliar o impacto da propriedade intelectual, mas pouco se avançou quanto aos
aspectos estruturais do sistema: “A agenda para o desenvolvimento foi
absorvida pela rotina operacional da estrutura burocrática da OMPI e se
transformou num número maior de reuniões internacionais, de seminários, de
cursos, só isso. O erro era de concepção, pois os proponentes da agenda para o
desenvolvimento não sabiam exatamente o que fazer do sistema multilateral de
propriedade intelectual. Policy takers
não fazem política, apenas a importam. Na hora em que lhes foi dado um fórum
para apresentar propostas de policy
making, não sabiam exatamente o que apresentar. A agenda para o
desenvolvimento estava, desde o princípio, condenada a ter uma importância
muito reduzida. Isto por três razões: (a) os países que a propuseram (Brasil e
Argentina, com o apoio subsequente de mais doze países em desenvolvimento) não
tem muita experiência prática no uso da propriedade industrial, especialmente
no campo das patentes [...] (2) os países com experiência efetiva (alguns
países industrializados) não participaram ativamente dos debates [...] 3)
aqueles mesmos países que agora queriam colocar a propriedade intelectual a
serviço do desenvolvimento, em 1994, ao fim da Rodada do Uruguai, colocaram-na
ao serviço do acesso a mercados estrangeiros” [35]. Coenraad Visser também
concorda com a falta de objetividade prática nas medidas efetivas a serem
adotadas numa política que se pretenda promover a transferência de tecnologia
para os países em desenvolvimento: “a
verdade permanece de que a maior parte dos delegados dos países em
desenvolvimento presentes nas reuniões dos Comitês são membros dos corpos
diplomáticos e não são versados em propriedade intelectual”.
Para Nuno Carvalho a proposta original de Brasil e Argentina: “deveria criar-se um novo órgão subsidiário
na OMPI para considerar que medidas devem tomar-se para que o sistema de
propriedade intelectual garanta uma transferência eficaz da tecnologia para os
P&D, tal como já se fez noutros fórums, como a OMC e a UNCTAD. Entre outras
medidas, consideramos especialmente interessante a criação de um regime
internacional em virtude do qual se promova o acesso por parte dos P&D aos
resultados de pesquisas financiadas com fundos públicos nos PD. Um regime desse
tipo poderia materializar-se num Tratado sobre o Acesso aos Conhecimentos e à
Tecnologia”.
A Recomendação 29 previa: “Incluir no
mandato de um órgão adequado da OMPI debates sobre transferência de tecnologia
em matéria de PI”, no entanto pouco se avançou em matéria de transferência
de tecnologia dos países ricos para os países em desenvolvimento. O Tratado de
Marrakesh de julho de 2013 que flexibiliza os direitos autorais para facilitar o
acesso de deficientes visuais a ter acesso a trabalhos já publicados se
constitui um dos primeiros resultados efetivos da Agenda do Desenvolvimento.
Christopher May e Susan Sell são céticos diante da possibilidade
da WIPO adotar uma agenda que contrarie os interesses das principais nações
desenvolvidas uma vez que 85% de suas receitas provém de taxas pagas pelos
usuários para administração dos vários tratados administrados pela Organização,
entre os quais o principal é o sistema PCT. Os principais usuários destes
tratados são as nações que conduziram a pressão política para a adoção de TRIPs
e o reforçamento dos direitos de propriedade intelectual. Ademais, observam os
mesmos autores, outras agências das Nações Unidas tiveram seu papel político
esvaziado neste debate. O UNCTAD criado em 1964, como alternativa ao GATT, no
passado constituiu um importante local de discussão política para os direitos
de propriedade intelectual. A UNESCO, criada em 1945, com sua proposta de
garantir o intercâmbio científico, cultural e educacional entre os povos, igualmente
se ocupou da discussão dos direitos de propriedade intelectual e levou a criação
do Universal Copyright Convention em
1952 como alternativa à Convenção de Berna.
Muitos países da América Latina que não eram membros da Convenção de Paris
faziam parte desta acordo no âmbito da UNESCO.
Tanto o papel do UNCTAD como da UNESCO na discussão da propriedade
intelectual foram esvaziados com a adoção de TRIPs. Nesse sentido, Christopher
May e Susan Sell entendem que o papel da OMPI se coloca mais numa orientação
técnica do que propriamente política. Peter Drahos, na mesma argumentação,
observa que os representantes enviados para reuniões junto à OMPI possuem um
perfil muito mais técnico do que político, muitas vezes treinados por programas
da própria Organização: “a caracterização
da OMPI como uma organização essencialmente técnica paga uma dívida para com os
países desenvolvidos desejosos de avançar numa agenda de harmonização, elevando
os padrões de proteção da propriedade intelectual e de enforcement. Questões
políticas são deixadas de lado, as dicussões se limitam a refinamentos dos
tratados internacionais relevantes”.
Eduardo Gaban ao descrever os esforços da UNCTAD na avaliação dos
impactos das práticas comerciais restritivas à livre concorrência internacional
que levou a publicação em 1980 da Resolução 35/63 referente a um Código de
Conduta sobre Práticas Comerciais Restritivas (CPR)
e em 1985 com a elaboração de um Draft International
Code of Conduct on the Transfer of Technology,
observa que este trabalho tem sido de pouco resultado em termos de meios
efetivos de implementação.
Em 1 de maio de 1974 a Assembleia Geral das Nações Unidas já havia aprovado
pela Resolução 3202 um Programa de Ação para o estabelecimento de uma Nova Ordem
Econômica Internacional (NIEO) que da mesma forma previa um código de conduta
regulando as transferências de tecnologia.
Ruth Okediji argumenta que o fracasso destas negociações em torno de um código
de conduta de transferência de tecnologia dos países centrais aos países em
desenvolvimento ocorreu por terem tomado como premissa que o sistema de PI
seria o articulador deste movimento, quando a inovação muitas vezes ocorre sem
que o sistema de patentes desempenhe um papel central, especialmente em setores
onde as barreiras de entrada dadas pela estrutura de mercado já impõe
restrições de acesso que tornam desnecessário o uso de patentes.
Alberto Guerreiro Ramos [47]
[2] JAGUARIBE, Roberto; BRANDELLI, Otávio. Propriedade
intelectual: espaços para os países em desenvolvimento. In: VILLARES,
Fabio. Propriedade intelectual: tensões entre o capital e a sociedade.
São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 298.
[3] Agenda para o Desenvolvimento da OMPI , mar. 2007 http:
//www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2007/01/agenda-para-o-desenvolvimento-da-ompi.
MORAES, Henrique Choer; BRANDELLI, Otávio. The development Agenda at WIPO. In: NETANEL, Neil Weinstock. The
development agenda: global intellectual property and developing countries.
Oxford University Press, 2009,p.45
[14] JAGUARIBE.op.
cit. p. 285.
WIPO, Document PR/DC/3, 25 junho
1979, Diplomatic Conference for the Revision of the Paris Convention: Basic
Proposals, http://www.wipo.int/mdocsarchives/PR_DC_1%20to%2020_1980/PR_DC_3_E.pdf
cf. ROFFE, Pedro; VEA, Gina. The WIPO development agenda in an historical and
political context. In; NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global
intellectual property and developing countries. Oxford University Press,
2009,p.101
[28] BASSO, Maristela. Propriedade Intelectual na era pós-OMC.
Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2005, p. 76.
[29] CARVALHO, Nuno. O Projeto da OMPI sobre Propriedade
Intelectual e Política da Concorrência. I Conferência Internacional de
Defesa da Concorrência do SBDC. São Paulo, out. 2009.
[30] Standing Committee on the Law of
Patents. Fourteen Session, Geneva, jan. 2010 proposal from Brazil. http:
//www.wipo.int/edocs/mdocs/patent_policy/en/scp_14/scp_14_7.pdf.
The 45 Adopted
Recommendations under the WIPO Development Agenda, http://www.wipo.int/ip-development/en/agenda/recommendations.html
[35] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de
marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 383.
VISSER, Coenraad. The policy making
dynamics in intergovernmental organizations, 82, Ch-Kent Law Review, 1457
(2007) cf. NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual
property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.10