Uma das grandes
críticas contra as patentes de métodos implementados por programas de computador
é a de que sendo o programa de computador um conjunto de instruções ele não se
distingue do método e portanto ambos estão protegidos por direito de autor, que
seria suficiente para proteger todos os aspectos de interesse do programa de
computador. Nesta perspectiva a proteção por direito de autor seria suficiente.
Esta análise, contudo, perde a perspectiva fundamental de que temos nestes
casos dois objetos distintos: o programa de computador em si, enquanto conjunto
de instruções específicos, mera expressão de um método, e o método propriamente
dito capaz de definir a solução técnica proposta de forma independente da
linguagem de programação utilizada e, portanto, passível de ser implementada
por diferentes programas de computador cada qual protegido pelo direito de
autor respectivo. Esta interpretação de dois objetos distintos está consolidada
na doutrina e jurisprudência de direito de autor, assim como no direito de
autor do programa de computador.
Nesta perspectiva
encontramos na doutrina e jurisprudência o entendimento consolidado que ideias,
conceitos abstratos, processos patenteáveis ou não, cálculos, não podem ser
objeto de proteção por direito autoral que protege apenas o que se denomina “expressão
da ideia”, desde que esta expressão possa se manifestar de diferentes formas de
modo a dar margem aos aspectos subjetivos de criatividade do autor. Nos casos
em que há uma fusão entre ideia e expressão, ou seja, uma única forma de se
exprimir tal ideia, então já não se pode falar em criatividade do autor, de
modo que a proteção autoral já não é possível.
Antonio Chaves cita
diversas decisões do extinto CNDA que consolidam a tese de que a ideia em si
não é protegível por direito de autor e conclui “o objeto do direito de autor é o produto da criação intelectual, isto
é, a obra, o que exclui a proteção à simples ideia, que não encontra ainda, no
sistema monopolístico do direito de autor, proteção adequada. Apenas sua
expressão, a forma, é que encontra amparo, persistindo ainda hoje o conceito de
que a ideia, manifestada sem suporte material, poderá ser aproveitada por
qualquer pessoa”.
Pela Deliberação n°25
de 1980 o CNDA conclui: “No âmbito da Lei
5988/73 não cabe proteção aos trabalhos intelectuais que ainda se caracterizem
por simples ideia. Não é cabível, por conseguinte, o registro pleiteado”. O
direito autoral não tem em princípio como fim o incentivo à criação, mas a
proteção à personalidade do autor, tal como ela se exprime através de sua obra.
O argumento tem se
repetido desde as origens da proteção autoral. D. Pedro II em 1889, em discurso
proferido durante uma das sessões da Comissão de organização do Projeto de
Código Civil argumenta: “O pensamento não
pode ser objeto de propriedade, como as coisas corpóreas. Produto da
inteligência, participa da natureza dela, é um atributo da personalidade
garantido pela liberdade da manifestação, direito pessoal. Uma vez manifestado,
ele entra na comunhão intelectual da humanidade, não é suscetível de
apropriação exclusiva.O pensamento não se transfere, comunica-se. . . chamo a
atenção da Comissão sobre a necessidade do harmonizar os direitos do autor com
a sociedade”.
O conceito de ideia
como de livre difusão, não passível de apropriação se coaduna com a lei
patentária que da mesma forma não protege as concepções puramente abstratas, ou
seja, aquelas que existem no plano das ideias apenas sem qualquer realização
prática, ou aplicação industrial. O sistema de patentes por sua vez protege
métodos, que por se constituírem de ações não configuram produtos físicos, no
entanto tais ações por serem operáveis no mundo físico, por provocarem efeitos
técnicos não podem ser vistas como concepções meramente abstratas, e desta
forma, podem ser protegidas por patentes. De modo geral, a referência na
doutrina e jurisprudência a não apropriação de ideias, invariavelmente estará
se referindo a tais concepções puramente abstratas.
Segundo Carlos Alberto
Bittar ao tratar do direito autoral “esse
Direito não alcança as ideais em si senão enquanto inseridas e entrelaçadas em
formas literárias, artísticas e científicas .... A obra protegida em seu
contexto é aquela que constitui exteriorização de uma determinada expressão
intelectual, inserida no mundo fático em forma ideada e materializada pelo
autor”.
Para Eliane Abrão: “Há um campo de verdadeira imunidade a
qualquer proteção de caráter autoral: é o das ideias, dos conceitos, dos
métodos, dos sistemas, dos cálculos. Toda obra parte de uma ideia, de um
conceito, de uma sinopse, contém um método, um cálculo. Isso é só o ponto de
partida. Para se chegar à obra concretizada, há um longo caminho a percorrer,
partindo da materialização da ideia á produção da obra até sua disponibilização
ao público. A ideia ponto de partida, não se confunde com a obra. O resultado
sensorial dessas ideias, métodos, conceitos, isto é, a forma ou expressão
fixada em base corpórea, ou incorpórea é que protegida plea lei de direito
autoral, e não as ideias, os métodos, os cálculos em si,ou que nelas se incrustam.
Exemplifica-se: o livro de ensino de matemática é de criação de
determinado autor, mas não os cálculos utilizados em cada exercício”.
Para Plínio Cabral “o que a lei protege são as manifestações
concretas do espírito criador, aquilo que, a partir do pensamento abstrato do
autor, se materializa de tal forma que fale á sensibilidade. A Convenção de Berna
em seu artigo 2º declara - os termos obras literárias e artísticas compreendem
todas as produções do campo literário e científico qualquer que seja o modo ou
a forma de expressão - Dois pontos básicos de destacam: 1) a ideia em si não é
protegível, 2) a proteção recai sobre a forma de manifestação artística
[...Segundo Deli Lipszyc ...] Só está protegida a forma sensível sob a qual se
manifesta a ideia e não a ideia mesma, que se expresse de maneira esquemática,
ou seja, em uma obra”.
A legislação do
direito autoral garante proteção à forma de expressão das ideias e não às
ideias e conceitos em si. Assim manifestou-se a Suprema Corte,
tendo como relator o Ministro Cordeiro Guerra: “nos trabalhos científicos o direito autoral protege a forma de
expressão, e não as conclusões científicas ou seus ensinamentos que pertencem a
todos, no interesse do bem comum”. E ainda a decisão
do TJESP “sob a égide do direito do autor
estão só as formas de expressões de atividade espiritual. Isto é, só o produto
intelectual criado pela expressão de uma forma, com características de
individualidade, criatividade, novidade e originalidade são protegíveis no
âmbito do direito autoral”. E ainda decisão
do TJRJ “a ideia em si, ou uma simples
concepção ideal, não constitui trabalho intelectual protegível”. Para José
de Oliveira Ascenção “as
ideias, uma vez concebidas, são patrimônio comum da humanidade. È inimaginável
um sistema em que as ideias de alguém fossem restritas na sua utilização”.
Segundo
entendimento do TJRJ
“A ideia em si ou uma simples concepção
ideal, não constitui trabalho intelectual passível de proteção”. O uso de
ideia alheia não configura violação do Direito Autoral. O entendimento é da 3ª
Turma do Superior Tribunal de Justiça. Os Ministros mantiveram a decisão de
segunda instância que negou pedido de reparação por danos morais da empresa
Mostaert Publicidade contra o Banco Bradesco, acusado de apropriação indevida
de obra intelectual. De acordo
com a empresa, o Banco se apropriou de sua ideia sobre um projeto de captação
compulsória nas compras efetuadas pelo cartão “Poupe Card”. Em primeira instância, o pedido não foi acolhido. A
empresa recorreu. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a decisão. Os
desembargadores consideraram que, “embora
sejam criações do espírito, as ideias não ensejam direitos de propriedade ou de
exclusividade. Em conseqüência, o fato de alguém utilizar ideia desenvolvida
por outro, por si só, não constituindo violação das regras de direito autoral,
não configura ato ilícito, que dá origem ao direito de indenização”.
Segundo o
TJRJ “não estão amparadas pelo Direito
Autoral simples ideias, mas sim a sua exteriorização concreta e original, de
cunho artístico, que efetivamente constitua trabalho intelectual”
e ainda “a ideia, a concepção teórica
somente tem tutela legal, se se concretizar em trabalho”.
Segundo TJRS “A simples ideia ou
descoberta, enquanto não materializada, é patrimônio de todos, podendo ser
utilizada por qualquer pessoa”.Segundo o
STJ ao analisar a proteção por direitos autorais dos conhecimentos científicos
expostos numa bula de remédio “Nos
trabalhos científicos o Direito Autoral protege a forma de expressão, e não as
conclusões cientificas ou seus ensinamentos. Que pertecem a todos, no interesse
do bem comum”.
A Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou ser improcedente o pedido de
indenização feito pela artista Ana Maria Athayde Caldas Pinto contra a TV
Globo. A artista alegou que a emissora usou, sem a devida autorização, estilo
de arte desenvolvido por ela na abertura de novelas (como na segunda versão da
novela Selva de Pedra em 1986) e outros programas, denominado “fragmentismo”,
que permite que qualquer visual seja mostrado com desenho ou composição
abstrata utilizando fragmentos coloridos. Para o ministro Humberto Gomes de
Barros, a técnica discutida na ação é apenas um meio para a formação de obras
artísticas. O resultado da utilização dessa técnica é que, segundo ele, teria
proteção legal. Ou seja, somente se sujeita à proteção intelectual a obra
formada pela utilização do estilo, individualmente considerada.
Em outro
processo
de 2006, Vander Nascimento dos Reis ajuizou ação de indenização em face de Rádio
e Televisão Bandeirantes Ltda e José Luiz Datena, alegando, em síntese, que: a)
o autor idealizou um programa de televisão valorizando as características
regionais do Brasil intitulado Coração Brasileiro, que seria uma reedição de um
programa produzido anteriormente pelo autor; b) o projeto teria sido
apresentado ao segundo réu José Luiz Datena que teria dito que responderia; b)
o segundo réu não teria respondido e meses depois foi surpreendido com um
programa de televisão chamado “No Coração
do Brasil” produzido pela primeira ré e apresentado pelo segundo réu; c)
teria ocorrido violação ao direito autoral.
Segundo o
juiz Sang Duk Kim, da 33ª Vara Cível de São Paulo "A apresentação dos confins do imenso Brasil com suas características
regionais e diversidade cultural é um quadro já permeado nos programas
existentes. A prosperar a tese do autor, ninguém no país ou fora dele, poderia
fazer programas televisivos ou jornalísticos apresentando e desbravando o
próprio país .. .Pergunta-se: Será que este conceito e formato de apresentação
é passível de conferir à alguém o direito autoral? Obviamente que não. Ainda
que se comprove que os réus tenham tido a ideia do programa do programa
veiculado nos materiais encaminhados pelo autor, este não passa de uma ideia,
sendo que este não é passível de apropriação e sim as obras acabadas.
Inexistente a originalidade da
obra do autor bem como impossibilidade da apropriação de ideias, o pedido de
indenização do autor é improcedente ".
Segundo o
artigo 9o de TRIPS que regula a relação do acordo com a Convenção de
Berna “a proteção do direito de autor
abrangerá expressões e não ideias, procedimentos, métodos de operação ou
conceitos matemáticos como tais”. Assim como no direito autoral a doutrina
a e jurisprudência confirmam a existência de dois objetos distintos: a ideia e
a expressão da ideia, sendo que em alguns casos esta ideia subjacente pode ser
patenteada, também no software podemos identificar os mesmos dois objetos
distintos: a ideia e método implementado pelo software, sendo o método passível
de proteção de patentes em alguns casos.
Segundo Manoel Joaquim
dos Santos “ao se cuidar da proteção autoral de
programas de computador, o enfoque deve ser na originalidade expressiva (ou
seja naquilo que o nosso legislador designou como forma literária ou artística)
e não na qualidade das soluções técnicas que o programa implementa (ou seja
naquilo que o nosso legislador designou conteúdo científico ou técnico)”.
Segundo Roberto
Chacon: “a proteção do direito autoral
não pode ser conferida aos elementos da expressão que advenham,
necessariamente, da ideia, ou seja – das expressões que são indispensáveis, ou
ao menos padronizadas, no tratamento de uma questão. Caso a semelhança
substancial entre dois programas de computador for resultante, por exemplo, das
limitações na forma de expressão associadas à ideia de criar um software no
qual se simule um combate de artes marciais, não há nenhuma infração ao direito
autoral”.
O direito autoral
protege a expressão da ideia, e não a ideia propriamente dita. Para Roberto
Chacon: “o direito autoral protege a
expressão concreta de um obra intelectual, consubstanciada numa unidade
orgânica original”.
Pela Lei 9609/98 artigo 6o não há infração quando da “ocorrência de semelhança de programa a
outro, preexistente, quando se der por força das características funcionais
de sua aplicação, da observância de preceitos normativos e técnicos, ou de
limitação de forma alternativa para a sua expressão”. Segundo Denis Barbosa:
“a expressão de um programa pode restar
sob a Lei de Software, enquanto que o uso do programa para fins de utilidade
industrial, inclusive os conceitos e ideias que subjazem ao algoritmo, podem
incidir sobre a tutela da Lei patentária”.
José de Oliveira
Ascenção não concebe o programa de computador como obra literária por ser uma
expressão servil do método, de modo que com ele se identifica de forma
biunívoca “Em si, o programa escapa á
noção de obra. O programa é um processo ou um esquema para a ação. Mas os
processos não são tutelados pelo Direito de Autor. Já vimos que este tutela uma
forma, sendo-lhe indiferente que esta forma se refira ou não a uma técnica para
a obtenção de um certo resultado. [...] Alguém descobre um método fatal de abertura
no jogo de xadrez. Faz a respectiva notação. O método pode ser genial. Mas a
notação não é obra literária, porque representa a expressão obrigatória daquele
processo. O que é criativo é o processo, não a fórmula que é servil. Estamos,
portanto, já muito para além do algoritmo. Observamos que, sendo expressão
obrigatória, a notação do processo não é nada diferente do próprio processo. As
instruções ao usuário poderão ser obra protegida; o programa não [...]
Concluímos assim, que a fórmula do programa de computador, como expressão
obrigatória dum processo, não é obra literária, e escapa por isso à tutela pelo
direito de autor”.”
José Ascenção trata de programas que são a implementação servil de um método,
ao passo que em muitos casos os processos pode ser implementada por diferentes
programas de computador em diferentes linguagens e estruturas. Esta variabilidade
de implementações confere ao programa em si uma característica que o aproxima
de obra literária e nestes casos já não podemos dizer que trata-se de cópia
servil do método. Este o entendimento de Bruno Jorge Hammes: “para alguns autores não é protegível o que é
banal ou uma descrição necessária (funcionamento de um aparelho). No caso
concreto deverá ser examinado se há margem ara uma criação pessoal ou não”. Assim
entre o método e a implementação em software específico temos definidos dois
objetos claramente distintos.
Em decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2006 a Corte concluiu que os programas de computador são protegidos pelo direito autoral e por isso comportam proteção apenas de seu meio exterior, razão pela qual é lícita a criação de software com finalidade assemelhada à de outro. Em decisão do mesmo ano do Tribunal de Justiça de São Paulo a Corte entendeu que a existência de semelhanças nos programas não é, por si só, causa de ferimento a direito autoral, nos termos do art. 6º da Lei 9609/98.