O Aviso de 22 de janeiro de 1881 determinava
o exame das invenções, posterior à concessão da patente, realizado pela
Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional que poderia declarar a
caducidade da patente caso não atendidos os critérios legais [1]. Com
a medida alegava-se que se afastaria o risco de perda do segredo da invenção
antes da concessão da patente. O exame, contudo, limitava-se a analisar o
enquadramento como matéria excluída de proteção, por exemplo, por ser
considerada contrária à moral, segurança ou saúde pública, ou por não oferecer
resultado prático industrial, ou então por ser considerada matéria relativa a
produtos alimentícios, químicos ou farmacêuticos [2].
Até dezembro
de 1923, o Brasil adotava o sistema de livre concessão, à maneira do regime
francês, até que o Decreto nº 16.264 de 19 de dezembro de 1924 criou a
Diretoria Geral da Propriedade Industrial, vinculada ao Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio, implantando-se, assim, o sistema de exame
prévio. O jornal “O Paiz” de 17 de julho de 1918 denunciava os abusos do
sistema de livre concessão “o abuso de patentes chega a tal ponto que se
pode requerer e obter na Praia Vermelha patentes de invenção para um novo
método de beber água no copo levando a boca com a mão direita” [3].
Descartes Drummond de Magalhães escrevendo em 1923 comenta as conseqüências do
sistema de livre concessão: “Constitui
meio de vida de indivíduos desonestos, sem exame prévio que assegura a novidade
do invento, tornam-se muito freqüentes as questões de anulações de patentes de
invenção, tendo sido adotado o exame prévio para as marcas de indústria e
comércio, não há motivo, para com muito mais importância estabelecê-lo para as
patentes de invenção e finalmente o exame prévio trax grandes vantagens, sem
oferecer o menor inconveniente, pois que o grande público recebe o produto
devidamente examinado, pelos técnicos da repartição competente com muito mais
confiança e os produtos tornar-se-iam mais acreditados”.
Machado de Assis, que foi funcionário da
Secretaria de Estado da Indústria, Viação e Obras Públicas, instituição que
concedia patentes, escreveu no romance Esaú e Jacó, em 1904, uma crítica ao
período de grande especulação financeira que marcou o final do século XIX, numa
política conhecida como encilhamento, uma tentativa de expandir o crédito para
criação de novas empresas marcada por uma avalanche de negócios fictícios: “Quem
não viu aquilo não viu nada. Cascatas de ideias, de invenções, de concessões,
rolavam todos os dias, sonoras e vistosas para se fazerem contos de réis,
centenas de contos, milhares, milhares de milhares, milhares de milhares de
milhares de contos de réis”. No mesmo ano Luiz Gama em seu livro Primeiras
trovas burlescas publica o Soneto a um fabricante de pílulas: “Diz Dom Sancho careca, o carraspanas /
Antigo charlatão pelotiqueiro / Por força da natura cozinheiro / Atual
compositor de trabuzanas [...] E sendo o suplicante sabichão / Inventor do
sistema de rapina / Reclama uma patente de invenção”.
Segundo Nelson Werneck Sodré: “é o
fenômeno que se conhece por encilhamento, visto em termos monetários, com o seu
singular cortejo de ilusões, as do que supunham o Brasil muito menos colonial
do que realmente era, e a sequência inevitável de desastres”.
Segundo Nícia Vilela Luz esta experiência industrial sujeita a uma especulação
desenfreada contribui para um certo descrédito da atividade industrial em
políticas públicas posteriores.
Todo o debate do século XIX no Parlamento temos os defensores da indústria
nacional nomes como Felício dos Santos, Amaro Cavalcanti, Barata Ribeiro,
Serzedelo Correa centrando suas políticas de incentivo basicamente em torno de
tarifas aduaneiras e câmbio favoráveis. A questão do estímulo à inovação não
estava na agenda política do Parlamento no século XIX e entre as principais
indústrias nacionais se destacavam tecidos, calçados, chapéus e palitos de
fósforo, indústria de baixo conteúdo tecnológico.
Roberto Simonsen destaca que
contribuíram para o encilhamento as medidas econômicas tomadas pelo Ministro da
Fazenda Ouro Preto no intuito de atenuar os prejuízos infligidos aos
fazendeiros pela não indenização dos escravos após a abolição da escravatura.
Deu-se grande expansão de empréstimos a fazendeiros por intermédio de bancos e
sociedades de investimento contribuindo para um movimento inflacionista.
Roberto Simonsen destaca o espírito especulativo do encilhamento: “o que foi o encilhamento, provocado em
grande parte por atos administrativos impensados, pelas grandes emissões de
papel moeda que quadruplicaram o meio circulante sem a dosagem e o controle de
crédito e as suas nefastas consequências para o comércio nacional, é coisa que por
tradição todos conhecemos. A excitação dos negócios era produzida pela atuação
do próprio governo que dava concessões, promulgava decretos sucessivos com a
preocupação mais de demolir o passado do que de fazer o nosso progresso evoluir
em marcha harmônica com seus fatores reais”
No livro “Visão em vários tempos” o
escritor Thiers Martins Moreira relata a crítica de Machado de Assis a uma
patente de método financeiro concedida em meio a época do encilhamento. A
patente nº 1440 de 30 de maio de 1892 depositada por George Boynton referia-se
a processo para formação do capital necessário a qualquer empresa por meio da
distribuição de cartões numerados: “a
ideia é aproveitar o bem conhecido espírito de especulação do povo, a fim de
dirigir, a um destino novo e útil, o dinheiro empregado em especulações
arriscadas, contrárias aos interesses do Estado, mas que não é possível abolir
completamente. Calculado o capital preciso para um cometimento industrial,
expõem-se á venda cartões de tal preço e em número tal que de seu produto,
pagos os prêmios em dinheiro e deduzidas todas as despesas, fique um lucro líquido
igual ao do capital desejado. Desses cartões se fará um sorteio, em virtude do
qual serão os prêmios pagos aos portadores dos números que forem designados
pela sorte. Dos números que saírem brancos se fará um segundo sorteio com certo
número de prêmios, consistentes em ações da empresa a constituir. Os portadores
desses prêmios do segundo sorteio serão assim acionistas da companhia que se
trate fundar, cujas ações ficarão logo integralizadas e, portanto,
independentes de mais responsabilidade para o possuidor; porquanto o capital
correspondente, apurado como lucro líquido da venda dos cartões, é depositado
imediatamente por conta da companhia. Estes prêmios em ações não absorvem o
capital todo da companhia; as ações restantes ficam pertencendo ao indivíduo ou
empresa que explorar a distribuição sistemática e nisso consiste seu lucro”.
Em maio de 1892 Machado de Assis
denuncia esta patente ao Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas,
Antão Gonçalves de Fria, por ter sido concedida violando os termos do artigo 1º
inciso 2º da Lei nº 3.129 de 1882 como ofensiva à segurança pública.
O depositante se defende junto ao Ministro da Fazenda que manteve a patente. Em
novo parecer, de setembro de 1892 Machado de Assis mantém sua opinião em favor
da nulidade da patente. Nesta época o Ministro não era mais Antão Gonçalves de
faria, mas Inocêncio Serzedelo Correia, ministro da Fazenda, no exercício
interino da pasta da Agricultura, Comercio e Obras Públicas, alinhando-se com o
parecer de Machado de Assis: “mantenho o despacho anteroormente dado em vista
das informações e de se haver transformado a concessão e questão de loteria e
numa fonte de jogo”
O fim do tráfico em 1850 abriu a
possibilidade de novos investimentos, muitos dos quais em projetos inviáveis,
obtidos com financiamento público por conta da intervenção de padrinhos
políticos. Segundo Jorge Caldeira: “começava o tempo das
fortunas estufadas em conversas de bastidores, em vez de obras do trabalho, da
poupança, do crescimento dos negócios, a riqueza nascia da conversa oportuna
com o amigo certo, a grande jogada que não dá muito trabalho mas rende muito” [12].
[1] CERQUEIRA, Gama. Tratado da
Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, v.I, p. 7.;
MALAVOTA.op.cit.p.229
[2] CERQUEIRA.op. cit. p. 18.
[3] COUTO, João Gonçalves do. Patentes de
Invenção. Rio de Janeiro, 1923, p. 75.
[12] CALDEIRA, Jorge. Mauá, empresário do
Império.Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1995. p. 318.