terça-feira, 26 de julho de 2022

Securitização de patentes

 

Segundo João Gilberto Sampaio os altos custos de litígio em decorrência de patentes concedidas com baixa qualidade levaram à criação de um mercado de seguros para ações judiciais envolvendo este tipo de disputa, no entanto tal solução eleva ainda mais os custos para manutenção das patentes.[1]Tais seguros têm sido alvo de estudos na Europa desde os anos 1980[2], porém sua prática não se disseminou por inúmeras razões que incluem o desconhecimento do serviço e as incertezas de cobertura[3]. Bessen e Meurer avaliam que a falta de clareza do escopo das reivindicações inviabilizam um mecanismo de seguro eficaz. Segundo os autores, proporcionalmente, os custos cobrados por seguradoras na área de PI é cerca de 40 vezes mais caro que o seguro de um imóvel[4]. No entanto, Bessen e Meurer ignoram que outros fatores que não a incerteza do escopo de uma patente respondem por esta diferença, entre os quais a incerteza quanto ao valor de mercado da invenção.

Nuno Carvalho observa como uma tendência do sistema de patentes a transformação de patentes em ativos financeiros em bolsas de valores. A Revista WIPO Magazine apresentou uma longa matéria sobre o uso de patentes como ativo financeiro[5]. O Financial Times de 26 de abril de 2006 expos em um artigo o uso de carteira de patentes pela Intelectual Ventures como ativo financeiro. Embora ainda se observe uma resistência por parte das entidades financeiras, tais como bancos, a aceitar patentes como garantias fiduciárias, Nuno Carvalho aponta a formação nos Estados Unidos de agências conhecidas como P-LECs (Patent Licensing and Enforcement Companies) com o objetivo de promover o licenciamento e leilão de patentes tal como uma carteira de ativos financeiros. Alguns sites como a Ocean Tomo, por exemplo, estabelecido em 2003, negociaram leilões de patentes na internet[6]. A empresa Intellectual Property Exchange International (IPXI) planejava para 2011 iniciar uma oferta púbica de patentes aos moldes de uma oferta pública de ações, com intuito de negociar contratos ULR (unit licence right) ajudando as empresas a captarem recursos de suas patentes.[7] O projeto, contudo, fracassou, segundo diretor da IPXI, pelo fato de o modelo proposto evitar litígios, ao passo que os interessados nestas patentes buscavam o negócio exatamente como instrumento de litígios.[8]

Ashish Arora aponta que a possibilidade de securitização de tais ativos, convertendo-os em títulos padronizados negociáveis no mercado de capitais irá representar um incremento do mercado de tecnologia e crescimento das firmas especializadas no desenvolvimento de tecnologia, abrindo oportunidades de negócio para pequenas empresas e mesmo países em desenvolvimento.[9] Dominique Guellec cita o exemplo da Universidade de Yale que teve sucesso na securitização de US$ 115 milhões para Royalty Pharma Trust de uma licença relativa ao medicamento Zerit usado no tratamento do HIV para a empresa Bristol Myers.[10] Embora tenha havido um grande número de securitizações de um único ativo apoiadas por fluxos de royalties farmacêuticos, houve apenas algumas securitizações relatadas publicamente relacionadas a direitos de pagamento de royalties de medicamentos, como o Royalty Pharma Trust, Paul Capital's Royalty Securitization Trust e as transações da DRI Capital Inc.[11] Em 2007 o Instituto Alemão de Padronização DIN, publicou o PAS 1070 “General Principles of Proper Patent Valuation” (SAB) para avaliar a qualidade dos relatórios de avaliação de patentes e iniciou um projeto de padronização internacional sobre avaliação de patentes no âmbito da International Organization for Standardization (ISO).

Para tanto, assume particular importância a presunção de liquidez destes ativos seja no nível nacional ou internacional. Nesse sentido, a harmonização da legislação patentária promovida por TRIPs não teria sido suficiente. Seria necessário garantias de que a patente concedida em um país tenha validade em outro país, o que confere a questão da harmonização do exame de patentes e a questão da patente mundial sob uma nova perspectiva.[12]

Bessen e Meurer questionam tais leilões como não refletindo o cenário real de dificuldade para se licenciar uma patente. No leilão da Ocean Tomo, de 394 oferecidas, somente 26% foram negociadas. Ademais do montante apenas algumas patentes de fato possuíam um interesse comercial uma vez que duas delas foram negociadas por mais de 1 milhão de dólares, porém na média de todas as patentes o valor negociado foi de apenas 29 mil dólares.[13] As dificuldades no mercado de tecnologia, segundo os autores se devem a complexidade da tecnologia que na maioria das vezes envolve não apenas o licenciamento da patente mas a aquisição do know how, ou seja, a questão não envolve apenas o mercado de patentes, mas o mercado de tecnologia. No INPI implantou a partir de 2020 o Vitrine de PI, um projeto-piloto de publicação de anúncios de ativos de propriedade industrial para comercialização.[14]



[1] SAMPAIO, Gilberto, BORSCHIVER, Suzana. Critérios para avaliação dos sistemas patentários, Revista da ABPI, Rio de Janeiro. jan.fev. 2009. p. 30-41.

[2] Scenarios for the Future - How might IP regimes evolve by 2025? What global legitimacy might such regimes have? Munique: European Patent Office, 2007. p.40 http://www.epo.org/news-issues/issues/scenarios/download.html

[3]  http://betterley.com/samples/ipims11_nt.pdf

[4] BESSEN, James; MEURER, Michael. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk. Princeton University Press, 2008, p. 634/3766 (kindle version)

[5] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 415

[6]  http: //www.oceantomo.com/.

[7] VIANA, Liza Porteus. Special Report: World’s First IP Financial Exchange To Come Online This Year. Intellectual Property Watch, 15 April 2011.

[8] STEELE, Merritt. The Great Failure of the IPXI Experiment: Why Commoditization of Intellectual Property Failed. Cornell Law Review, v.102, issue 4, may 2017

[9] ARORA, Ashish; FOSFURI, Andrea; GAMBARDELLA, Alfonso. Markets for Technology: the economics of innovation and corporate strategy, London : MIT Press, 2001, p.260

[10] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.110

[11] DECHERT LLP - Malcolm S. Dorris, Joshua A.O. Strathman and Kira N. Brereton. Securitization of pharmaceutical royalties: a prescription for market growth, www.lexology.com 02/02/2011

[12] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 421.

[13] BESSEN, James; MEURER, Michael. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk. Princeton University Press, 2008, p. 2020/3766 (kindle version)

[14] https://www.gov.br/inpi/pt-br/projetos-estrategicos/inpi-negocios/vitrine-de-pi



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