Metabólito (ou metabolito) é o termo utilizado em Farmacologia e Bioquímica, em especial na farmacocinética, para qualquer composto intermediário das reações enzimáticas do metabolismo de uma determinada molécula ou substância. O organismo humano metaboliza substâncias por diversas vias, principalmente no fígado, gerando metabólitos. Nos Estados Unidos em Schering Corp. v. Geneva Pharms. Inc[2] o Federal Circuit conclui que uma reivindicação que faz referência direta a um metabólito é antecipada por um documento que não revela de forma explícita o dito metabólito, mas que, ao contrário, revela um medicamento para ingestão por um paciente humano. Com a ingestão, o corpo do paciente necessariamente converte tal medicamento em metabólito. O paciente ao ingerir o medicamento antialérgico Claritin (US4282233) fabricado pela Schering necessariamente produzia tal metabólito, mas apesar da fabricante do medicamento não ter conhecimento disto, o mesmo constitui anterioridade para patente posterior US4659716 (Clarinex) para este metabólito uma vez que sua presença estava inerente no uso do Claritin pelo paciente. [3] Em Schering a Corte observa também que “a antecipação não exige a criação real ou redução à prática da matéria contida no estado da técnica, a antecipação exige apenas que a descrição que permita o técnico no assunto sua implementação (enabling disclosure)”. O caso confirma entendimento de que “outros precedentes desta Corte tem estabelecido que a antecipação por inerência não exige que o técnico no assunto naquela época tivesse reconhecido a informação tida como inerente”. Da mesma forma Zenith Labs v. Bristol Myers Squibb[4] estabelece que uma reivindicação de composto pode abranger em seu escopo um composto que é formado após a ingestão. A Corte observa o princípio da lei de patentes conhecido como “infringement test for anticipation” pelo qual um documento que configure uma contrafação caso apresentado como posterior à patente em análise, será considerado como antecipando a novidade do mesmo. Donald Chisum destaca o mesmo princípio fixado pela Suprema Corte em Knapp v. Morss 150 US 221 (1893) e em Peters v. Active Mfg. 129 US 530 (1899) de que “aquilo que será contrafação, se posterior, será considerado antecipando a novidade, se anterior” (that which will infringe, if later, will anticipate, if earlier)[5].
O medicamento antidepressivo conhecido como venlafaxina teve patente concedida nos Estados Unidos (US6419958, US5916923, US644708, US6310101)[6] e no INPI (PI9701304). Quando o venlafaxina é ingerido o corpo humano o converte em desvenlafaxina, uma variante do princípio ativo original, da qual a Pfizer obteve uma nova patente (US6673838). O pedido equivalente no Brasil PI0207157 foi indeferido no INPI (decisão mantida na fase recursal) uma vez que o sal de succinato de O-desmetil-venlafaxina não é novo por ter sido previamente antecipado pelo documento D1: “Cabe acrescentar que embora a Recorrente queira enfatizar que D1 não revele especificamente o sal de succinato, discordamos desse seu posicionamento na medida que já é de livre conhecimento de um técnico no assunto que um sal é obtido através do contato entre uma base livre e um ácido, adiciona-se a isso, o fato do exemplo 26 de D1 evidenciar a obtenção do sal de fumarato do O-desmetil-venlafaxina. Assim, a obtenção do sal de succinato está condicionada a simples troca do ácido fumárico pelo ácido succínico, e foi apenas neste sentido que o parecer anterior mencionou o processo de obtenção do sal. Reforça-se, conforme exaustivamente exposto nos pareceres anteriores, que a matéria especificamente revelada em um pedido de patente não se limita aos exemplos ilustrativos e por essa razão é nítido que o sal de succinato de O-desmetil-venlafaxina foi antecipado por D1”.
Em SmithKline v. Apotex[7] a Corte analisou a patente US4721723 referente a forma hemihidratada do PHC, um antidepressivo, que originalmente foi patenteada em sua forma anidrato. A empresa de genéricos Apotex lançou no mercado a forma anidrato do PHC uma vez expirada a patente. A Corte alegou que no medicamento da Apotex de anidrato de PHC inevitavelmente haveriam traços de PHC hemidrato ainda que indetectáveis e, portanto, haveria contrafação. A Corte conclui que a contrafação cometida pela Apotex ocorreu por acidente, mas ainda assim pode ser considerada como contrafação, pois contrafação e antecipação seguem critérios semelhantes (aquilo que constitui contrafação se posterior seria considerado antecipação se anterior) então se o medicamento da Apotex fosse comercializado antes da patente US4721723 tal medicamento poderia servir como anterioridade para esta patente. Annew Brown e Mark Polyakov[8] concluem em SmithKline v. Apotex a doutrina de antecipação acidental é virtualmente abolida, ou seja, identificado o elemento da patente (forma hemidratada de PHC) na anterioridade sempre se poderia alegar antecipação por inerência, independentemente de sua presença ser acidental ou não, o que parece ser contraditório com as conclusões em In re Seaborg, em que a presença na anterioridade do elemento presente na patente foi considerada acidental e, portanto, não caracterizaria antecipação por inerência.
Em outro caso a patente do Omeprazole US6013281 foi rejeitada pelo Court of Appeals for the Federal Circuit (CAFC) por falta de novidade com base na teoria da inerência. O Omeprazole é um inibidor usado no tratamento de dispepsia e doença gastroesofágica e foi introduzido no mercado primeiramente pela AstraZeneca como sal magnésio do omeprazole sob os nomes Losec e Prilosec. O medicamento inibe a produção de ácido gástrico, mas somente opera de forma adequada quando administrado por dentro de um revestimento entérico e uma camada de separação adicional. Uma anterioridade foi encontrada com a mesma característica exceto pelo fato de que não menciona que a dita camada de separação seja formada “in situ”. A Corte, contudo, entendeu que os ingredientes e protocolos citados na anterioridade necessariamente implicam que a formação da dita camada ocorra in situ. A aplicação in situ envolve questões de temperatura, porém, estas não foram reivindicadas no pedido, o que poderia dificultar a aplicação da teoria da inerência e justificar talvez a patente, caso a faixa de temperatura fosse imprevista ou inesperada da usual para o técnico no assunto.[9]
Em abril de 2015 o PTAB negou a Sandoz pedido para revisão (inter partes review) de patentes da EKR Therapeutics (US8455524) por não apresentar evidências suficientes (sufficient evidence) de que as matérias reivindicadas seriam inerentes nos documentos do estado da técnica. A patente refere-se a formulações injetáveis prontas para uso de nicardipina ou seu sal (por ex. hidrocloreto de nicardipina) para tratamento de desordens cardiovasculares. As formulações reivindicadas quando armazenadas por pelo menos três meses em temperatura ambiente apresentam uma redução de menos de 10% da concentração de nicardipina e a formação de impurezas em menos de 3%. A patente reivindica um produto estável com redução de menos de 10% na concentração. A Sandoz alegara que a matéria não era patenteável porque a estabilidade e impureza são propriedades inerentes do estado da técnica e os percentuais de redução apresentados são os observados em outros documentos do estado da técnica. O PTAB, contudo, concluiu que a Sandoz não apresentou evidências suficientes para suas afirmações, não sendo suficientemente claro que o estado da técnica alcançasse os mesmos níveis de estabilidade, não podendo ser considerado algo inerente do estado da técnica[10].
Um relatório da FTC apontou conduta injusta (inequitable conduct)[11] da Bristol-Myers Squibb (BMS) perante o USPTO numa tentativa de promover o evergreening de sua patente US4182763 relativa ao medicamento buspirona usado no tratamento da ansiedade. Antes que a patente expirasse (novembro de 2000) a BMS depositou nova patente em 1999 envolvendo o uso da buspirona para criar o metabólito da buspirona. O USPTO negou inicialmente esta nova patente como não tendo novidade. A BMS passou a reivindicar apenas o uso do metabólito da buspirona e teve sua patente concedida ainda antes da patente US4182763 expirar. [12]
Em T327/92 OJ 1997 foi apresentado como anterioridade para avaliação da novidade de um pedido de patente um documento que apresentava o mesmo produto intermediário, porém, em que tal produto tinha existência de apenas 60 segundos antes de ser processado e transformado em outro produto. Apesar disso, a Câmara de Recursos entendeu que este documento antecipa a novidade do pedido uma vez que o produto descrito, mesmo que de vida útil curta, contempla todas as características técnicas pleiteadas na reivindicação.[13]
Em uma decisão de 24 de julho de 2012 do BGH o Supremo Tribunal de Justiça Alemão (X ZR 126/09) analisou patente EP896537 referente a um preparado farmacêutico envolvendo a combinação de dois princípios ativos (leflunomida e teriflunomida) em que a leflunomida era conhecida do estado da técnica, de tal modo que seguindo as instruções de preparação sugeridas pelo conhecimento atual, durante o período de armazenamento normal da leflunomida a mesma teria se transformado, através de uma reação química, numa combinação dos dois princípios ativos. É conhecido do estado da técnica que a leflunomida administrada através de formulações sólidas é quase que completamente metabolizada à teriflunomida no duodeno do paciente e que esta última substância é responsável pelo efeito farmacológico da leflunomida, constituindo o princípio ativo, motivo pelo qual sempre seria esperada a mesma ação biológica, independente do fato do princípio ativo ser administrado como leflunomida ou seu metabólito em formulações sólidas. O Tribunal alemão considerou como técnico no assunto neste caso um especialista químico ou farmacêutico com doutoramento e experiência industrial de muitos anos na área de imunologia. Desta forma, o BGH conclui que a patente é destituída de atividade inventiva. [14]
A leflunomida não é metabolizada em teriflunomida somente no meio básico do duodeno humano, mas a mesma transformação ocorre também durante o simples armazenamento da substância, caso não tenham sido tomadas precauções, não conhecidas na data de prioridade da patente. No decorrer deste processo de transformação a proporção de leflunomida que se transforma em teriflunomida alcança magnitudes dentro da faixa pleiteada na reivindicação da patente. O documento europeu EP797895 mesmo sendo de data posterior à data de prioridade da patente em litígio mostra que a produção de preparados medicamentosos contendo leflunomida, por exemplo em forma de comprimidos, leva à formação de 6% a 9% de teriflunomida durante seu armazenamento. Seria, contudo, incompatível com o Artigo 54 da EPC utilizar-se deste documento EP797895 contra a novidade da presente patente em litígio. Mas esta incompatibilidade não ocorre, se forem, utilizados somente os resultados informados naquele requerimento de patente em relação à transformação percentual de leflunomida para teruflunomida. Esses dados refletem tão somente a característica imanente e como descrito, baseada em sua estrutura química, de se transformar sozinho em teriflunomida. Esse processo ocorreu antes da data de prioridade da patente em litígio embora uma prova desta reação tenha sido publicada somente após a data de prioridade da patente em litígio. O Tribunal alemão não tem motivos para duvidar que os valores teriam sido idênticos numa data anterior. Ademais os testes descritos em EP797895, por causa do tempo de armazenamento de seis meses, foram sido iniciados muito tempo antes da data de prioridade da patente em litígio.
No Brasil a patente PI9708108 refere-se a composto utilizado no tratamento de doenças imunológicas e teve patente concedida e encontra-se em litígio na Justiça em ação junto ao TRF2 (2012.51.01.024644-7) movida pela Associação Brasileira das Indústria de Medicamentos Genéricos Pro Genéricos contra a titular da patente a empresa alemã Sonofi Aventis.[15] Ainda que a leflunomida isoladamente seja de domínio público, a titular da patente da combinação leflunomida e teriflunomida espera poder acionar por contrafação as empresas de genéricos que produzem a leflunomida uma vez que invariavelmente a simples conservação deste produto no estoque leva a produção de teriflunomida nos níveis reivindicados na patente e, por conseguinte caracterizando uma situação de contrafação. O metabólito deriva da degradação deste fármaco sob condições ambientes durante o armazenamento, contudo, não foi apresentado no exame da patente concedida nenhum documento público anterior que mostre uma combinação com as mesmas razões entre os componentes formada durante a degradação do medicamento quando de seu armazenamento (ou mesmo preparação). Segundo o TRF2 em decisão de 2017 com base em laudo pericial: “Analisando a literatura disponível, é possível constatar que os dois compostos em discussão neste processo (Leflunomida e Teriflunomida) já eram conhecidos há muito tempo. Além disto, era de conhecimento público que a teriflunomida é produzida quando a leflunomida é metabolizada pelo organismo. A questão que se coloca neste momento é: Com as informações disponíveis na literatura, um técnico no assunto seria capaz, de maneira obvia, de chegar as reivindicações apresentadas na PI9708108-6 ? Para responder esta pergunta, vamos lembrar que no relatório descritivo da patente PI9708108 é apresentado uma descrição de parte da patente EP0217206: “Preparados farmacêuticos contendo um composto 1 ou 2 em uma dose de 10 até 200 mg, de preferência, contendo, 50 até 100 mg, em solução de injeção em forma de ampolas (intravenosamente), especialmente à base do composto 2 ou de um sal do mesmo, 1 até 30mg, de preferência, 5 até 10mg e, no caso da administração retal, 50 até 300 mg, de preferência, 100 até 200 mg, podem ser aplicados. No entanto, a aplicação oral de 5mg/Kg ou 10 mg/Kg do composto 1 ou 2 respectivamente, isoladamente, não mostra qualquer ação significativa”. Ou seja, os testes apresentados na EP0217206 indicam que os compostos isoladamente, nas doses citadas, não teriam ação significativa. Com estas informações, talvez um técnico no assunto pensasse em misturar os compostos 1 e 2, ou seja, Leflunomida e Teriflunomida em uma dada formulação farmacêutica, uma vez que a teriflunomida é metabólito da leflunomida. A questão a ser respondida neste momento é, em qual concentração este técnico no assunto chegaria? As concentrações descritas na composição apresentada na PI9708108-6 seriam obtidas de forma obvia, sem a necessidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento? [...] Não acredito que um técnico no assunto, a luz da documentação do estado da técnica disponível na época do depósito do pedido de patente em questão, chegaria de maneira obvia nas reivindicações apresentadas na patente PI9708108-6, sem a necessidade de investir em pesquisa e desenvolvimento. [...] A leitura do texto da decisão do Tribunal Alemão, apresentada na tradução desta decisão dá a entender que, neste caso, seria permitido considerar como estado da técnica uma informação que foi divulgada posteriormente a data de prioridade de uma dada patente, desde que os testes tenham sido realizados em período anterior. Na Legislação Brasileira isto não pode ser levado em consideração, pois, o Art. 11 da Lei no 9.279/96 descreve: (...) Assim, testes realizados antes da data de prioridade de uma determinada patente não podem ser considerados como estado da técnica, pelo simples fato de que eles não eram acessíveis ao público por uma descrição oral ou escrita”.[16]
Na Argentina as Diretrizes de Exame de 2012 negam a possibilidade de patentes para metabólitos de maneira independente dos compostos ativos, pois não são considerados criações ou inventos, ainda que possam ter características de eficácia e segurança superiores aos da molécula principal. [17]
Na Inglaterra em Merrel Dow v. Norton[18] a Corte conclui que não houve antecipação através do uso porque os usuários de terfenadina, de ação histamínica, não sabiam que eles produziam o metabólito. A decisão tratou de uma patente de um produto X que era metabolizado no fígado de voluntários em testes clínicos pela ingestão de um medicamento, que ainda não havia sido colocado no comércio. O conhecimento de que o produto X patenteado havia sido metabolizado nos organismos destes voluntários somente veio a se constatar em testes posteriores, mas não no momento em que eles ingeriram o medicamento. [19] Neste caso, no entanto, o conhecimento do ácido metabólito estava descrito na patente quando afirma: “uma parte da reação química no corpo humano era produzida pela ingestão de terfenadina e possui efeito anti-histamínico”. Desta forma, a Corte rejeitou a antecipação pelo uso, mas acolheu a antecipação pela descrição, ou seja, pelo que havia sido revelado no relatório descritivo, uma vez que a produção de ácido metabólico no fígado era a inevitável consequência do uso no medicamento tal como descrito no relatório descritivo. O fato do relatório descritivo simplesmente se referir a uma reação química no corpo humano foi considerada antecipação suficiente. A concessão da patente para o ácido metabólico seria considerada uma extensão indevida da patente da terfenadina, uma vez que um competidor ao comercializar a terfenadina poderia ser acusado de contrafação indireta ao oferecer os meios considerados essenciais para produção do ácido metabólito objeto desta nova patente. A Câmara de Lordes não negaria uma patente para produção de ácido metabólito se este fosse fabricado fora do corpo humano, uma vez que seria fisicamente distinto do produto obtido no corpo humano.
Luis Olcina observa que na Inglaterra sob a lei de 1949 não havia dúvida de que a antecipação pelo uso seria considerada anterioridade ainda que os pacientes não soubessem que produziam o metabólito. Da mesma forma que a violação de uma patente está caracterizada mesmo que o acusado não soubesse que estava em contrafação, assim também igualmente não seria necessário tal conhecimento para se utilizar um documento como anterioridade. Com a nova lei em 1977 este entendimento modificou, de modo que a anterioridade para ser válida necessariamente deve atender aos critérios de publicidade que igualmente se aplicam à revelação por utilização. Esta mudança de interpretação no conceito de novidade entre as duas leis foi exposta de forma clara pelas Cortes inglesas em Quantel v. Spaceward [1990] RPC 83: “[na lei de 1949] Não se exiga que o uso anterior teria que fazer a invenção acessível ao público. Consequentemente os casos de utilizações anteriores decididos sob a lei de 1949, não decididos segundo o critério de se a utilização prévia tornava a invenção acessível ao público, pode ser que já não o seriam no direito atual vigente”. Algumas decisões da EPO apontam que, ao menos em algumas situações, não é necessário conhecer a composição química de um composto para que estes formem parte do estado da técnica (T12/81 OJ 1982, T303/86 OJ 1989)[20]. Sob a legislação inglesa atual para que haja antecipação por utilização é necessária uma comunicação da informação que revele de forma suficiente o composto, de modo que a utilização secreta, não informativa, não prejudica a novidade de patente posterior.
Na EPO críticos apontam a existência de patentes que reivindicam um efeito farmacocinético da administração de um medicamento em particular, como níveis plasmáticos do medicamento ou dos metabólitos, sem ligá-los diretamente à formulação utilizada para atingir tal efeito. Um exemplo é a patente EP758244 que reivindica os níveis sanguíneos atingidos por uma nova dosagem de uma vez por dia do produto azitromicina, ou seja, segundo Kristof Roox a reivindicação cobre o resultado desejado do produto sem qualquer limitação sobre como é atingido[21]. A terfenadina é um medicamento anti-histamínico comercializado e patenteado pela Merrell Dow. Ao ter a patente expirada a empresa solicitou patente para o metabólito ativo produzido quando da ingestão do medicamento, conseguindo desta forma prolongar, na prática, os efeitos de sua patente inicial. O mesmo ocorreu com a loratidina da Schering que solicitou nova patente para o metabólito DCL alegando que até o depósito desta patente o estado da técnica desconhecia a existência deste metabólito como produzido na ingestão de loratidina. O Federal Circuit em decisão de 2003 entendeu, contudo, que esta característica estava inerentemente antecipada pela patente inicial da loratidina.[22] Em Cingapura o guia de exame de 2016 (item 3.38) conclui que a formação deste metabólito é considerada como revelada no documento que trata da terfenadina[23].
T239/16 OJ 2018 trata de uma patente EP1591122 tem como objeto o ácido zoledrônico para uso no tratamento da osteoporose, o ácido sendo administrado anualmente. Um documento do estado da técnica D55 trata de um estudo clínico enviado para cinco pacientes em que em um dos protocolos descritos consta uma injeção por ano de ácido zoledrônico. A questão discutida pela Câmara de Recursos é saber se estes pacientes podem ser considerados como membros do público. Como nenhum termo de confidencialidade foi escrito, discutiu-se a possibilidade de haver um acordo de sigilo implícito. Em seu depoimento o professor que conduziu os testes informa que orientou os pacientes a discutirem abertamente seu tratamento com qualquer pessoa incluindo parentes próximos e seu médico assistente. Portanto não parece existir quaisquer circunstâncias especiais para levar a acreditar que existisse um acordo de confidencialidade implícito. O fato de que em outras decisões T1081/01 e T0157/09 tal acordo poderia ser inferida é irrelevante para o presente caso. Segundo jurisprudência constante é suficiente que um único membro do público não tenha mantido segredo para que esta informação passe a fazer parte do estado da técnica. O documento D55 contudo apesar de público não serve para fins de exame de novidade porque não ensina que a osteoporose é efetivamente tratada. No entanto a Câmara de Recursos conclui que embora novo o pedido de patente não tem atividade inventiva diante de D55 pois as informações nele constantes conduziriam ao técnico no assunto, com razoável expectativa de sucesso para o tratamento da osteoporose utilizando uma administração anual de ácido zoledrônico. Esta mesma patente foi objeto de litígio na França, Holanda, Portugal, Estados Unidos, Inglaterra e Austrália. No Brasil a patente foi depositada como PI0111806 tendo sido indeferida com decisão mantida na fase recursal. Um documento D1 foi apresentado com uso do mesmo ácido zoledrônico porém com nova forma de dosagem e/ou administração. Segundo o INPI “as características de regime de dosagem e/ou administração são inconsistentes com a matéria pleiteada. Tais características, claramente definem um método de tratamento cuja proteção é vedada pelo Art. 10(VIII) da LPI, não sendo consideradas características de uso para preparação de um medicamento que é a matéria efetivamente pleiteada”. A novidade de reivindicações do tipo “uso médico” (fórmula suíça) é determinada em função da diferença entre estes dois estados patológicos e a atividade inventiva é aferida com base nos mecanismos fisiopatológico e de ação do fármaco envolvidos. Portanto, a forma de administração e o regime de dosagem não conferem novidade ou atividade inventiva ao uso pleiteado. [24]
Na área de síntese de progesteronas artificiais aplicadas por via oral a empresa farmacêutica G.D.Searle de Chicago patenteou o noretinodrel, muito semelhante a noretindrona da Syntex a molécula sintetizada por Carl Djerassi, inventor da pílula anticoncepcional. O noretinodrel diferia na noretindrona apenas pela posição de uma ligação dupla. A noretindrona (Figura 11) era a mais eficaz. Os ácidos estomacais supostamente mudavam a posição da ligação dupla de noretinodrel (Figura 12) para aquela de seu isômero estrutural, a noretindrona. Apesar disto cada um destes compostos recebeu uma patente. Segundo Penny le Couteur: “Se a transformação de uma molécula na outra pelo organismo constituía ou não uma infração da lei de patentes, esta é uma questão legal que nunca foi examinada”.[25]
Em 2012 a Suprema Corte em Mayo Collaborative Services v. Prometheus Laboratories analisou a patenteabilidade de um método para tratamento de desordens autoimunes (tais como o mal de Crohn) utilizando uma dosagem específica de um medicamento conhecido à base de compostos sintéticos de opurina, de tal forma que a concentração de determinado metabólito no sangue atinja determinados valores. O método reivindicado trata da otimização da eficácia terapêutica de um medicamento e que inclui a administração do mesmo e determinação do nível de metabólitos no sangue do paciente de modo a indicar a necessidade de uma dose extra de medicamento.[26]
A empresa Mayo ao copiar a patente da titular Prometheus alega que a patente US6355623 não se enquadra no 35 USC 101 por não se constituir um processo, máquina, manufatura ou composição da matéria, alegando que a mera correlação entre a administração de uma droga e os níveis de metabólito no sangue configuram um fenômeno natural e portanto não considerado objeto de patentes pela Suprema Corte. A Suprema Corte considerou que o método proposto interfere com a prática médica e, portanto, não é patenteável. As etapas de coleta de dados não teriam o poder de converter um princípio não patenteável em um processo patenteável, uma vez que são destituídas de novidade pelo 35 USC 102. O United States Court of Appeals for the Federal Circuit e o Federal Circuit discordaram desta argumentação alegando que pelo critério machine-or-transformation utilizado no caso Bilski julgado pela Suprema Corte o processo pleiteado atende as condições de patenteabilidade, uma vez que a administração de uma droga e posterior medição do nível de metabólitos provoca uma transformação física no objeto de análise. Em Mayo é analisado um método de medição de metabólito na corrente sanguínea de modo a calibrar a dosagem apropriada de medicamento no tratamento de doença automimune. No entanto métodos para determinação de níveis metabólitos são conhecidos da técnica e o processo nada mais acrescenta do que instrutor ao médico de leis da natureza no tratamento de seus pacientes. O acréscimo de etapas convencionais, especificadas com alto grau de generalidade não são suficientes para formar um conceito inventivo. A introdução de um computador de uso geral não altera esta análise.
Para a Suprema Corte, no entanto, a concessão da patente significaria o monopólio sobre uma lei da natureza: “Einstein, não poderia ter patenteado sua famosa lei ao reivindicar um processo que consistisse simplesmente em informar um operador de um acelerador linear a recorrer à sua equação para saber quanta energia uma dada quantidade de massa é capaz de produzir. Nem Arquimedes poderia receber uma patente para seu famoso princípio do empuxo simplesmente reivindicando um processo que informe aos construtores de barcos para recorrer à lei do empuxo para saber se um objeto irá flutuar”. Para a Suprema Corte, a presente patente é similar a estes exemplos hipotéticos. Na decisão em Mayo v. Prometheus a Suprema Corte se baseia em duas decisões anteriores relativas a área de software Diamond v. Diehr que foi favorável a patenteabilidade de um sistema de controle de um forno, dito não óbvio, e Parker v. Flook em que a monitoração e alarme automáticos de uma reação catalítica foi considerada uma implementação óbvia e, portanto, ideia abstrata. [27] A Corte cita o caso Diehr em que as etapas adicionais do processo integradas ao processo como um todo foram capazes de tornar o processo patenteável, ao passo que em Flook não alcançaram este resultado por serem etapas consideradas óbvias, o que de alguma forma confirma que a análise de patenteabilidade de algum modo é influenciada pela análise de não obviedade. Desta forma Kevin Noonan conclui que a decisão em Mayo v. Prometheus ainda deixa algum espaço para patanteabilidade nos casos em que as etapas adicionais na administração da droga, não sejam consideradas convencionais, quando então teriam o condão de transformar todo o processo em patenteável.[28]
Em Boehringer Ingelheim Pharm v. Mylan Pharm (Fed. Cir. 2020) foi analisada patente de tratamento/prevenção de doenças metabólicas tais como diabetes mellitus do tipo 2 com inibidores DPP-IV tais como linagliptina em que a terapia normal com metformina não é adequada. A reivindicação pleiteia Um método de tratamento e / ou prevenção de doenças metabólicas em um paciente para quem a terapia com metformina é inadequada devido à intolerabilidade ou contra-indicação contra a metformina, compreendendo a administração oral ao paciente de um inibidor de DPP-IV. O Federal Circuit considerou que a invenção não se trata de uma ideia abstrata fazendo uma analogia com Vanda Pharmaceuticals v. West Ward Pharms (Fed. Circ 2018) em que um método para tratamento de esquizofrenia foi considerado patenteável por envolver a aplicação de um composto específico em dosagens específicas para se alcançar um resultado especifico. Da mesma forma a Corte entende que também em Boehringer Ingelheim Pharm v. Mylan Pharm existe uma invenção direcionada a um método de tratamento em particular e não meramente uma ideia abstrata. [29]
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Metab%C3%B3lito
[2] 339 F.3d 1373, 67 USPQ2d 1664 Fed. Cir. 2003 CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, p.3-39, 3-100
[3] MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.192
[4] 19 F.3d 1418, 1421-22 (Fed.Cir.1994). CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-102
[5] CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-36; WALKER, Albert. Walker on patents: a treatise on the law of patents for inventions. New York:Baker, 1929, p.125
[6] https://en.wikipedia.org/wiki/Venlafaxine
[7] 365 F.3d 1306, 1309 (Fed.Cir.2004)
[8] BROWN, Anne; POLYAKOV, Mark. The acidental and inherent anticipation doctrine: where do we stand and where are we going ?, John Marshall Review Intellectual Property, v.63, 2004, p.63-90 http://repository.jmls.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1060&context=ripl
[9] http://patentlyo.com/patent/2007/04/omeprazole_manu.html
[10] ASHRAF, Shovon. Petitioners must present sufficient evidence to establish inherency, 30/04/2015 http://www.lexology.com
[11] CORREA, Carlos. Conferencia Magistral Carlos Correa, Licencias Obligatorias, 16/11/2012 Universidad Central Quito, Ecuador. Minuto 13:00 https://www.youtube.com/watch?v=ui13GAkisgo
[12] http://www.ftc.gov/sites/default/files/documents/cases/2003/03/bristolmyersanalysis.htm
[13] Case Law of the Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 75
[14] http://www.eplawpatentblog.com/eplaw/teriflunomide/
[15] http://www.jusbrasil.com.br/diarios/41432719/trf-2-jud-jfrj-15-10-2012-pg-325
[16] TRF2 AC 2012.51.01.024644-7, Pro Genericos v. Sanofi, Relator: Antonio Ivan Athié, Data Julgamento: 13/07/2017
[17] BENSADON, Martin. Derecho de Patentes, Buenos Aires:Abeledo Perrot, 2012, p. 193
[18] Merrell Dow Pharmaceuticals Inc. v. H N Norton & Co Ltd . [1996] RPC 76 cf. CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 191
[19] Manual of Patent Practice (MoPP), 2015, p. 72 https://www.gov.uk/government/publications/patents-manual-of-patent-practice
[20] OLCINA, Luis Gimeno. El requisito de la novedad en el derecho de patentes britânico. Actas de Derecho Industryal y derecho de Autor, Instituto de Derecho Industrial, Universidade de Santiago de Compostela, Espanha:Marcial Pons, tomo XVIII, 1997, p. 301-323
[21] ROOX, Kristof. Barreiras relacionadas à patente para entrada de medicamentos genéricos no mercado na União Européia: uma revisão das fraquezas no atual sistema de patente europeu e seu impacto no acesso de medicamentos genéricos no mercado, maio 2008, p.15
[22] Schering Corp. v. Geneva Pharm. 67 USPQ2d 1664 (Fed.Cir.2003) cf. GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.233
[23] http://www.ipos.gov.sg/AboutIP/TypesofIPWhatisIntellectualProperty/Whatisapatent/Patentresources.aspx
[24] http://europeanpatentcaselaw.blogspot.com.br/2018/04/t23916-caractere-public-detudes.html
[25] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.199
[26] SULLIVAN, Jeffrey. Prometheus oral arguments at the Supreme Court, 2012 http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7GA6DPT
[27] http://www.lexology.com/r.ashx?i=2892512&l=7GN361P
[28] NOONAN, Kevin. Mayo Collaborative Services v. Prometheus Laboratories -- What the Supreme Court Said 21/03/2012 http://www.patentdocs.org/2012/03/mayo-collaborative-services-v-prometheus-laboratories-inc-what-the-supreme-court-said.html
[29] Lemley, Mark A. and McCreary, Andrew and Robbins, Tyler, Recent Developments in Patent Law 2020 (April 22, 2020). https://ssrn.com/abstract=3583103