O excesso de patentes para invenções com um mínimo grau de inventividade pode produzir um verdadeiro “campo minado” obrigando um número proibitivo de licenciamentos que acaba constituindo um impedimento muito grande à difusão das inovações e a novos desenvolvimentos tecnológicos, o que poderia ser denominado como “emaranhado de patentes”.[1]
Em 1919, no período de guerra, um pool de patentes de rádio foi estabelecido com o intuito resolver o impasse criado em torno do licenciamento de patentes da General Electric, Marconi Wireless e Marinha dos Estados Unidos que impediam o rápido desenvolvimento da tecnologia, pondo em risco os esforços de guerra[2]. Desta maneira, por recomendação de um Comitê do governo formado pelo então secretário Franklin Roosevelt, se formou a RCA a partir da já existente American Marconi Company para reunir e explorar um pool de patentes entre a RCA, General Electric, AT&T, Telefunken e Westinghouse. Com o fim da guerra a empresa adquiriu novas patentes com o professor Edwin Armstrong da Universidade de Columbia. Em 1921 um novo acordo[3] de padrões de frequência entre American Marconi, General Eletric, AT&T e Westinghouse foi fundamental para o desenvolvimento do setor.[4] Por um acordo estabelecido em 1924 a patentes RCA ficavam abertas a todos os candidatos, desde que eles comprassem um pacote completo de todas essas patentes, mesmo se apenas uma fosse a desejada. Estes acordos envolviam cerca de 700 patentes consideradas fundamentais na fabricação de aparelhos de rádio e eletrônicos.[5] Em 1928 a FTC encerrou a ação antitruste contra a RCA por considerar tal pool de patentes legal, porém GE, AT&T e Westinghouse tiveram de vender suas ações na RCA. [6]Mais de 4 mil foram arrematadas pelo cartel até 1935, ano em que o governo americano proibiu a RCA a utilização de acordos de patentes para fins de divisão de mercados e eliminação de concorrentes.[7] Segundo Ashish Arora o exemplo mostrar os riscos que a fragmentação da tecnologia entre titulares de diferentes patentes pode trazer ao desenvolvimento da tecnologia.[8]
Segundo depoimento de Edwin Armstrong perante a Comissão Federal de Comércio dos EUA em 1923 sobre a produção de rádios: “era absolutamente impossível fabricar qualquer tipo de aparelho viável sem usar praticamente todas as invenções conhecidas da época”[9]. Um novo acordo consensual antitruste em outubro de 1958, tornou as patentes da IBM, AT&T e RCA disponíveis para todos, sem taxas, encerrando o licenciamento por pacote da RCA estabelecido desde 1924.
Da mesma forma um pool de patentes no setor de aviação em 1917, o Manufacturers Aircraft Association, permitiu ao governo americano iniciar a produção em massa de aviões, bloqueada até antão pelas patentes dos irmãos Wright Company, que se recusava a licenciar suas patentes de flaps de estabilização e direção do avião (entre as quais US821393 depositada em 1903 e concedida em 1906),[10] e as de Glenn Curtiss[11]. Com a primeira guerra, o governo forçou uma solução formando um pool de patentes entre os dois.[12] Um Comitê encarregado pelo governo para avaliar a questão e coordenada pelo então Secretário Franklin Roosevelt recomendou a formação do pool.[13] Os processos judiciais e o empenho em proteger suas patentes desgastaram a imagem dos irmãos Wright, considerados heróis nacionais. Em 1929 a Wright Aeronautical Corporation, sucessora da original Wright Company, se uniu com a Curtiss Aeroplane and Motor Company formando a Curtiss-Wright, um pouco antes da morte de Glenn Curtiss.[14] Robert Merges utiliza este exemplo para mostrar que em tecnologias cuja inovação é sequencial[15], realizada em pequenos incrementos, a aplicação de um regime de patentes único (one size fits all) possui custos elevados para a sociedade.[16] A patente US821393 foi concedida nos Estados Unidos e França, porém não concedida na Alemanha.[17]
Em 1903 um grupo de fabricante de automóveis formou o cartel da Associação dos Fabricantes Licenciados de Automóveis (ALAM), com base na patente de George Selden US549160. Selden, um advogado de patentes obteve sua patente em 1895, porém, por falta de recursos para enfrentar os litígios, vendeu sua patente para a Electric Vehicle Company (EVC) que formou o cartel da ALAM posteriormente, que licenciou a patente para vários fabricantes de automóveis. [18]A nova concepção de Henry Ford em seu modelo T de desenvolver um “carro do povo” acessível às massas por um preço muito menor que o praticado pela ALAM, levou-o a combater a patente de Selden que veio a ser anulada em 1911.[19] Em 1927 o modelo T era produzido por apenas 300 dólares, enquanto que em 1908 seu preço era de 850 dólares.[20]
Outro exemplo de acordo de patentes que inibiram os esforços de guerra de um país foi o caso do zinco. Um cartel de fabricantes de zinco se estabeleceu nos anos 1930 entre a New Jersey Zinc Company dos Estados Unidos e empresas canadenses, inglesas, alemãs e belgas. O cartel era baseado em patentes que tratavam de processo de refino de zinco de grande pureza. Segundo Ervin Hexner, a escassez de zinco de grande pureza nos Estados Unidos depois da declaração de guerra é atribuído as restrições de produção impostas pelo cartel.[21] O Temporary National Economic Committee lançado por Roosevelt em 1938 considerou a possibilidade de licenças compulsórias para viabilizar o esforço de guerra. O TNEC temia que os monopólios de patentes pudessem comprometer recursos estratégicos para a guerra que se aproximava. Por exemplo, a Inglaterra necessitava de berílio, componente essencial usado em ligas para construção de aeronaves, mas a empresa alemã Siemens possuía patentes essenciais no setor. [22]
Mark Lemley observa que na indústria de semicondutores, caracterizada por inovações sequenciais e complementares, a presença de um grande patent thicket força as empresas líderes do setor a licenciarem suas patentes entre si evitando o litígio que seria prejudicial a todos. Segundo Ted Hoff, inventor do microprocessador “patentes são de pouca utilidade na indústria de semicondutores. Existem tantas inovações ocorrendo que você inevitavelmente estará infringindo a patente de alguém. Se todos na indústria decidirem defender suas patentes, os únicos que ganharão dinheiro nesse negócio serão os advogados. Ao invés disso é muito mais comum chegarmos a um acordo de que eu não incomodarei você e você não me incomodará. Quando um acordo é feito, se eu tiver mais patentes em meu portfólio do que você, talvez você deva pagar a mim uma pequena taxa”.[23]
[1] Síntese do relatório sobre o inquérito ao sector farmacêutico, 2009.
http: //ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/communication_pt.pdf ;página 6.
[2] RESNIK, David. A Biotechnology Patent Pool: An Idea Whose Time Has Come? The Journal of Philosophy, Science & Law. v.3, jan.2003 http: //www6.miami.edu/ethics/jpsl/archives/papers/biotechPatent.html.
[3] CLARK, Jeanne; PICCOLO, Joe; STANTON, Brian; TYSON, Karin. Patent pools: a solution to the problem of access in biotechnology patents? Washington: USPTO. dec.2000 http: //www.uspto.gov/web/offices/pac/dapp/opla/patentpool.pdf.
[4] CHANDLER, Alfred. O século eletrônico: a história da evolução da indústria eletrônica e de informática. Rio de Janeiro: Campus, 2002. p. 33, 37, 347.
[5] HEXNER, Ervin. Carteles Internacionales. México: Fondo de Cultura, 1950, p. 440.
[6] SERAFINO, David. Survey of Patent Pools Demonstrates Variety of Purposes and Management Structures. Knowledge Ecology International - KEI Research Note, v.6, 4 jun. 2007. http://www.keionline.org/misc-docs/ds-patentpools.pdf
[7] MIRROW, Kurt Rudolf. Condenados ao subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,1978. p. 21, 38.
[8] ARORA, Ashish; FOSFURI, Andrea; GAMBARDELLA, Alfonso. Markets for Technology: the economics of innovation and corporate strategy, London : MIT Press, 2001, p.265
[9] LANDES, David. Prometeu Desacorrentado. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 447.
[10] MERGES, Robert. NELSON, Richard. On limiting or encouraging rivalry in technical progress: the effect of patent scope decisions, Journal of Economic Behaviour and Organizations, v.25, 1994, p.13-16. Cf. PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 121
[11] Scenarios for the future http: //www.epo.org/news-issues/issues/scenarios.html.
[12] STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 202.
[13] SERAFINO, David. Survey of Patent Pools Demonstrates Variety of Purposes and Management Structures. Knowledge Ecology International - KEI Research Note, v.6, 4 jun. 2007. http://www.keionline.org/misc-docs/ds-patentpools.pdf
[14] http: //en.wikipedia.org/wiki/Glenn_Curtiss ; http: //en.wikipedia.org/wiki/The_Wright_brothers_patent_war.
[15] SCOTCHMER, Suzanne. Standing on the shoulders of giants: cumulative research and the patent law. The Journal of economic perspectives, 1991, n.1; BARTON, John. Patents and antitrust: a rethinking in light of patent breadth and sequential innovation. Antitrust Law Journal, 1997, n.65
[16] MERGES, Robert; NELSON, Richard. On the complex economics of patent scope. Columbia Law Review, 1990, v.90, p.839 cf. PARK, Jae Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010, p. 136
[17] BERTRAND, André. La propriété intellectuelle, Livre II, Marques et Breves Dessins et Modèles, Delmas:Paris, 1995, p.159
[18] SERAFINO, David. Survey of Patent Pools Demonstrates Variety of Purposes and Management Structures. Knowledge Ecology International - KEI Research Note, v.6, 4 jun. 2007. http://www.keionline.org/misc-docs/ds-patentpools.pdf
[19] http: //en.wikipedia.org/wiki/George_B._Selden; STIGLITZ, Joseph. Globalização como dar certo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 201.
[20] PHILBIN, Tom. As 100 maiores invenções da história, Rio de Janeiro:DIFEL, 2006, p.64; FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.245
[21] HEXNER, Ervin. Carteles Internacionales. México: Fondo de Cultura, 1950, p. 296.
[22] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.408
[23] CULLIS, Roger. Patents, inventions and the dynamics of innovation: a multidisciplinary study, Edgard Elgar, 2007, p.215
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