quarta-feira, 27 de julho de 2022

Patentes e monopólio

 

José de Oliveira Ascenção defende a tese da patente como um monopólio: “Os direitos intelectuais são essencialmente direitos de exclusivo ou de monopólio. Reservam aos titulares a exclusividade na exploração, ao abrigo da concorrência. São frequentemente qualificados como direitos de propriedade, particularmente nas modalidades de propriedade literária ou artística e propriedade industrial. Mas a qualificação nasceu no final do século XVIII e continua a existir com clara função ideológica, para cobrir a nudez crua do monopólio sob o manto venerável da propriedade”. [1] Pollaud Dulian argumenta que embora a legislação não se refira as patentes como monopólio utiliza no artigo L.611-1 o termo “direito exclusivo” (droit exclusif) que pode ser entendido da mesma forma que um monopólio.[2].

Os direitos de propriedade industrial, ao tornar exclusiva uma oportunidade de explorar uma criação industrial, se aproximam do monopólio. Segundo Denis Barbosa trata-se de um monopólio legal de algo novo, logo não se retiram liberdades do domínio comum para se reservar a alguém, pois os elementos tornados exclusivos nunca haviam sido integrados ao domínio comum[3]. Mas há que se entender que, conforme observa Denis Barbosa tal monopólio é instrumental, ou seja, “a exclusividade recai sobre um meio de se explorar o mercado, sem evitar que por outras soluções técnicas diversas terceiros explorem a mesma oportunidade de mercado”.[4] Scott Kieff observa que o monopólio se refere a um mercado ao invés de um produto ou serviço específico vendido em um mercado.[5]

Maria Tereza Leopardi destaca que “patente não é sinônimo de monopólio, nem leva necessariamente a ele, nem garante poder de mercado para o detentor”.[6] Para Gustavo Andrade: “atualmente a intercessão entre a propriedade intelectual e antitruste se baseia no princípio de que os dois sistemas são complementares e buscam os mesmos objetivos, sendo esta a regra geral a se ter em mente na análise de qualquer conduta restritiva envolvendo direitos de propriedade intelectual”.[7] Segundo Eduardo Gaban: “A coexistência do direito antitruste e direito de PI representa um difícil desafio para os legisladores, que devem assegurar um equilíbrio de direitos exclusivos individuais (para o agente inovador) e a liberdade de cada indivíduo de acessar o mercado (o que indiretamente promove a liberdade de escolha dos consumidores). Apesar de suas diferenças, as duas áreas podem ser vistas como complementares e não antagônicas, pelo fato de, compartilharem, em última medida, dos mesmos objetivos, quais sejam, promover o bem-estar dos consumidores e a inovação”.[8]

Para Nuno Carvalho: “Chamar as patentes de hoje monopólios – como tantos autores o fazem – é um anacronismo que resulta da simples ignorância da estrutura econômica e jurídica do sistema de patentes, bem como do verdadeiro conceito de monopólio [...]. A propriedade industrial (incluindo as patentes) é na verdade uma ferramenta muito importante para a criação e manutenção de um clima de rivalidade entre concorrentes. Em vez de gerar monopólios, a propriedade industrial propicia aos comerciantes e aos industriais a possibilidade de competir. Portanto, em última análise, a propriedade industrial e o direito da concorrência são duas faces da mesma moeda [...] o direito da concorrência sem o apoio e a interação da propriedade industrial é ineficaz e irrelevante. Mas a propriedade industrial por si só não é suficiente para promover os seus objetivos sociais. A propriedade industrial só prospera num clima de rivalidade, e sem um direito da concorrência efetivo não há como assegurar esse clima”.[9] Aos críticos de sua patente James Watt responde: “Eles nos acusam de estabelecer um monopólio, mas se é um, esse monopólio, em todo o caso, tornou suas minas mais produtivas do que nunca [...] Eles dizem que é incômodo ter de pagar direitos para utilizar as máquinas: é também incômodo, para quem quiser furtar meu bolso, que eu feche minha algibeira ? [...] Não podemos forçar quem quer que seja a utilizar nossas máquinas. O que responderá então o Parlamento quando essas pessoas forem se queixar de um mal que são perfeitamente livres para evitar ?“.[10]

Segundo a OMPI: “Ao contrário do equívoco generalizado que se faz da natureza anticompetitiva da propriedade intelectual, em razão de sua natureza exclusiva, a propriedade intelectual é inerente e essencialmente pró-competitiva. A propriedade intelectual promove a concorrência pela diferenciação. Ao fazê-lo, ela proíbe a concorrência pela imitação e pelo parasitismo”[11].

Segundo decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de 1933 “embora muitas vezes assim caracterizada, uma patente não é, precisamente falando, um monopólio, pois não é criado pela autoridade executiva às custas e com o prejuízo de toda a comunidade exceto ao titular da patente. O termo monopólio denota a concessão de um privilégio exclusivo de compra, venda, trabalho ou utilização a qual o público utilizava livremente antes da concessão. Desta forma, um monopólio toma algo do público. Um inventor não priva o público de nada que este usufruía antes da concessão, mas fornece algo de valor à comunidade em acréscimo a soma do conhecimento humano”.[12]

Richard Posner destaca que os direitos de monopólio conferidos por uma patente se distinguem do conceito econômico de monopólio na legislação antitruste, no entanto, é comum os juízes confundirem os dois significados: “Esta confusão levou os juízes a suporem que existe uma inerente tensão entre a lei de propriedade intelectual, uma vez que esta concede ‘monopólios’, e a legislação antitruste que se dedica a banir monopólios. Isto foi um erro. Em um nível isto confunde o direito de propriedade com um monopólio. Ninguém diz que o proprietário de um terreno tem um monopólio porque ele tem o direito de excluir terceiros de usar seu terreno. Mas uma patente ou um copyright é um monopólio no mesmo sentido. Ele exclui terceiros de se utilizarem desta propriedade intelectual sem consentimento. Isto em si não possui qualquer significado antitruste [...] A informação é um bem escasso tal como a terra. Ambos podem se tornar mercadoria, ou seja, tornar-se propriedade exclusiva de modo a criar incentivos para aliviar sua escassez”. [13]

Segundo Herbert Hovencamp: “as patentes reivindicam direitos exclusivos em tecnologias, não em mercados. Na maioria dos casos uma reivindicação de uma patente não cria um monopólio de nada porque existem rotas alternativas para se atingir os mesmos resultados”.[14] Para Jae Park somente em raros casos uma patente cria um poder de mercado a seu titular, uma vez que na maior parte das vezes os competidores são capazes de utilizar tecnologias alternativas, introduzindo novos produtos competitivos no mercado: “desta forma, em certo sentido, a função principal da proteção por patentes não é proporcionar lucro de monopólio ao seu titular mas prevenir a cópia de sua tecnologia patenteada”[15]

Segundo Nicolas Binctin: “o monopólio é uma consequência do regime de exploração e não o seu objeto [...] os bens intelectuais não serão as coisas imateriais mas os direitos de apropriação, de onde se conclui que o objeto da propriedade incorporal é o direito propriamente dito”, pois os bens intelectuais propriamente ditos, uma invenção por exemplo, existem sem a lei, como todo objeto material. O inventor não precisa da lei para criar sua invenção: “as coisas são bens com uma realidade física: esta definição se aplicada também aos bens incorporais, uma vez que esta definição não se limita a existência de um bem cuja existência se limite ao toque. Não devemos nos restringir a este único vetor de percepção para admitir a dimensão física de um bem. Desde que a existência de uma coisa possa ser percebida por um dos cinco sentidos, se admite sua existência física”.

Para Fernando Philipp:[16] “A lei simplesmente indica que o titular pode impedir terceiros de realizar esses atos. É nesse sentido que não é correto qualificar o direito exclusivo do titular da patente de ‘monopólio de exploração’ [...] preferimos a tese segundo a qual a patente de invenção confere a seu titular um direito de exploração exclusiva e não um monopólio de exploração”.

Douglas Gabriel Domingues por outro lado, entende que o direito de propriedade e exclusividade conferido pela patente é um direito de monopólio, apesar de no texto legal esta expressão ter sido evitada: “doutrina e jurisprudência [...] situam o direito do titular da patente como direito de monopólio e não de propriedade, postura que consideramos correta, até porque, na prática, quando um bem privilegiado é alienado e ocorre mutação da propriedade, o titular deixa de poder usar, fruir e dispor do bem alienado. Todavia continua a deter o direito de exclusividade na produção e reprodução do bem alienado, um autêntico direito de monopólio de exploração, que nada tem a ver com a propriedade do bem que não mais lhe pertence”.[17]

Uma breve revisão histórica, contudo, nos permite afastar a tese de entender o sistema de patentes atual como resquício das patentes medievais. Blackstone e Edward Coke definem os monopólios medievais como uma licença ou privilégio concedido pelo rei para garantir direitos de comércio sobre um produto em detrimento da liberdade de comércio na manufatura ou venda deste mesmo produto que existia antes que o monopólio fosse concedido.[18] Neste sentido diversos julgados ingleses após o Estatuto dos Monopólios destacam que a patente não é um monopólio (Brooks v. Jenkins; Parker v. Haworth; Allen v. Hunter). Para Albert Walker: “uma patente não é um monopólio, não se trata de uma concessão que derroga algum direito comum, o titular não tirar nada da comunidade; ele é um grande benfeitor público, porque ele concede à comunidade sua invenção em troca da recompensa proporcionada pelo Estatuto na forma de carta patente a ele concedida, que é, na verdade, um contrato entre o inventor e o público”.[19]

Quando o Estatuto dos Monopólios se refere ao inventor não se limita apenas ao inventor de algo novo no mundo, mas aquele introdutor de tecnologia conhecida em outros países e introduzida pela primeira vez na Inglaterra. Esse critério de novidade viria a estabelecer um padrão substantivo que se contraporia ao sistema de concessão de privilégios sob o reinado de Elizabeth I (1558-1603) e James I (1603-1625), portanto, a patente em seu sentido moderno como se observa de forma embrionária na parte veneziana de 1474 no estatuto dos monopólios de 1624, com o objetivo de estímulo às inovações, se encontra nas origens da revolução científica do século XVI e XVII. Não será por acaso que uma das patentes sob a lei veneziana tenha sido concedida para um método de elevação de água a ninguém menos que Galileu Galilei, precursor da revolução científica.



[1] OLIVEIRA. ASCENÇÂO, José de. Direito intelectual exclusivo e liberdade. Revista ABPI nº 59 jul/ago 2002 p. 40- 49

[2] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.303

[3] apud BARBOSA, Denis. As bases constitucionais do sistema de proteção das criações industriais, in. SANTOS, Manoel Joaquim Pereira dos; JABUR, Wilson Pinheiro, Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p. 25 apud BARBOSA, Denis. Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 77.

[4] BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.p. 16 e 26.

[5] KIEFF, Scott. On the economics of patent law and policy. In: TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.21

[6] MELLO, Maria Tereza Leopardi. Propriedade Intelectual e Concorrência. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, v.8, n.2, p.386, julho/dezembro de 2009

[7] ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o direito antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.34

[8] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.289

[9] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p. 57, 61.

[10] MANTOUX, Paul. A revolução industrial no seculo XVIII, São Paulo:Unesp, p.333

[11] WIPO. Introduction to intellectual property, theory and practice, London: Wolters Kluwer, 2017

[12] http: //bulk.resource.org/courts.gov/c/F2/254/254.F2d.619.6327.html.

[13] LANDES, William; POSNER, Richard. The economic structure of intellectual property law. Cambridge:Harvard University Press, 2003, p.374

[14] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.3462/4769

[15] PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 120

[16] PHILIPP, Fernando Eid. Patentes de invenção: extensão da proteção e hipóteses de violação. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2006. p. 44.

[17] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009,p. 25.

[18] WALKER, Albert. Walker on patents: a treatise on the law of patents for inventions. New York:Baker, Voorhis and Co., 1929, p.2, 15

[19] WALKER, Albert. Op.cit., 1929, p.17

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