Há vários exemplos de proteção de ativos intelectuais por segredo industrial. O inventor francês Hippolyte Mège-Mouriez, inventou a margarina em 1870, por sugestão de Napoleão III [1], apresentando sua patente a dois investidores holandeses[2]. A patente foi confirmada pela Corte de Paris em 1876[3]. Em 1871, Mège-Mouriés vendeu a sua invenção à firma holandesa Anton Jurgens, um dos pilares da atual Unilever. O grupo holandês, por sua vez, fez aperfeiçoamentos protegidos por segredo industrial e estabeleceram um próspero negócio que no século XX transformou-se no conglomerado multinacional Unilever[4]. A partir de 1890 a margarina passou a ser vendida nos Estados Unidos em pacotes. A margarina representava uma ameaça à manteiga tão séria que na Grã Bretanha o nome original butterine, que remetia à manteiga (butter) foi proibido em 1885.[5] O engenheiro Henry Bessemer obteve várias patentes para seus processos de fundição de ferro e forja de aço por exemplo o conhecido processo Bessemer patenteado em 1855, mas preferiu não patentear o processo de produção de pó de bronze, mantendo-o em segredo por 35 anos.[6] Em 1879 Bessemer já era extremamente rico com receitas em royalties de cerca de um milhão de libras somente de suas patentes do processo de fabricação do aço.[7] O processo Bessemer, com uso mais eficiente do combustível, reduziu drasticamente os custos do refino dominando cerca de 90% do mercado de aço nos Estados Unidos em 1890.[8] O processo Bessemer baseia-se na remoção de impurezas por meio da oxidação, através do uso de jatos de ar lançados através do ferro derretido.[9] A solução proposta por Bessemer tinha como objetivo a construção de canhões excepcionalmente longos e fortes. Ao invés de refornar o ferro gusa pela aplicação de calor na sua periferia, ele soprou ar dentro e através do metal fundido, usando o calor emitido pela própria oxidação, para manter o ferro liquefeito, conseguindo uma descarbonização extremamente rápida.[10] O processo convencional que levava dias ou mesmo semanas para fabricação do aço foi reduzido para cerca de vinte minutos. O processo de Bessemer foi bem sucedido porque sem querer tinha começado com um minério que tinha quantidades extremamente baixas de fósforo. Foram necessários vinte anos para que o problema do fósforo fosse solucionado pelo processo Thomas-Gilchrist que precipitava o fósforo acidífero.[11]
Para Andrés Lopes lead
time e segredo industrial parecem ser os dispositivos de apropriabilidade
de ativos intelectuais mais relevante para a maioria dos setores tecnológicos.
Capacidade de fabricação e propaganda, mecanismos nem sempre considerados nos
estudos realizados sobre o assunto, também proporcionam um instrumento
relevante para proteção de inovações. Um estudo de 2001 em cerca de 3 mil empresas
de sete países europeus realizado por Arundel mostra que as empresas consideram
o segredo industrial mais relevante do que patentes seja para as inovações de
produto quanto as de processo.[12]
Com relação ao sistema de patentes dados da pesquisa Pintec 2008
realizada pelo IBGE mostra que no período de 2006-2008 de um total de 98 mil
indústrias pesquisadas, 38 mil informaram que produziram algum tipo de
inovação, sendo que destas apenas 2,7 mil com depósito de patente ou patente concedida
em vigor, ou seja, apenas 7% das empresas inovadoras se utilizaram do sistema
de patentes. Os dados mostram que as indústrias no Brasil pouco utilizam o
sistema de propriedade intelectual brasileiro. Francisco Luna do IPEA argumenta
que a demora na concessão de patentes pelo INPI contribui para depreciação do
sistema de patentes entre as empresas.[13]
A pesquisa do Pintec 20008 mostra que as
principais estratégias de proteção adotadas por empresas que atuam no setor de
P&D se diferenciaram significativamente daquelas usadas pela indústria.
Isso porque as patentes (de invenção, de modelo de utilidade) e registros de
desenho industrial se destacaram como sendo usadas por 61,5% das empresas de
P&D, enquanto somente 9,1% das industriais utilizaram este mecanismo[14].
Na indústria, o principal destaque na proteção das inovações de produto e/ou
processo continuou sendo as marcas (24,3% na indústria), como já era observado
nas pesquisas anteriores. O segredo industrial surge como terceiro mecanismo de
proteção na indústria com índice de 8.7%.
[1] LEWINSOHN, Richard.
Trustes e cartéis: suas origens e influências na economia mundial. Rio de
Janeiro:Liv. Globo, 1945. p.100
[2] http: //pt.wikipedia.org/wiki/Margarina.
CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed.
Sextante, 2010, p. 384
[3] HAEGHEN, Vander. Brevets
d'invention marques et modèles, Bruxelas:Ed. Ferdinand Larcier, 1928, p.145
[4] DUARTE, Marcelo. O livro das
invenções. São Paulo: Cia das Letras, 1997. p. 168.
[5] TREVOR, Williams.
História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da informação. Belo
Horizonte: Gutenberg, 2009, p.177
[6] PETROSKI, Henry.A evolução das coisas
úteis, Rio de Janeiro: Ed Zahar, 2007, p. 58.
[7] MacLEOD, Christine. Heroes of invention. technology, liberalism and
british identity 1750-1914, Cambridge University Press, 2007, p.241
[8] ROSENBERG,
Nathan.Por dentro da caixa preta: tecnologia e economia, São Paulo:
Unicamp, 2006, p. 145.
[9] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed.
Sextante, 2010, p. 92, 350
[10] LANDES, David. Prometeu
desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.267; MORRIS, Charles, R. Os
magnatas: como Andrew Carnegie, John Rockfeller, Jay Gould e J.P.Morgan inventaram
a supereconomia americana, Porto Alegre:L&PM, 2006, p.132
[11] MORRIS, Charles, R. Os
magnatas: como Andrew Carnegie, John Rockfeller, Jay Gould e J.P.Morgan
inventaram a supereconomia americana, Porto Alegre:L&PM, 2006, p133
[12] LOPEZ.op. cit. p. 14.
[13] LUNA, Francisco; BAESSA, Adriano. Impacto das marcas e das patentes no desempenho econômico das firmas. In: NEGRI, João Alberto; KUBOTA, Luis Cláudio. Políticas de Incentivo à Inovação Tecnológica. Rio de Janeiro: IPEA, 2008. http: //www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/inovacaotecnologica/capitulo12.pdf.
[14] http:
//www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/pintec/2008/pintec2008.pdf.
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