domingo, 19 de junho de 2022

O ideal da ciência e as patentes

 

Há um mito de que haveria uma incompatibilidade entre a patente e o ethos científico, regido por critérios como o universalismo, comunismo, desinteresse e ceticismo tal como preconizado pelo sociólogo Robert Merton. Na verdade a sociologia mertoniana baseada neste suposto desinteresse dos cientistas é alvo de muitas críticas dentro da sociologia. O fato é que ainda que as universidades recebam em grande parte investimento público para pesquisa, os resultados destas pesquisas tendem a perecer nas próprias universidades caso não se crie mecanismos de apropriação privada deste conhecimento.[1] Albert Sabin inventor da vacina contra poliomielite: “Não queria que minha contribuição ao bem estar da humanidade fosse paga com dinheiro. Meu ordenado de professor me basta. Em minha carreira recebi muitos reconhecimentos científicos e um só prêmio em dinheiro do Prêmio Feltrinelli concedido pela Academia dei Lincei. Chegaram exatamente para resolver alguns problemas familiares. Casei tarde e tenho mesmo que fazer economias para os filhos”.[2]

Albert Sabin e William Roentgen podem ser apontados como exemplos do ideal mertoniano. Theodor Heuss escreveu sobre Roentgen como “um homem completamente livre de vaidades e imune às tentações financeiras”, seu desejo era o de que “as invenções pertençam a toda a humanidade e que não devam ser restritas a empresas individuais através de patentes, acordos, licenciamentos ou similares”. Ao receber o Prêmio Nobel em 1901, o cientista dou o dinheiro do Prêmio para a Universidade de Würzburg. A estreita colaboração que se estabeleceu entre os cientistas alemães Herman Gocht e Bernhard Walter com a empresa fabricante de equipamentos de radiologia CHF Müller levou a um grande desenvolvimento da tecnologia, sendo muitos destas pesquisas patenteadas como o tubo com refrigeração à água DE113430 de 1899, mesmo ano da descoberta de Roentgen. [3] Roentgen, embora não interessado em recompensas financeiros o cientista recebeu inúmeras condecorações, entre as quais a Ordem de Mérito real da Coroa Bávara e diversos prêmios. O exemplo mostra que havia um interesse pelo reconhecimento de seus pares pelo seu trabalho, o que confirma a tese de Pierre Bourdieu que os cientistas longe do desinteresse mertoniano, disputam por um “capital simbólico”, que não se limita a vantagens pecuniárias mas principalmente na disputa por uma posição de proeminência frente a um campo. No caso dos prêmios, há na comunidade científica o conceito que privilegia o "capital simbolico" de ser reconhecido entre os pares do que propriamente as vantagens econômicas de uma invenção. Este conceito é desenvolvido por Pierre Bourdieu em seu livro “A Economia das Trocas Simbólicas”.

Muitos são os exemplos na engenharia e matemática em que fórmulas e teorias foram atribuídas aos nomes dos pesquisadores que lhe deram origem reconhecendo assim sua auoria. Por exemplo, as equações de Maxwell (eletromagnetismo), leis de Newton (física), equivalente Norton (eletrônica), parafuso de Arquimedes (hidráulica), teorema de Pitágoras (geometria), lei de Snell (óptica), sequência de Finonacci (matemática), triângulo de Pascal (geometria), leis de Kepler (astronomia), plano cartesiano, algorimo neperiano, teorema de Fermat (matemática), pêndulo de Foucault (física), série de Fourier, transformada de Laplace (processamento de sinais), leis de Kirchhoff (eletrônica) entre outros. Na área de botânica desde a época de Linnaeus no século XVIII consolidou-se a regra de prioridade para o estabelecimento dos nomes de plantas não sendo raras as disputas de autoria como a se estabeleceu entre Louis Agassiz e seu ex aluno Henry Clark em 1863.[4] No âmbito dos trabalhos que culminaram na Conversão de Berna em 1883 foi discutido a inclusão da palavra “científico” no título da Convenção, no entanto alguns analistas temiam que sua inclusão pudesse levar a ter como protegidos pelo direito de autor matéria antes tidas como exclusivas dos domínios da ciência.



[1] IDRIS, Kamil. Intellectual property, a power tool for economic growth, Geneva: WIPO, 2003, p. 96

[2] ABRIL Cultural, Medicina e Saúde. História da Medicina, v.II, São Paulo, 1970, p. 594

[3] STAMER, Willi. 100 years of X-ray tubes, Philips, 1999

[4] BEHAR, Gabriel Galvez. The propertisation o science: suggestions for na historical investigation. In: LOHR, Isabella; SIEGRIST, Hannes. Global Governance of Intellectual Property Rights, v.21, n.2, 2011, p.80-97 tp://hal.archives-ouvertes.fr/docs/00/63/37/86/PDF/GGB_FINAL.pdf

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