Basta que algumas das reivindicações independentes não estejam
sendo exploradas e disto decorra abuso de poder econômico para se configurar a
previsão de uma licença compulsória. Segundo Denis Barbosa [1] “Note-se que não se pode usar, para o propósito de apurar uso efetivo, o
critério de contrafação. Para se verificar se um uso de uma tecnologia infringe
uma patente, se levará em conta qualquer dos pontos reivindicados; para se
determinar uso efetivo, no entanto, é preciso determinar se a solução técnica,
como reivindicada, está sendo usada, em sua integralidade. Assim se uma patente
reivindica processo, produto e aparelho, a simples fabricação do produto não
atende à obrigação de uso efetivo, muito embora o fizesse, se fosse esta a
única matéria reivindicada. Já se apontou que, no caso de soluções
alternativas, a utilização de apenas uma delas satisfará o requisito de
uso efetivo e, portanto, não estará sujeita a patente à licença compulsória”.
A título ilustrativo, pode-se mencionar o parecer de deferimento
do pedido de caducidade da patente PI6677387, (RPI 1693, de 13/01/1984), pela não
exploração de apenas uma dentre várias reivindicações independentes. No
parecer, a então chefe da DIQUOR mencionou que a “invenção deve ser usada
conforme descrita no relatório e reivindicações e a exploração deve recair
sobre o próprio objeto da patente [...] a titular estava obrigada a utilizar a
patente em toda a sua extensão”,[2] decretando a caducidade pela
falta de exploração apenas da reivindicação 5 relativa ao processo de obtenção
da composição, ao passo que a reivindicação 1 que descrevia a composição
propriamente dita vinha sendo produzida localmente.
Neste entendimento, o TRF2 afirma que “ante a sua
indivisibilidade não se pode declarar a caducidade parcial da patente. Se uma
das reivindicações já estivesse dentro do estado da técnica, seria caso de
nulidade por ausência de requisito de novidade, não de caducidade”.[3] Em outro caso na patente PI82808 de maio de 1970 a FMC Corp. tratava em uma de
suas reivindicações de uma composição ao passo que outra reivindicação tratava
do processo para obtenção de certa composição. O titular conseguiu comprovar o
uso efetivo apenas do produto, mas não do processo e assim não se configurou o
uso efetivo da patente.
A patente da Monsanto PI7107076 referente a Composição fitotóxica ou herbicida teve
licença compulsória concedida a Nortox sob a alegação que apenas parte
da patente era explorada. A Nortox S.A. (Nortox) é uma sociedade brasileira,
não pertencente a nenhum grupo econômico, que atua na indústria química e petroquímica
por meio da fabricação e comercialização de defensivos agrícolas e sementes,
tais como algodão, milho, soja e sorgo. A Nortox poderia ter requerido a
caducidade da patente por não exploração, no entanto, preferiu a licença
compulsória não exclusiva mesmo tendo de pagar royalies de 5% à titular, pois
desta forma poderia entrar no mercado se anunciando-se como licenciada da
Monsanto e desta forma conquistar mercado pois estaria garantindo a seus clientes
que seu produto mantinha a mesma qualidade que o produto original da Monsanto. O
glifosato (US3799758) é um herbicida sistêmico não seletivo (mata qualquer tipo
de planta) desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes. É o
ingrediente principal do Roundup, herbicida da Monsanto. A titular Monsanto
tentou evitar a licença compulsória renunciando em 1984 as reivindicações que
não explorava (no caso, ao processo de fabricação de um defensivo agrícola “Roundup”),
no entanto, a tentativa foi rejeitada pelo INPI[4], pois
uma vez concedida a patente não havia como modificar seu conteúdo, sob pena de
cisão da unidade inventiva.[5] Segundo o parecer da então assessora da Presidência Nelida Jessen “uma
patente será sempre una e indivisa, no sentido legal sem que haja necessidade
de unidade do processo produtivo [...] como claramente estipulado no Código da
Propriedade Industrial, uso parcial não é em hipótese nenhuma uso efetivo, nem
para efeito de caducidade nem para efeito de licença”.[6]
O entendimento do INPI em pouco mais de quatrocentas decisões de
caducidade, anteriores a TRIPs foi o de que a exploração efetiva do objeto da
patente prevista no artigo 33 da Lei nº 5772/71 exigia a exploração de todas as
reivindicações independentes de uma patente. A patente PI6677387, por exemplo,
teve deferido o pedido de caducidade (RPI 1693 de 13/01/1984) pela não exploração
de apenas uma dentre várias reivindicações independentes.
O argumento da titular de que a exploração de todas as
reivindicações não era possível face a dificuldade na exploração local do
processo devido à necessidade de instalações altamente complexas, que exigem
vultosos investimentos e tempo de execução incapazes de serem resolvidos no
curto espaço de tempo fixado pelo artigo 49 da Lei nº 5772/71 (Salvo motivo
de força maior comprovado, caducará o privilégio, “ex officio” ou mediante
requerimento de qualquer interessado, quando: a) não tenha sido iniciada a sua
exploração no país, de modo efetivo, dentro de quatro anos ou dentro de cinco
anos, se concedida licença para sua exploração, sempre contados da data da
expedição da patente; b) a sua exploração for interrompida por mais de dois
anos consecutivos), não foi suficiente para que o INPI mudasse sua opinião
e assim a caducidade foi deferida. O extinto TFR por mais de uma ocasião
manteve tais decisões de caducidade, confirmando o entendimento do INPI.[7]
Segundo Otto Licks e Marcos
Levy esta situação produzia um resultado paradoxal: “Em resumo, se o titular
de uma patente que possui dez reivindicações independentes produzir em território
brasileiro apenas nove delas, a patente está sujeita à licença compulsória por
falta de fabricação local de apenas uma das reivindicações. Pelas práticas
adotadas pelo INPI, todas as 10 reivindicações seriam licenciadas, as nove que
estão sendo produzidas, mais a única que não estava, pois o INPI não concede
licenças parciais”. Gabriel Di Blasi da mesma
forma entende que o INPI não autoriza uma licença compulsória de forma parcial,
ou seja, para a reivindicação não produzida localmente.[8] Gabriel Leonardos destaca
que a patente pode descrever várias invenções unidas pelo mesmo conceito
inventivo segundo o artigo 23 da LPI: “ora,
por vários motivos pode ser impossível a fabricação de todos os elementos das
reivindicações no Brasil e a consequência inexorável será a possibilidade de
concessão de uma licença compulsória sobre a totalidade das reivindicações,
apenas para que em seguida, o licenciado venha a utilizar exatamente as mesmas
reivindicações que já estavam sendo exploradas [pelo titular] no Brasil ! essa
hipótese é inclusive provável de ocorrer, pois o licenciado não tem a obrigação
de explorar integralmente a patente, uma vez que este encargo recai apenas
sobre ii titular da patente ! Assim, percebe-se que – considerações de ordem
jurídica à parte – a lei brasileira é tecnicamente inadequada nesse aspecto, e
pode acarretar enormes injustiças para os interesses legítimos do titular de
uma patente”.[9]
Mesmo o número de solicitações de licenças compulsórias tem sido
bastante reduzido. A patente PI8704197 referente a processo de ensilagem a
vácuo, cuja titular é empresa belga Interprise teve licença compulsória
solicitada pela Vacuum Pack Services Limited conforme RPI 1460 de dezembro de
1998 com base no Artigo 68 da LPI. Outras solicitações de licenças compulsórias
(código de despacho 22.4) incluem: PI7407113 referente a prótese cirurgicamente
implantável e junta protética flexível da Dow Corning (US) (RPI 892 de
24/11/1987), PI7410538 referente a processo para fabricar selo de óleo da
Federal Mogul Corp. (RPI 808, de 15/04/1986), PI7902779 referente a dispositivo
amortecedor, nivelador e suspensor aplicável em veículos automotores de Baby
Valentin Rocha (RPI 859 de 07/04/1987), e PI8700357 referente a composição
herbicida e processo para eliminar ervas daninhas em um campo de milho da Ishihara
Sangyo Kaisha (JP) (requerido pela Nortox conforme RPI 1714 de 11/11/2003).
Segundo Douglas Gabriel Domingues “Gama Cerqueira, ao analisar a exploração parcial do invento, destaca acertadamente
que, na eventualidade de a invenção apresentar diversas modalidades ou
variantes, a caducidade é afastada pelo uso parcial da patente, desde que
mencionado uso tenha por objeto a parte característica e essencial do objeto
patenteado”, ou seja se o titular explora uma das
variantes em suas partes características essenciais não há caducidade.
Prossegue Douglas Gabriel Domingues: “De forma igual, sendo a invenção
suscetível de diversas aplicações, não se exige que o titular explore o invento
e todos os fins previstos. Entretanto, na eventualidade de a invenção comportar
diversos elementos distintos e suscetíveis de serem explorados independentemente
uns dos outros, poder-se-á decretar a caducidade parcial da patente, exatamente
na parte relativa aos elementos inexplorados ou com exploração interrompida”[10]
[1] BARBOSA.op. cit. p. 526.
[2] LICKS, Otto; LEVY, Marcos. O requisito de fabricação completa do objeto de uma patente
no território nacional.
Interfarma, 2003.
[3]TRF2, Apelação Cível processo
97.02.43308-8 Terceira Turma. Data da Decisão: 15/08/2000, DJU: 19/12/2000, Relator:
Juíza Tania Heine, apud BARBOSA, Denis. Uma Introdução à propriedade
intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 552.
[4] FREIRRE, Augusto. The need to exploit the subject matter of all independent claims of brazilian patents to avoid cancellation, in. DANIEL, Denis Allan. Patents in Brazil, Rio de Janeiro: Daniel & Companhia 1984, p. 53 http: //denisbarbosa.addr.com/daniel.doc.
[5] BARBOSA.op. cit. p. 561.
[6] Apelação em mandado de segurança n.106155-RJ, acórdão relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 21.08.96 apud BARBOSA.op. cit. p. 562.
[7] LICKS.op. cit.
[8] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia, Rio de Janeiro: Ed. Forense: 2010, p. 224.
[9] LEONARDOS, Gabriel. Licenças compulsórias patentes no cenário mundial, Seminário promovido pela AmCham RJ em 31 de maio de 2001
[10] DOMINGUES,
Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense,
1980. p. 313.
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