Um estudo de Ervin Hexner[1] sobre cartéis internacionais mostra que alguns cartéis utilizam pool de patentes como forma de configurar práticas de domínio de mercado. Para o autor um cartel pode ser definido como um acordo voluntário, em geral temporário, entre empresas privadas com intuito de restringir a concorrência e coordenar preços e mercados. O termo “cartel” foi utilizado pela primeira vez por Eugen Richter em 1879 em depoimento perante o Reichstag alemão. Com o fim da segunda guerra Hexner, que escreve em 1949, avaliava que as práticas de cartel tenderiam a reduzir em função dos acordos de comércio entre governos em organismos multilaterais tais como o GATT. John Barton destaca que os cartéis podem restringir a entrada de concorrentes no mercado global, podem desacelerar o ritmo de inovações, pode levar a aumento excessivo de preços. No período de guerras por exemplo, o desenvolvimento de borracha sintética foi proibido pela Alemanha presumivelmente devido aos esforços de guerra. Segundo John Barton este tipo de cartel provavelmente desapareceu embora ainda existam na década de 1990 muitos cartéis para controle de preços e pelo menos em dois casos para controle do acesso a tecnologia (tubos plásticos laminados e eletrodos de grafite).[2]
A aprovação do Sherman Act nos Estados Unidos marca uma ambivalência diante dos efeitos estabilizadores de pools tais como Eastern Traffic Association, maior pool ferroviário do Leste, administrado por Albert Fink durante a maior parte da década de 1880. Durante o Sherman Act vários trustes foram processados como a Standard Oil Trust dissolvida em 1911. No entanto, a lei era considerada fraca. A Suprema Corte no caso American Sugar Refining Company ao estabelecer que fabricação não é considerada comércio, enfraqueceu bastante a aplicação do Sherman Act, uma vez que a lei vedava apenas os acordos de restrição de comércio. A Clayton Act em 1914 viria a proibir tipos específicos de discriminação de preços e aquisições de ações de empresas concorrentes.[3] O efeito do Sherman Act e do Interstate Commerce Act foi o de acelerar o ritmo das fusões. Foi a falência dos cartéis que levou às fusões. Os fabricantes de folhas de flandres quando não conseguiram montar um cartel convidaram outras empresas para formar a American Tin Plate em 1899 com 90% da capacidade produtiva do país. [4]O grande aumento das fusões viria a desencadear a reação de Roosevelt contra os trustes[5]Eduardo Gaban observa que nas últimas três décadas as sanções impostas contra cartéis investigados pela Divisão Antitruste do USDOJ experimentaram um aumento exponencial. Os cartéis de exportação por sua vez que tratam da associação de empresas que cooperam no mercado e distribuem seus produtos para os mercados estrangeiros em geral não são punidos pelas legislações antitrustes dos países, por ter um escopo de ação fora dos limites territoriais do Estado não tendo um impacto direto sobre os consumidores ou os produtores nacionais. [6] Nos Estados Unidos os cartéis de exportação estão livres da aplicação da legislação antitruste pelo Webb Pomerene Act, 15 USC § 61-66 (1994),[7] promulgada em 1918 que Dudley Pegrum aponta como “o mais contundente atentado contra o espírito da Lei Sherman”.[8] A Lei Webb Pomerene excluía da aplicação das leis antitruste as associações de exportação e seus membros sempre que essa exclusão não repercutisse nos pecos internos e não reduzisse substancialmente a concorrência dentro dos Estados Unidos, o que na avaliação de Barbosa Lima Sobrinho “no fundo era como adotar uma política antitruste interna e uma política a favor dos trustes como um processo que facilitasse a concorrência externa, embora os dois setores não pudessem ser tão profundamente diferenciados, nem se pudesse excluir a influência dessa medida no reflexo sobre os preços internos”.
Por outro lado os chamados hard core cartéis são os grandes vilões do direito de concorrência por serem considerados violações claras á ordenação econômica com impactos deletérios para a concorrência. [9] Um estudo do Banco Mundial de 2001 mostra que a ação dos cartéis internacionais não se encerrou como previsto por Hexner, mas encontra-se presente na economia mundial.[10] Há discussões multilaterais no âmbito da rodada de Doha na OMC para inclusão do tema da concorrência e adoção de medidas mais efetivas contra os cartéis hard core, porém os países ainda não chegaram a um consenso em parte pela apreensão dos países em desenvolvimento quanto ao impacto destas medidas em suas economias. Medidas de repressão a cartéis de exportação da mesma forma tendem a ser rejeitadas por países exportadores.[11]
Paradoxalmente, em alguns casos a patente pode ser um instrumento para romper com as práticas de cartel. Herbert Dow no final do século XIX obteve uma patente para um processo de extração de bromo dos depósitos subterrâneos de salmoura de Michigan nos Estados Unidos. O bromo apresentava-se como material especialmente procurado para aplicações em medicina e na indústria fotográfica. Por meio de eletrólise os íons negativos do bromo se acumulavam no eletrodo positivo, onde podiam ser capturados. O mercado europeu era controlado por um cartel de empresas alemãs, chamado Bromkonvention[12] e a Dow conseguiu entrar no mercado europeu valendo-se da vantagem competitiva obtida por sua patente que permitia maior produtividade e vender o produto a preços mais competitivos que os estabelecidos pelo cartel.[13]
Nos anos 1970, numa época em que o enforcement das patentes era reduzido face aos riscos de caracterizar uma ação de cartel, o Departamento de Justiça norte-americano (DOJ) elaborou uma lista de práticas de licenciamento para verificar violação antitruste em pools de patentes, conhecida como Nine No-Nos. As das condutas condenadas consistiam em i) royalties não razoáveis em relação às vendas do produto patenteado, ii) impor restrições aos licenciados no comércio de produtos fora do escopo do produto patenteado (tie-outs), iii) impor ao licenciado a aquisição de produtos não patenteados (tie-in) do licenciante, ou venda casada, iv) licenciammento obrigatório de pacotes tecnológicos, v) impor clásulas de grant back, ou seja, o licenciado é obrigado a licenciar ao licenaciante os desenvolvimentos patenteados que porventura fizer, vi) poder de veto do licenciante sobre a concessão de licenças adicionais, vii) impor restrições na venda de produtos não patenteados obtidos a partir de um processo patenteado, viii) impor os preços que um licenciaciado poderia cobrar pela revenda dos produtos objeto de licença, ix) estabelecer um preço mínimo na revenda de produtos patenteados[14]. O bordão “that’s a no-no” era usado em um programa humorístico de televisão dos anos 70 o Rowan & Martin Laugh in.[15] Esta restrição às patentes decorre se observa em diversas decisões das Cortes como por exemplo julgado da Suprema Corte que em decisão de 1948 contrabalança os direitos das patentes com a política antitruste: “a posse de uma patente válida não confere a seu titular qualquer exceção para aplicação das provisões do Sherman Act além dos limites do monopólio de uma patente [...] Não é propriamente o monopólio que é inválido, mas sim o uso impróprio deste monopólio”[16]
Com os anos 1980 e a deterioração da competitividade das empresas norte-americana diante dos japoneses houve uma maior pressão para se flexibilizr a política antitruste e fortalecer o enforcement das patentes. [17]Um no-no era o de que o titular não deveria promover contratos com cláusulas de “grant back” em que o licenciado é obrigado a transferir aperfeiçoamentos da patente ao licenciante. Atualmente o DOJ reconhece que cláusulas de grant back tem efeitos positivos particularmente quando as licenças são não exlcusivas e o titular está em competição com outras firmas. A cláusula de grant back também tem o efeito de reduzir o risco de litígio por parte do titular. Outro no-no era a fixação de royalties sem relação com o volume de vendas do produto patenteado. Atualmente confere-se pouca atenção a esta cláusula particularmente se o titular não tem dominância no mercado. O que marca esta época é a ideia de presunção de que uma patente confere poderes de monopólio ao titular e, portanto, restrições a concorrência. Atualmente o DOJ entende a política antitruste como complementar a legislação patentária, e, portanto, não necessariamente em conflito. O Federal Circuit em Atari Games v. Nintendo afirma: “os objetivos das leis antitruste e de patentes podem ser vistas, a primeira vista, como totalmente incompatíveis. Contudo, as duas legislações são complementares, ambas encorajam a inovação, indústria e a competição”.[18] Em United States v. Microsoft Corp. a Corte reafirma: “os direitos de propriedade intelectual não conferem um privilégio de violar as leis antitruste”[19]
[1] HEXNER, Ervin. Carteles Internacionales. México: Fondo de Cultura, 1950, p. 17.
[2] LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. Contemporary international cartels and developing countries: economic efects and implications or competition policy, 2004, v.71, Antitrust Law journal, p.801 in: BARTON, John. Antitrust, patents and developing nations. In; NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.412
[3] HEILBRONER, Robert. A formação da sociedade econômica, Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.150
[4] MORRIS, Charles, R. Os magnatas: como Andrew Carnegie, John Rockfeller, Jay Gould e J.P.Morgan inventaram a supereconomia americana, Porto Alegre:L&PM, 2006, p.253
[5] MORRIS, Charles, R. Os magnatas: como Andrew Carnegie, John Rockfeller, Jay Gould e J.P.Morgan inventaram a supereconomia americana, Porto Alegre:L&PM, 2006, p.220, 251-253
[6] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.179, 181
[7] GABAN,op.cit.p.245
[8] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faze em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.159
[9] OECD, Hard core cartels, 1998. http://www.oecd.org/competition/cartels/2752129.pdf
[10] EVENETT, Simon; LEVENSTEIN, Margaret; SUSLOW, Valerie. International Cartel Enforcement: Lessons from the 1990s, 2001, http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2001/10/12/000094946_01092804353553/Rendered/PDF/multi0page.pdf
[11] GABAN, Eduardo Molan; DOMINGUES, Juliana Oliveira. Direito antitruste. Saraiva:Rio de Janeiro, 2012,p.226
[12] http://en.wikipedia.org/wiki/Herbert_Henry_Dow
[13] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 474; http://www.investopedia.com/ask/answers/09/dow-chemical-bromine-monopoly.asp#axzz1gbWOMU26
[14] GILBERT, Richard; SHAPIRO Carl. Antitrust issues in the licensing of intellectual property: the nine no nos meet the nineties, Brookings papers on economic activity: microeconomics, 1997
[15] http://en.wikipedia.org/wiki/Rowan_%26_Martin's_Laugh-In GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.477
[16] United States v. Line Material Co. 333 US 287 (1948). Cf. ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o direito antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.33
[17] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and whar to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 1774/5128 (kindle version)
[18] Atari Games v. Nintendo, 897 F.2d 1572 (Fed. Cir. 199) cf. ANTHONY, Sheila F. Antitrust and Intellectual Property Law: From Adversaries to Partners, AIPLA, 2000, v.28, n.1, http://www.ftc.gov/speeches/other/aipla.htm ; ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o direito antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.34
[19] United States v. Microsoft, 253 F.3d 34 (D.C Cir. 2001) cf. ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o direito antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.35
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