domingo, 14 de março de 2021

Patenteabilidade de simuladores G1/19 na EPO

 

Em março de 2021 foi divulgada a decisão de G1/19. O pedido de patente WO2004023347 diz respeito à simulação implementada por computador do movimento de uma multidão de pedestres em um ambiente como um edifício. A Divisão Examinadora indeferiu o pedido por considerar que a invenção carecia de atividade inventiva, principalmente por considerar que a simulação não contribuía para o caráter técnico da invenção. A recorrente recorreu e, no processo que lhe foi submetido, a Câmara Técnica de Recurso que submeteu em 2019 três questões sobre a patenteabilidade das simulações implementadas por computador ao Enlarged Board of Appeal (EBA). O Artigo 52 (2) EPC contém uma lista não exaustiva de "não invenções", ou seja, matéria que não é patenteável porque não é técnica. Esta lista inclui "programas para computadores" (Artigo 52 (2) (c) EPC). No entanto, a exclusão da patenteabilidade é limitada ao "objeto ou atividades como tais" (Artigo 52 (3) EPC). Uma reivindicação para uma invenção implementada por computador geralmente consiste em uma mistura de características técnicas (por exemplo, um computador ou um telefone móvel) e características não técnicas (por exemplo, um programa de computador) em que é adotada o critério previsto em COMVIK (T 641/00, OJ EPO 2003) no qual apenas as características da reivindicação que contribuem para o caráter técnico da invenção sejam consideradas para a avaliação da atividade inventiva. Características que, consideradas isoladamente, não são técnicas podem, no contexto da invenção reivindicada, no entanto contribuir para a solução técnica de um problema técnico e, portanto, para o caráter técnico da invenção (por exemplo, um programa de computador controlando uma máquina para prolongar a vida útil dessa máquina). O problema técnico pode ser formulado com o objetivo de ser alcançado em um campo não técnico, e que, portanto, não faz parte da contribuição técnica prestada pelo invenção da técnica anterior.

O EBA confirmou a abordagem em Comvik e que tais simulações devem ser avaliadas de acordo com os mesmos critérios que qualquer outra invenção implementada em computador, inclusive no que diz respeito à questão de saber se uma característica reivindicada contribui para o caráter técnico da invenção. Os termos “sistema ou processo técnico” e “princípios técnicos que fundamentam o sistema ou processo simulados” devem ser tomados em sentido amplo. Qualquer efeito técnico que vá além das interações elétricas normais dentro do computador no qual a simulação é implementada (ou seja, qualquer "efeito técnico adicional") pode ser considerado para a etapa inventiva. A invenção subjacente à referência diz respeito a um processo de simulação compreendendo apenas entrada e saída numérica, sem qualquer interação com a realidade física (seguindo a formulação do conselho de referência, uma "simulação implementada por computador como tal"). O EBA declarou que uma característica reivindicada de uma invenção implementada por computador pode contribuir para o caráter técnico da invenção não apenas se estiver relacionada a um efeito técnico na forma de entrada (por exemplo, a medição de um valor físico) ou saída ( por exemplo, um sinal de controle para uma máquina). Essa ligação direta com a realidade física não é necessária em todos os casos. Em particular, os efeitos técnicos também podem ocorrer dentro do processo implementado por computador (por exemplo, por adaptações específicas de um computador ou de transferência de dados). Para avaliar se uma simulação contribui para o caráter técnico da invenção reivindicada, não é decisivo se um sistema ou processo técnico ou não técnico é simulado.[1] Embora o movimento de pessoas em si possa ser questionado sua natureza técnica, a simulação destes movimentos de pedestres para projetar a estrutura de um edifício possui natureza técnica.  

Em G2/07 na área de biotecnologia o EBA cita como válida a definição de invenção da Corte Federal de Justiça da Alemanha (Bundesgerichtshof) em decisão de 1969 Rote Taube (X ZB 15/67) na qual o termo invenção implica um aspecto técnico caracterizado “pelo ensino de metodicamente utilizar forças naturais controláveis  para atingir um resultado causal  perceptível” “a teaching to methodically utilize controllable natural forces to achieve a causal, perceivable result”. O conteúdo cognitivo de dados não é visto em T1000/09 como natureza técnica uma vez que a informação não pode ser percebida como “força da natureza”. A evolução da tecnologia contudo permite ampliar o conjunto de desenvolvimentos científicos enquadrados como técnicas. O uso do computador na patente em questão atende portanto ao conceito de natureza técnica exigido pelo artigo 52 da EPC. O EBA observa que não há necessidade de uma relação direta entre o simulador e a realidade física simulada (como por exemplo no processamento de imagens em VICOM T208/84) para que se caracterize sua natureza técnica, para que tal simulação contribua para o caráter técnico da invenção e seja, portanto, considerada na avaliação de atividade inventiva. O EBA distingue entre efeitos técnicos potenciais de que trata T1173/97 (efeitos que em algum momento posterior podem ser tornar-se interações diretas no mundo físico) de efeitos virtuais, ou de dados calculados que ficam restritos aos ambiente virtual e que não necessariamente se tornam efeitos técnicos reais. Para se caracterizar como técnico não é necessária um efeito tangível (T533/09) . O fato do efeito ser tangível não é uma abordagem que leve a uma delimitação mais precisa das invenções patenteadas. No caso de simuladores a contribuição ao estado da técnica reside exatamente nos modelos numéricos e algoritmos usados nas simulações de computador.

O EBA cita como exemplo de simulador de jogo de bilhar como não resolvendo um problema técnico enquanto que um sistema de previsão meteorológica é entendido como a simulação de um sistema que não é técnico (as condições atmosféricas) mas que contribui para a avaliação de atividade inventiva. Segundo a abordagem em COMVIK é irrelevante saber se o sistema simulado é técnico ou não. O que é importante é saber se a simulação do sistema contribui para a solução de um problema técnico de modo a que mera solução numérica do comportamento de um sistema não garante a presença de um efeito técnico do processo de simulação. Nestes sentido foi entendido como invenções técnicas T1127/07 simulação de ruído em circuitos eletrônicos, T625/11 simulação de reatores nucleares, T453/91 simulação de fabricação de chips semicondutores, T471/05 simulação de sistemas ópticos e como não técnico T531/09 simulação de pontos de segurança em um aeroporto, T1798/13 simulação financeira. Uma simulação numérica que contribui para uma solução de um problema técnico pode até refletir aspectos não técnicos, como comportamento humano, que podem ser descritos, por exemplo, por modelos de teoria dos jogos. Se o fato que um sistema ou processo simulado foi baseado em princípios não técnicos necessariamente significasse que a simulação não tem caráter técnico isso levaria a discriminação contra alguns modelos numéricos sem qualquer base legal para tal descriminação, logo não é necessária que esta simulação numérica seja baseada em princípios técnicos. Características relativas ao projeto de um produto podem contribuir para o caráter técnico da invenção reivindicada ainda que o processo de projeto de algo seja normalmente considerado uma característica cognitiva não técnica.



[1] https://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/communications/2021/20210310.html

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