Em março de 2021 foi divulgada a
decisão de G1/19. O pedido de patente WO2004023347 diz respeito à simulação
implementada por computador do movimento de uma multidão de pedestres em um
ambiente como um edifício. A Divisão Examinadora indeferiu o pedido por
considerar que a invenção carecia de atividade inventiva, principalmente por
considerar que a simulação não contribuía para o caráter técnico da invenção. A
recorrente recorreu e, no processo que lhe foi submetido, a Câmara Técnica de
Recurso que submeteu em 2019 três questões sobre a patenteabilidade das
simulações implementadas por computador ao Enlarged Board of Appeal (EBA). O
Artigo 52 (2) EPC contém uma lista não exaustiva de "não invenções",
ou seja, matéria que não é patenteável porque não é técnica. Esta lista inclui
"programas para computadores" (Artigo 52 (2) (c) EPC). No entanto, a
exclusão da patenteabilidade é limitada ao "objeto ou atividades como
tais" (Artigo 52 (3) EPC). Uma reivindicação para uma invenção
implementada por computador geralmente consiste em uma mistura de
características técnicas (por exemplo, um computador ou um telefone móvel) e
características não técnicas (por exemplo, um programa de computador) em que é
adotada o critério previsto em COMVIK (T 641/00, OJ EPO 2003) no qual apenas as
características da reivindicação que contribuem para o caráter técnico da
invenção sejam consideradas para a avaliação da atividade inventiva.
Características que, consideradas isoladamente, não são técnicas podem, no
contexto da invenção reivindicada, no entanto contribuir para a solução técnica
de um problema técnico e, portanto, para o caráter técnico da invenção (por
exemplo, um programa de computador controlando uma máquina para prolongar a
vida útil dessa máquina). O problema técnico pode ser formulado com o objetivo
de ser alcançado em um campo não técnico, e que, portanto, não faz parte da
contribuição técnica prestada pelo invenção da técnica anterior.
O EBA confirmou a abordagem em
Comvik e que tais simulações devem ser avaliadas de acordo com os mesmos
critérios que qualquer outra invenção implementada em computador, inclusive no
que diz respeito à questão de saber se uma característica reivindicada
contribui para o caráter técnico da invenção. Os termos “sistema ou processo
técnico” e “princípios técnicos que fundamentam o sistema ou processo simulados”
devem ser tomados em sentido amplo. Qualquer efeito técnico que vá além das
interações elétricas normais dentro do computador no qual a simulação é
implementada (ou seja, qualquer "efeito técnico adicional") pode ser
considerado para a etapa inventiva. A invenção subjacente à referência diz
respeito a um processo de simulação compreendendo apenas entrada e saída
numérica, sem qualquer interação com a realidade física (seguindo a formulação
do conselho de referência, uma "simulação implementada por computador como
tal"). O EBA declarou que uma característica reivindicada de uma invenção
implementada por computador pode contribuir para o caráter técnico da invenção
não apenas se estiver relacionada a um efeito técnico na forma de entrada (por
exemplo, a medição de um valor físico) ou saída ( por exemplo, um sinal de
controle para uma máquina). Essa ligação direta com a realidade física não é
necessária em todos os casos. Em particular, os efeitos técnicos também podem
ocorrer dentro do processo implementado por computador (por exemplo, por
adaptações específicas de um computador ou de transferência de dados). Para
avaliar se uma simulação contribui para o caráter técnico da invenção
reivindicada, não é decisivo se um sistema ou processo técnico ou não técnico é
simulado.[1] Embora
o movimento de pessoas em si possa ser questionado sua natureza técnica, a
simulação destes movimentos de pedestres para projetar a estrutura de um
edifício possui natureza técnica.
Em G2/07 na área de biotecnologia
o EBA cita como válida a definição de invenção da Corte Federal de Justiça da
Alemanha (Bundesgerichtshof) em decisão de 1969 Rote Taube (X ZB 15/67) na qual
o termo invenção implica um aspecto técnico caracterizado “pelo ensino de
metodicamente utilizar forças naturais controláveis para atingir um resultado causal perceptível” “a teaching to methodically
utilize controllable natural forces to achieve a causal, perceivable result”.
O conteúdo cognitivo de dados não é visto em T1000/09 como natureza técnica uma
vez que a informação não pode ser percebida como “força da natureza”. A
evolução da tecnologia contudo permite ampliar o conjunto de desenvolvimentos científicos
enquadrados como técnicas. O uso do computador na patente em questão atende
portanto ao conceito de natureza técnica exigido pelo artigo 52 da EPC. O EBA
observa que não há necessidade de uma relação direta entre o simulador e a
realidade física simulada (como por exemplo no processamento de imagens em
VICOM T208/84) para que se caracterize sua natureza técnica, para que tal
simulação contribua para o caráter técnico da invenção e seja, portanto,
considerada na avaliação de atividade inventiva. O EBA distingue entre efeitos
técnicos potenciais de que trata T1173/97 (efeitos que em algum momento
posterior podem ser tornar-se interações diretas no mundo físico) de efeitos
virtuais, ou de dados calculados que ficam restritos aos ambiente virtual e que
não necessariamente se tornam efeitos técnicos reais. Para se caracterizar como
técnico não é necessária um efeito tangível (T533/09) . O fato do efeito ser
tangível não é uma abordagem que leve a uma delimitação mais precisa das
invenções patenteadas. No caso de simuladores a contribuição ao estado da técnica
reside exatamente nos modelos numéricos e algoritmos usados nas simulações de
computador.
O EBA cita como exemplo de simulador
de jogo de bilhar como não resolvendo um problema técnico enquanto que um
sistema de previsão meteorológica é entendido como a simulação de um sistema
que não é técnico (as condições atmosféricas) mas que contribui para a
avaliação de atividade inventiva. Segundo a abordagem em COMVIK é irrelevante
saber se o sistema simulado é técnico ou não. O que é importante é saber se a
simulação do sistema contribui para a solução de um problema técnico de modo a
que mera solução numérica do comportamento de um sistema não garante a presença de um efeito técnico do processo de simulação. Nestes sentido foi
entendido como invenções técnicas T1127/07 simulação de ruído em circuitos
eletrônicos, T625/11 simulação de reatores nucleares, T453/91 simulação de
fabricação de chips semicondutores, T471/05 simulação de sistemas ópticos e
como não técnico T531/09 simulação de pontos de segurança em um aeroporto, T1798/13
simulação financeira. Uma simulação numérica que contribui para uma solução de
um problema técnico pode até refletir aspectos não técnicos, como comportamento
humano, que podem ser descritos, por exemplo, por modelos de teoria dos jogos. Se
o fato que um sistema ou processo simulado foi baseado em princípios não técnicos
necessariamente significasse que a simulação não tem caráter técnico isso
levaria a discriminação contra alguns modelos numéricos sem qualquer base
legal para tal descriminação, logo não é necessária que esta simulação numérica
seja baseada em princípios técnicos. Características relativas ao projeto de um
produto podem contribuir para o caráter técnico da invenção reivindicada ainda
que o processo de projeto de algo seja normalmente considerado uma
característica cognitiva não técnica.
[1] https://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/communications/2021/20210310.html
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