Um meio deve em geral ser considerado equivalente quando é
óbvio para um técnico no assunto que o uso de tal meio atinge substancialmente
o mesmo resultado quanto aquele atingido através do meio especificado na
reivindicação. Isto pode ser entendido como o inverso do requisito de
patenteabilidade de uma invenção: dado que uma invenção só é patenteável senão não for óbvia à luz do estado da técnica, o escopo deve se estender também aos
meios cuja substituição seria óbvia para um técnico no assunto. O escopo de uma
patente não abrange alterações que derivam de atividade inventiva[1].
Denis Barbosa segue o mesmo raciocínio: “haverá equivalência quando seja óbvio para
uma pessoa versada na técnica (técnico no assunto) que o mesmo resultado
alcançado por meio do elemento como expresso na reivindicação pode ser
alcançado por meio do elemento equivalente, existente no produto alegadamente
infringente. Assim, quando o resultado alcançado não seja óbvio, a equivalência
não é aplicável”[2] e
ainda “na verdade, as noções de
equivalência e de atividade inventiva tiveram processos históricos
entrelaçados, especialmente sob a vigência da lei francesa de patentes de 1844.
O mesmo princípio que, num eixo temporal, diferencia um invento patenteável –
pois dotado de atividade inventiva – do estado da técnica, é aplicável no eixo
da análise de infringência, para saber se uma variável é tão próxima que
resulta em contrafação, ou distante o suficiente para constituir em
aperfeiçoamento – e assim entendem tanto o direito francês, quanto o italiano e
[...] a prática americana”[3].
Segundo os integrantes do
escritório Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira[4]: “se
uma concretização que se alega infringir uma reivindicação de patente resulta
de forma óbvia do estado da técnica, essa concretização não deve ser
considerada como estando no escopo de tal reivindicação. Por outro lado, se a
referida concretização não for óbvia à luz do estado da técnica, pode-se
considerar que há infração por equivalência se essa concretização deriva de
forma óbvia dos ensinamentos da patente, contanto, é claro, que o escopo
pretendido seja razoavelmente suportado pelos termos das reivindicações”. Ivan
Ahlert explica: “Se um determinado
produto em análise para determinação de infração de uma patente é óbvio frente
ao estado da técnica (i.e., o estado da técnica relativo àquela patente), então
evidentemente esse produto não pode estar dentro do escopo de proteção da
patente, porque a reivindicação dessa patente seria nula se cobrisse matéria
óbvia. Por outro lado, se o produto apresenta características que não
configuram infração literal da reivindicação da patente, mas constituem alterações
óbvias das características reivindicadas, então poderá haver infração por
equivalência”.[5]
Segundo Thomas Adam[6]:
“ao aplicar o mesmo padrão de um lado, ao
titular da patente e do outro lado aos seus concorrentes o objetivo da Lei de
patentes de equilibrar interesses competitivos e com isso criando igualdade de
armas”. Donald Chisum destaca princípio fixado pela Suprema Corte em Knapp
v. Morss 150 US 221 (1893) e em Peters v. Active Mfg. 129 US 530 (1899) de que
“aquilo será contrafação, se posterior, será considerado antecipando a
novidade, se anterior” (that which will
infringe, if later, will anticipate, if earlier). [7] Este
entendimento também foi corroborado em Bristol
Myers Squibb v. Bem Venue Labs.[8] Adam
Jaffe e Josh Lerner contudo observam que enquanto as cortes exigem “clear and convincing evidence” para um
terceiro anular uma patente, o titular de uma patente basta mostrar “preponderance of the evidence” de que há
contrafação, o que para os autores mostra uma balança favorável aos titulares
da patente[9]
Se um produto Y é equivalente ao produto patenteado X, não
se justifica uma nova patente para Y. Por outro lado, se o produto Y não é
equivalente a X, a possibilidade de uma patente para Y pode se justificar desde
que Y tenha atividade inventiva diante de X. Se Y justifica uma nova patente para
um aperfeiçoamento indepedente de X, então não há contrafação, exceto para o
caso de patentes dependentes. Logo o critério de patenteabilidade é mais
rigoroso que o de contrafação. Enquanto a equivalência/contrafação se define
pelas semelhanças (mesmo efeitos, mesma função), a atividade
inventiva/patenteabilidade se analisa pelas diferenças (não óbvio para técnico
no assunto diante do estado da técnica). Mesmo que sejam detectados acréscimos
no objeto contrafeito isto não tem qualquer efeito na análise de contrafação,
que está interessada em identificar os elementos essenciais da reivindicação da
patente presentes no objeto contrafeito. Neste caso a análise é feita
buscando-se as semelhanças entre objeto contrafeito e a patente. Por outro
lado, estes acréscimos serão fundamentais para se avaliar a atividade inventiva
da patente, que é feita, portanto, com base nas diferenças entre o estado da
técnica e a patente. O escopo de uma patente tem inerente um paradoxo: quanto
mais amplo o escopo da patente, maiores são os direitos do titular porém maiores são as chances de se encontrar
anterioridades para esta patente e restringir seu escopo.
Nos casos das patentes de segundo uso esta questão se torna
crítica. Considere uma patente concedida para o produto X e seu primeiro uso.
Uma vez expirada esta patente qualquer empresa poderá fabricar este produto
para este primeiro uso. Não há como estender esta proteção (evergreening) para
este produto em seu primeiro uso. Considere que, durante a vigência de X uma
segunda patente Y seja concedida para um segundo uso apenas, considerado novo,
surpreendente e inventivo em relação ao que se conhece do estado da técnica.
Esta segunda patente Y é considerada, portanto, inventiva em relação a X. A
fabricação deste produto para este novo uso configura uma contrafação da
patente X que protege o produto. Temos aqui um caso de dependência de patentes.
Mas considere que o titular da patente de B compre legalmente no mercado
interno o produto X e decidam mudar a embalagem e marca deste produto
revendendo-o para este segundo uso. Ao comprar legalmente no mercado interno o
produto objeto da patente de X houve exaustão de direitos. Neste caso a venda
de B pelo titular da patente de B não se configura como contrafação, assim como a
venda mesmo para o primeiro uso também não seria contrafação porque houve
exaustão de direitos quando da compra legal deste produto. Um fabricante Z que
adquira legalmente o produto de X e o venda para o segundo uso, estará por sua
vez em contrafação com a patente B, pois para este não houve exaustão de
direitos.
Considere por hipótese que A seja inventivo em relação a um documento
do estado da técnica D, porque D está muito distante de A. Se este mesmo D
tivesse data posterior ao depósito da patente A e fosse comercializado, este
mesmo D não seria considerado uma contrafação de A, pois existem elementos
essenciais de A que não estão contemplados em D, seja literal ou por equivalência,
portanto não há contrafação. Por outro lado considere por hipótese que A não seja
inventivo em relação a um documento do estado da técnica B, porque B está muito
próximo de A. Se este mesmo B tivesse data posterior ao depósito da patente A e
fosse comercializado, este mesmo B seria considerado uma contrafação de A, pois
todos os elementos essenciais de A estão contemplados em B, seja literal ou por
equivalência, portanto há contrafação. O exemplo hipotético mostra a correlação
entre níveis de inventividade para concessão de uma patente e os níveis de
equivalência usados na aferição da contrafação de uma patente. Pareceria
injusto desprezarmos uma anterioridade e concedermos uma patente para depois
considerarmos um produto comercializado no mercado com estas mesmas
características da anterioridade e concluirmos que o mesmo está dentro do
escopo da patente.
Balmes Garcia, contudo, baseado na doutrina francesa, entende de forma distinta e alega que não se deve confundir a etapa de determinação da equivalência na fase de patenteabilidade (como critério de não obviedade para concessão de uma patente) e a equivalência na determinação da extensão da proteção conferida pela patente quando da apreciação da contrafação, pois os mesmos tem diferentes níveis de calibração[10]: “comparando a noção de meios equivalentes quanto à patenteabilidade e à contrafação, percebe-se, a despeito da quase coincidência de ambas, que a segunda é mais rigorosa que a primeira, podendo a nova invenção escapar à determinada anterioridade, vindo a não ser alcançada pela não evidência em relação a ser considerada patenteável e, contudo, ser, ainda assim, considerada contrafação, não escapando à noção de equivalência empregada nesta análise [...] A equivalência na patenteabilidade pressupõe um resultado de mesmo grau ou de idêntica qualidade. Por outro lado, a caracterização da contrafação por equivalência é muito mais simples: basta que o resultado seja semelhante”. A Figura mostra de forma gráfica o conceito exposto por Balmes Garcia. Considere uma patente A e que temos B como anterioridade. B está bem próximo de A e portanto A não tem atividade inventiva. Se este B tivesse data posterior o mesmo seria uma contrafação de A. Por outro lado D está distante o suficiente de A para que A tenha atividade inventiva. Se este mesmo D tivesse data posterior, como tecnicamente é muito distante de A o mesmo também não configura contrafação de A. Porém, e este é o ponto destacado por Balmes Garcia, o documento C está distante suficiente de A para que A tenha atividade inventiva, porém este mesmo C, se com data posterior seria considerado uma contrafação de A. O escopo de proteção da patente A alcança C (em laranja na figura), mas como anterioridade, não seria suficiente para impedir a patente A (em laranja na figura). O critério de equivalência (atividade inventiva) usado para se conceder uma patente é mais brando, ou seja é mais ”fácil” conceder a patente e escapar de C, quando comparado com o critério de equivalência usado na contrafação. Dito de outra forma, o limiar de inventividade para aferição de “atividade inventiva” exigido para patenteabilidade de uma criação é diferente do limiar de equivalência para caracterizar uma contrafação. Nesta perspectiva exposta por Balmes Garcia, é mais difícil escapar de uma situação de contrafação do que ter nível inventivo suficiente para se conceder uma nova patente. Esta perspectiva concede mais patentes, ao passo que confere maior escopo de proteção às mesmas do que a primeira perspectiva exposta.
[1] Comentários à Lei de Propriedade Industrial e correlatos, Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira, Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 358
[2] BARBOSA, Denis. Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, in. Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p.241
[3] BARBOSA, Denis. Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, in. Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p.249 apud Atividade Inventiva como requisito de objetividade, Denis Barbosa, Revista Criação, n.1, p.43, Rio de Janeiro:IBPI, 2008 http://www.denisbarbosa.addr.com/atividade.pdf, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Denis Borges Barbosa, Rodrigo Souto Maior, Carolina Tinoco Ramos, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.41
[4] IDS-Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual - Comentários À Lei Da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro:Ed. Renovar 2005.
[5] Pibrasil 20 de abril de 2010
[6] ADAM, Thomas. O escopo das patentes e a doutrina dos equivalentes: aspectos críticos, in Scientia 2000: propriedade intelectual para a academia. Org. Claudia Inês Chamas, Fiocruz, MCT, Fundação Konrad Adenauer, 2003, p.23
[7] CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-36
[8] 246 F.3d 1368, 1378 (Fed.Cir.2001) cf. BROWN, Anne; POLYAKOV, Mark. The accidental and inherent anticipation doutrines: where do we stand and where are we going ? The John Marshall Review of Intellectual Property Law, v.63, 2004, p.88
[9] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 3454/5128 (kindle version)
[10] GARCIA, Balmes. Contrafação de patentes, São Paulo: LTR, 2004, p. 68
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