quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Medicamentos sem patentes = sem inovação

O Brasil suspendeu o patenteamento de produtos farmacêuticos em 1945 e de processos farmacêuticos em 1969. Em 1971 a exclusão seria ampliada para produtos químicos farmacêuticos bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação. Anos de liberdade de cópia e ausência de patentes não trouxeram qualquer desenvolvimento tecnológico autônomo na área de fármacos no Brasil, ao contrário, somente com a LPI surgem os primeiros fármacos desenvolvidos no país. Com ausência de uma política pública para o setor e o grande incremento na inovação da tecnologia de empresas estrangeiras observado desde o final da segunda grande guerra e as políticas de incentivo à entrada de capitais estrangeiros que caracterizaram a política econômica na década de 50, foram alguns dos aspectos que contribuíram para enfraquecer o poder de competição das empresas nacionais. O resultado foi uma grande onda de desnacionalização da indústria farmacêutica nacional nos anos 1960. 

Assim foram vedidos a Laboraterápica para Bristol (1957),  Moura Brasil para Merrel (1958), Endochimica para Mead Johnson (1960), Novotherápica para Bracco (1961), Sintético para Searle (1967), Instituto Pinheiros para Syntex (1972), Quimioframa para Boehringer (1972), Procampo para Schering (1974)[1] Peter Evans cita o exemplo a indústria farmacêutica como “arquétipo da desnacionalização”.[2] Para Evans “as primeiras firmas brasileiras a serem compradas era as que dispunham de uma tradição científica mais respeitada. Para a firma compradora estrangeira, quanto maior a reputação da firma entre a comunidade médica, maior a utilidade que ela teria para conseguir a aceitação de sua linha de produtos. A maior parte das firmas compradoras internacionais continuaram a vender os produtos criados pelas empresas que compraram”.

Segundo João Furtado: “Entre 1958 e 1972, quarenta e três empresas nacionais foram incorporadas por empresas de capital estrangeiro, sobretudo estadunidense (Bermudez, 1992). Empresas que haviam obtido relativo sucesso, como o Instituto Pinheiros e a Laborterápica, foram incorporadas por grupos estrangeiros que deixaram de produzir a linha de medicamentos até então existente, tão logo concretizaram a compra dos laboratórios nacionais. Além disso, os antigos donos – em muitos casos cientistas qualificados – foram afastados, reduzindo significativamente a competência científica e tecnológica da indústria local (Ribeiro, 2001). Este padrão, muitas vezes repetido neste e em outros setores, indica de maneira clara os objetivos da aquisição – acesso rápido ao mercado brasileiro. Em 1945, as empresas de capital nacional representavam 70% do mercado local, participação que caiu para aproximadamente 25% no final da década de 1970. Em 1957, constavam cinco laboratórios nacionais entre as vinte maiores empresas do mercado brasileiro. Em 1960, esse número caiu para quatro e, em 1975, se reduziu para uma única empresa (Bermudez, 1992). Em 1985, entre os 50 maiores laboratórios, que representavam 84% do mercado brasileiro, apenas cinco eram de capital nacional e os 15 maiores laboratórios nacionais respondiam por apenas por cerca de 11% do faturamento total da indústria (Gerez e Pedrosa, 1987)”.[3]

Um estudo da Codetec estima em que as multinacionais acumularam perdas de 0.6% de seu faturamento (vendas em farmácias) com as cópias de seus medicamentos pirateados no Brasil, enquanto que dados elaborados pelo IMS/Glaxo elevam estas perdas para algo em torno de 13%. A Glaxo, por exemplo, faturou entre março de 1991 e março de 1992 US$ 17,6 milhões com a venda de seu medicamento Antak, ao passo que cinco cópias do mesmo produto faturaram no mesmo período US$ 16,7 milhões. [4]

Segundo Jose Goldemberg em artigo escrito logo após a aprovação da LPI: “o melhor exemplo disso foi o que aconteceu com a decisão do governo, em 1971, de não permitir o patenteamento de produtos farmacêuticos, para que este setor da indústria nacional se fortalecesse. Isso permitiu aos laboratórios nacionais entrarem com o método de cópia de similar estrangeiro. A ideia era de que grandes investimentos fossem feitos em desenvolvimento científico, de modo que, quando uma nova lei de patentes fosse introduzida, o país já tivesse atingido capacitação própria. Esse esforço não teve sucesso, o que justificou a adoção da nova lei de patentes, que não permite a pirataria. Claramente nesse caso, o setor empresarial não teve a capacidade de se beneficiar das vantagens concedidas pelo governo durante vinte e cinco anos”. [5]

Com a proteção por patentes, a partir de 1996, começaram a surgir os primeiros remédios feitos por laboratórios brasileiros como

  • a vacina contra hepatite B do Instituto Butantã, um analgésico equivalente a morfina baseado no veneno da cobra Crotalus terrificus cujos direitos de propriedade industrial estão sendo explorados pelo consórcio CAT-COINFAR que reúne o Instituto Butantã, Biolab, Biosintétic e União Química,
  • o anti-inflamatório Acheflan desenvolvido pela equipe do prof. Calixto da USP e a Aché [6] 
  • a vacina contra câncer da FK Biotecnologia [7],
  • molécula, patenteada com o nome Lapdesf1, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para aliviar os sintomas da anemia falciforme une os benefícios da talidomida e do quimioterápico hidroxiureia – já usado no tratamento crônico da doença – sem apresentar os efeitos tóxicos das drogas originais. A talidomida foi usada como sedativo e antiemético (contra náuseas), foi retirada do mercado em todo o mundo nos anos 1960 depois de provocar uma epidemia de recém-nascidos com malformações. Foi posteriormente reintroduzida nos anos 1990 para tratamento de câncer, hanseníase, lúpus e Aids.[8]
  • Denominado HIVBr18, foi desenvolvido e patenteado uma vacina contra a AIDS pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Edecio Cunha Neto, Jorge Kalil e Simone Fonseca. Em agosto de 2013 a vacina começou a ser testada em macacos. [9]
  • A Cristália é detentora de dezenas de patentes de medicamentos, muitos dos quais com patente obtida no exterior. O Sevocris é um anestésico inalatório que tem como princípio ativo o sevoflurano. O Cristália foi o segundo laboratório do mundo a desenvolver o medicamento. A maior oferta proporcionou a queda no preço do produto, com maior acesso da população a um anestésico de ponta. Após a entrada de Sevocris no mercado, o preço de sevoflurano, hoje, é 1/3 do preço original. O Cristália já havia patenteado o produto na Europa, México, Japão e China. O Ketamin é um anestésico venoso criado na década de 50 que não vinha mais sendo usado. Sua fórmula é composta por duas partes. Uma delas causa muitos efeitos colaterais. O Cristália desenvolveu o Ketamin S+, composto apenas pela parte mais eficaz, possibilitando a redução da dose da medicação e dos efeitos adversos observados com a formulação original.[10]
  • Na área dermatológica a PeleNova desenvolveu novos produtos com patentes negociadas junto a empresa francesa Valeant Pharmaceuticals International, vacinas contra câncer e HIV/AIDS desenvolvidas pela Genoa e licenciadas para a Lysosomal Membrane Associated Protein dos Estados Unidos, medicamentos para tratamento de câncer de seio e de ovário desenvolvidos no âmbito do projeto Recepta que reúne universidades brasileiras e dos Estados Unidos[11]

O Instituto Pinheiros era esta casa no bairro de Pinheiros no ano de sua fundação, 1928. O desenho, um bico-de-pena é provavelmente de A. Esteves, que trabalhava no Instituto [12].



[1] VARELLA, Marcelo Dias. Propriedade Intelectual de setores emergentes. Sâo Paulo:Atlas, 1996 p.157
[2] EVANS, Peter. A tríplice Aliança. Rio de Janeio:Zahar, 1980, p. 114
[3] FURTADO, João. Estúdio sextorial sector farmacêutico de Brasil, Ciencia, Desarrollo y Educación Superior (Redes) - Centro de Formación para la Integración Regional (CEFIR), 2010, http://idl-bnc.idrc.ca/dspace/bitstream/10625/45331/1/131797.pdf
[4] TACHINARDI, Maria Helena. A guerra das patentes, Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1993, p. 180
[5] CHINEN, Akira. Know how e propriedade industrial, São Paulo:Ed. Oliveira Mendes, 1997, p.27
[6] http: //www.redetec.org.br/inventabrasil/acheflan.htm.
[7] http: // www.redetec.org.br/inventabrasil/fkbiotec.htm.
[8] TOLEDO, Karina. Fármaco brasileiro mostra bons resultados contra anemia falciforme, 19/08/2013 http://agencia.fapesp.br/17725
[9] TOLEDO, Karina. Vacina brasileira contra a Aids será testada em macacos, 05/08/2013 http://agencia.fapesp.br/17655
[10] http://www.2cristalia.com.br/profissionais/projetos.php
[11] RYAN, Michael. Patent incentives, technology markets and public-private bio-medical innovation networks in Brazil. World Development, 2010, v.38, n.8. p. 1082-1093
[12] http://www.taboaoonline.com.br/DADOS2.htm

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