domingo, 16 de fevereiro de 2014

Teoria de Equivalentes: um estudo

Um meio deve em geral ser considerado equivalente quando é óbvio para um técnico no assunto que o uso de tal meio atinge substancialmente o mesmo resultado quanto aquele atingido através do meio especificado na reivindicação. Isto pode ser entendido como o inverso do requisito de patenteabilidade de uma invenção: dado que uma invenção só é patenteável senão não for óbvia à luz do estado da técnica, o escopo deve se estender também aos meios cuja substituição seria óbvia para um técnico no assunto. O escopo de uma patente não abrange alterações que derivam de atividade inventiva[1].
Denis Barbosa segue o mesmo raciocínio: “haverá equivalência quando seja óbvio para uma pessoa versada na técnica (técnico no assunto) que o mesmo resultado alcançado por meio do elemento como expresso na reivindicação pode ser alcançado por meio do elemento equivalente, existente no produto alegadamente infringente. Assim, quando o resultado alcançado não seja óbvio, a equivalência não é aplicável[2] e ainda “na verdade, as noções de equivalência e de atividade inventiva tiveram processos históricos entrelaçados, especialmente sob a vigência da lei francesa de patentes de 1844. O mesmo princípio que, num eixo temporal, diferencia um invento patenteável – pois dotado de atividade inventiva – do estado da técnica, é aplicável no eixo da análise de infringência, para saber se uma variável é tão próxima que resulta em contrafação, ou distante o suficiente para constituir em aperfeiçoamento – e assim entendem tanto o direito francês, quanto o italiano e [...] a prática americana[3].
Segundo os integrantes do escritório Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira[4]: “se uma concretização que se alega infringir uma reivindicação de patente resulta de forma óbvia do estado da técnica, essa concretização não deve ser considerada como estando no escopo de tal reivindicação. Por outro lado, se a referida concretização não for óbvia à luz do estado da técnica, pode-se considerar que há infração por equivalência se essa concretização deriva de forma óbvia dos ensinamentos da patente, contanto, é claro, que o escopo pretendido seja razoavelmente suportado pelos termos das reivindicações”. Ivan Ahlert explica: “Se um determinado produto em análise para determinação de infração de uma patente é óbvio frente ao estado da técnica (i.e., o estado da técnica relativo àquela patente), então evidentemente esse produto não pode estar dentro do escopo de proteção da patente, porque a reivindicação dessa patente seria nula se cobrisse matéria óbvia. Por outro lado, se o produto apresenta características que não configuram infração literal da reivindicação da patente, mas constituem alterações óbvias das características reivindicadas, então poderá haver infração por equivalência”.[5]
Segundo Thomas Adam[6]: “ao aplicar o mesmo padrão de um lado, ao titular da patente e do outro lado aos seus concorrentes o objetivo da Lei de patentes de equilibrar interesses competitivos e com isso criando igualdade de armas”. Donald Chisum destaca princípio fixado pela Suprema Corte em Knapp v. Morss 150 US 221 (1893) e em Peters v. Active Mfg. 129 US 530 (1899) de que “aquilo será contrafação, se posterior, será considerado antecipando a novidade, se anterior” (that which will infringe, if later, will anticipate, if earlier). [7] Este entendimento também foi corroborado em Bristol Myers Squibb v. Bem Venue Labs.[8] Adam Jaffe e Josh Lerner contudo observam que enquanto as cortes exigem “clear and convincing evidence” para um terceiro anular uma patente, o titular de uma patente basta mostrar “preponderance of the evidence” de que há contrafação, o que para os autores mostra uma balança favorável aos titulares da patente[9]
Se um produto Y é equivalente ao produto patenteado X, não se justifica uma nova patente para Y. Por outro lado, se o produto Y não é equivalente a X, a possibilidade de uma patente para Y pode se justificar desde que Y tenha atividade inventiva diante de X. Se Y justifica uma nova patente para um aperfeiçoamento indepedente de X, então não há contrafação, exceto para o caso de patentes dependentes. Logo o critério de patenteabilidade é mais rigoroso que o de contrafação. Enquanto a equivalência/contrafação se define pelas semelhanças (mesmo efeitos, mesma função), a atividade inventiva/patenteabilidade se analisa pelas diferenças (não óbvio para técnico no assunto diante do estado da técnica). Mesmo que sejam detectados acréscimos no objeto contrafeito isto não tem qualquer efeito na análise de contrafação, que está interessada em identificar os elementos essenciais da reivindicação da patente presentes no objeto contrafeito. Neste caso a análise é feita buscando-se as semelhanças entre objeto contrafeito e a patente. Por outro lado, estes acréscimos serão fundamentais para se avaliar a atividade inventiva da patente, que é feita, portanto, com base nas diferenças entre o estado da técnica e a patente. O escopo de uma patente tem inerente um paradoxo: quanto mais amplo o escopo da patente, maiores são os direitos do titular porém maiores são as chances de se encontrar anterioridades para esta patente e restringir seu escopo.
Nos casos das patentes de segundo uso esta questão se torna crítica. Considere uma patente concedida para o produto X e seu primeiro uso. Uma vez expirada esta patente qualquer empresa poderá fabricar este produto para este primeiro uso. Não há como estender esta proteção (evergreening) para este produto em seu primeiro uso. Considere que, durante a vigência de X uma segunda patente Y seja concedida para um segundo uso apenas, considerado novo, surpreendente e inventivo em relação ao que se conhece do estado da técnica. Esta segunda patente Y é considerada, portanto, inventiva em relação a X. A fabricação deste produto para este novo uso configura uma contrafação da patente X que protege o produto. Temos aqui um caso de dependência de patentes. Mas considere que o titular da patente de B compre legalmente no mercado interno o produto X e decidam mudar a embalagem e marca deste produto revendendo-o para este segundo uso. Ao comprar legalmente no mercado interno o produto objeto da patente de X houve exaustão de direitos. Neste caso a venda de B pelo titular da patente de B não se configura como contrafação, assim como a venda mesmo para o primeiro uso também não seria contrafação porque houve exaustão de direitos quando da compra legal deste produto. Um fabricante Z que adquira legalmente o produto de X e o venda para o segundo uso, estará por sua vez em contrafação com a patente B, pois para este não houve exaustão de direitos.
Considere por hipótese que A seja inventivo em relação a um documento do estado da técnica D, porque D está muito distante de A. Se este mesmo D tivesse data posterior ao depósito da patente A e fosse comercializado, este mesmo D não seria considerado uma contrafação de A, pois existem elementos essenciais de A que não estão contemplados em D, seja literal ou por equivalência, portanto não há contrafação. Por outro lado considere por hipótese que A não seja inventivo em relação a um documento do estado da técnica B, porque B está muito próximo de A. Se este mesmo B tivesse data posterior ao depósito da patente A e fosse comercializado, este mesmo B seria considerado uma contrafação de A, pois todos os elementos essenciais de A estão contemplados em B, seja literal ou por equivalência, portanto há contrafação. O exemplo hipotético mostra a correlação entre níveis de inventividade para concessão de uma patente e os níveis de equivalência usados na aferição da contrafação de uma patente. Pareceria injusto desprezarmos uma anterioridade e concedermos uma patente para depois considerarmos um produto comercializado no mercado com estas mesmas características da anterioridade e concluirmos que o mesmo está dentro do escopo da patente.

Balmes Garcia, contudo, baseado na doutrina francesa, entende de forma distinta e alega que não se deve confundir a etapa de determinação da equivalência na fase de patenteabilidade (como critério de não obviedade para concessão de uma patente) e a equivalência na determinação da extensão da proteção conferida pela patente quando da apreciação da contrafação, pois os mesmos tem diferentes níveis de calibração[10]: “comparando a noção de meios equivalentes quanto à patenteabilidade e à contrafação, percebe-se, a despeito da quase coincidência de ambas, que a segunda é mais rigorosa que a primeira, podendo a nova invenção escapar à determinada anterioridade, vindo a não ser alcançada pela não evidência em relação a ser considerada patenteável e, contudo, ser, ainda assim, considerada contrafação, não escapando à noção de equivalência empregada nesta análise [...] A equivalência na patenteabilidade pressupõe um resultado de mesmo grau ou de idêntica qualidade. Por outro lado, a caracterização da contrafação por equivalência é muito mais simples: basta que o resultado seja semelhante”. A Figura mostra de forma gráfica o conceito exposto por Balmes Garcia. Considere uma patente A e que temos B como anterioridade. B está bem próximo de A e portanto A não tem atividade inventiva. Se este B tivesse data posterior o mesmo seria uma contrafação de A. Por outro lado D está distante o suficiente de A para que A tenha atividade inventiva. Se este mesmo D tivesse data posterior, como tecnicamente é muito distante de A o mesmo também não configura contrafação de A. Porém, e este é o ponto destacado por Balmes Garcia, o documento C está distante suficiente de A para que A tenha atividade inventiva, porém este mesmo C, se com data posterior seria considerado uma contrafação de A. O escopo de proteção da patente A alcança C (em laranja na figura), mas como anterioridade, não seria suficiente para impedir a patente A (em laranja na figura). O critério de equivalência (atividade inventiva) usado para se conceder uma patente é mais brando, ou seja é mais ”fácil” conceder a patente e escapar de C, quando comparado com o critério de equivalência usado na contrafação. Dito de outra forma, o limiar de inventividade para aferição de “atividade inventiva” exigido para patenteabilidade de uma criação é diferente do limiar de equivalência para caracterizar uma contrafação. Nesta perspectiva exposta por Balmes Garcia, é mais difícil escapar de uma situação de contrafação do que ter nível inventivo suficiente para se conceder uma nova patente. Esta perspectiva concede mais patentes, ao passo que confere maior escopo de proteção às mesmas do que a primeira perspectiva exposta.






[1] Comentários à Lei de Propriedade Industrial e correlatos, Dannemann, Siemsen, Bigler & Ipanema Moreira, Rio de Janeiro:Renovar, 2001, p. 358
[2] BARBOSA, Denis. Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, in. Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p.241
[3] BARBOSA, Denis. Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, in. Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p.249 apud Atividade Inventiva como requisito de objetividade, Denis Barbosa, Revista Criação, n.1, p.43, Rio de Janeiro:IBPI, 2008 http://www.denisbarbosa.addr.com/atividade.pdf, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Denis Borges Barbosa, Rodrigo Souto Maior, Carolina Tinoco Ramos, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.41
[4] IDS-Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual - Comentários À Lei Da Propriedade Industrial, Rio de Janeiro:Ed. Renovar 2005.
[5] Pibrasil 20 de abril de 2010
[6] ADAM, Thomas. O escopo das patentes e a doutrina dos equivalentes: aspectos críticos, in Scientia 2000: propriedade intelectual para a academia. Org. Claudia Inês Chamas, Fiocruz, MCT, Fundação Konrad Adenauer, 2003, p.23
[7] CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, v.1, p.3-36
[8] 246 F.3d 1368, 1378 (Fed.Cir.2001) cf. BROWN, Anne; POLYAKOV, Mark. The accidental and inherent anticipation doutrines: where do we stand and where are we going ? The John Marshall Review of Intellectual Property Law, v.63, 2004, p.88
[9] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents: how our broken patent system is endangering innovation and progress, and what to do about it. Princeton University Press, 2007, p. 3454/5128 (kindle version)
[10] GARCIA, Balmes. Contrafação de patentes, São Paulo: LTR, 2004, p. 68

Nenhum comentário:

Postar um comentário