Carlos Maximiliano em "Hermenêutica e
Aplicação do Direito" nos diz que devemos procurar na jurisprudência,
doutrina, no direito comparado, nos costumes, a melhor resposta para o entendimento da Lei. Este blog já citou o
direito comparado de países como Israel, China e Inglaterra que tem texto muito similar ao brasileiro de não considerar como invenções os programas de computador em si, e a
grande maioria entende que é possível a concessão de patentes de métodos
implementados por software, distinguindo sempre o método do software em si. A prática do INPI, por sua vez, tem sido a de concessão a pelo menos vinte
anos. Este post mostra o que diz a doutrina, ou seja, pessoas
que atuam na área de PI, tem livros publicados sobre o assunto e que admitem a
possibilidade de tais patentes em diferentes graus.
Segundo Marcos
Waschowicz[1] "A exclusão da patenteabilidade
dos programas de computador em si é decorrente da proteção específica da tutela
pelo Direito Autoral. Porém, a exclusão não se desdobra linearmente para os
software inventions que combinem características de processo ou de produto com
etapas de programa de computador".
Pedro de Paranaguá
Moniz [2] ao comentar o inciso V do Artigo 10 da LPI observa que o mesmo refere-se
aquilo que está protegido sobre a égide da Lei nº 9609/98 e Lei nº 9610/98.
Quanto a exclusão aos métodos matemáticos: “pode ser objeto de patente um
produto ou processo industrial executado segundo uma fórmula matemática [...]
Até porque, todo processo executado passo a passo, seja ele eletrônico ou
químico ou mecânico, envolve um algoritmo no sentido amplo do termo”. Ao
analisar a perspectiva norte-americana, européia e o ordenamento jurídico
nacional Pedro Paranaguá conclui: “Através da analogia com a evolução da
proteção jurídica dos programas de computador, as exclusões do conceito legal
de invenção tendem a ser interpretadas de maneira restritiva [...] Se o método,
que per se estaria excluído do patenteamento, estiver associado a algum caráter
tecnológico, então o conjunto formado pelo método, associado à tecnologia, pode
ser considerado patenteável”.
Paulo Bastos Tigre[3], ainda que bastante crítico à concessão
de tais patentes, reconhece um amplo escopo de possibilidades de concessão: “As
patentes relacionadas aos sistemas de controle dedicados, definidas como
software embarcado sempre foram admitidas pelas instituições de registro de
patentes. Programas de controle de equipamentos e sistemas de freio ABS em
automóveis, programas embutidos em telefones celulares e máquinas de lavar, não
tem sido objeto de controvérsias relevantes. Porém observa-se claramente que a
maioria dos debates relativos à patenteabilidade de invenções implementadas por
computador gira em torno do critério, escopo e forma de proteção em que devem
ser concedidas patentes relacionadas ao software puro, ou seja, softwares cuja
aplicação destina-se a computadores de aplicações gerais, tais como o
microcomputador pessoal”.
Escrevendo alguns
meses antes da aprovação da LPI, José Carlos Tinoco Soares recomenda: “preciso
será, por conseguinte, que o texto da lei nova se efetivamente aprovado, mereça
a consideração que se espera do INPI, ou melhor, recebendo, processando e
conferindo os pedidos de patente para os programas de computador, sob uma
combinação de programa e componentes físicos. Por via de conseqüência lógica
não deve aquele órgão passar a indeferir os pedidos sumariamente, ou só por
entender que os mesmos se referem aos programas de computador per se porque
estes estão proibidos expressamente”[4]. O mesmo autor já em 1975 emitia posição
favorável a concessão de tais patentes, em resposta a questionamento da AIPPI:
“é nossa opinião que se altere não só a lei brasileira como também a dos
demais países interessados, permitindo o privilégio dos programas de computador
por um tempo determinado e não excedendo o máximo de cinco anos, contados da
data de depósito. Com tal proteção estariam os legitimamente interessados em
condições de agir contra terceiros que eventualmente venham interferir em seus
direitos, reproduzindo-os ou imitando-os”.[5]
Gabriel Di Blasi entende que[6] “O acréscimo do termo em si acaba
por revelar que o programa, ele mesmo, não é considerado invenção. Mas quando o
dito programa estiver instalado em um hardware (equipamento) e o funcionamento
deste hardware depender do programa, então este conjunto poderá ser considerado
invenção”, sendo determinante para a patenteabilidade “o reconhecimento
do efeito técnico alcançado”. [7]
Manoel Joaquim Santos, traçando os limites de proteção entre o direito
autoral e o sistema de patentes afirma que[8] “A funcionalidade no seu aspecto
abstrato escapa da tutela legal pelos institutos da propriedade intelectual
porque integra o domínio das ideias. As soluções técnicas para os problemas
específicos, que são implementadas pelo programa, podem ser objeto de patente
desde que atendam os requisitos de novidade, atividade inventiva e utilidade
industrial estabelecidos pelo direito patentário”.
Para o escritório Dannemann[9]: “Os programas de computador em si são
protegidos por lei específica. A exclusão não se estende aos chamados software
inventions, ou seja, aquelas criações que combinam características de processo
ou de produto com etapas de programa de computador”.
Segundo Roberto Chacon: “o direito de patentes deve proteger
indiretamente os programas de computador. Patentes podem ser conferidas às
invenções relacionadas a programa de computador, consubstanciadas em processos
informáticos relacionados à utilização de um programa como meio de maximização
do funcionamento de um computador de uma maneira absolutamente inovadora, ou
como meio de controle de um processo industrial ... Somente as invenções
relacionadas a programa de computador nas quais o software controle um processo
industrial poderão ser mais facilmente protegidas pelo direito das patentes.
Quando um programa de computador monitorar a execução de um processo
industrial, controlando, por exemplo,a temperatura de um forno siderúrgico,
talvez se esteja diante de uma invenção patenteável”[10].
Para Roberto Chacon[11]: “as invenções relacionadas a
programa de computador, sem prejuízo da proteção do direito autoral à sequência
de instruções pertencente ao software que maximiza o funcionamento do hardware
ou que pilota um processo industrial, devem usufruir da proteção que lhes
corresponder por aplicação do direito das patentes”.
Segundo Gustavo Leonardos[12], a proibição do art.10, inciso iii, deve
ser lida com a mesma terminação do item V - programas de computador em si; para
não violar o artigo 27 de TRIPS, que estabelece que qualquer invenção, de
produto ou processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável: “O
artigo proíbe discriminações quanto ao setor tecnológico e se o Brasil não
seguir o TRIPS estará sujeito a retaliações”.
Segundo Denis
Barbosa: “enquanto um programa de computador em si não é nunca objeto de
proteção por patente (por ser expressão ... ), ele pode incorporar ou expressar
ideias e, mais, pode dar a certas soluções teóricas o caráter de ação prática
sobre o universo circundante, vale dizer, o requisito de utilidade industrial
que exigem as Leis de patentes. São estas as chamadas patentes de software”[13]. Denis
Barbosa inclui no escopo das ditas “criações industriais” o software em si, os cultivares, sistemas de
organização de produção, como o método PERT[14] porém ressalta[15] que “sem prejuízo das
eventuais patentes de software, a Carta prevê sob o pálio das criações
industriais, a tutela dos programas de computador, como categoria distinta dos
privilégios industriais”.
Gustavo Morais
analisa o cenário anterior à entrada da LPI e destaca que “o INPI parece
estar seguindo a tendência hoje predominante nos países mais avançados, em que
há a concessão de patentes, inclusive, para aquelas máquinas de uso específico
e seus respectivos processos de operação, nas quais os computadores se
transformam quando programados”. [16]
Para Denis Barbosa as proteções patentária e autoral são complementares
protegendo objetos distintos: “o sistema da Lei 9.609/98 protege o programa
de computador em si, o que é vedado por este inciso V. Todo o objeto tutelado
por aquela lei jamais será protegido pela Lei 9.279/96. E tudo aquilo que
protege aquela lei jamais será protegido por esta”.[17] Na leitura adequada do Artigo 10 da LPI
Denis Barbosa entende que: “O programa de computador, tal como definido pelo
artigo 1º da Lei nº 9609/98 (programa em si) é sempre excluído de
patenteabilidade [...] No entanto, os elementos técnicos, relativos a programa
de computador, desde que excluídos da definição do artigo 1º da Lei nº 9609/98
podem ser levados em conta para apurar se há – ou não – uma contribuição ao
estado da técnica suscetível de ser premiada com uma patente. No caso em que a
contribuição esteja contida em programa de computador reivindicado para que se
faça seu emprego necessariamente em um sistema específico, compreendendo
máquinas automáticas de tratamento de informação, dispositivos, instrumentos ou
equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los
funcionar de modo e para fins determinados, presume-se que esteja satisfeito o
critério de objeto técnico. Para que se considere tal contribuição suscetível
de ser considerado invento, é preciso, além de ter objeto técnico, ter um efeito
técnico, qual seja, uma atuação concreta seja externamente, seja internamente
ao sistema, mas de qualquer forma técnica”.[18]
Para Luiz Guilherme Loureiro, também existe a possibilidade de proteção
de invenções relacionadas a programas de computador: “é o que se conclui do
termo em si aposto pelo legislador e que serve para diferenciar os programas de
computador que bastam por si próprios, que tem uma função específica mas não
são vitais para o funcionamento e o uso da máquina e podem ser utilizados em
qualquer outro computador, daqueles que se destinam a dar vida ao computador”[19].
Na opinião de José Pierangeli “o programa de computador em si (vale o
destaque) não é considerado como invenção, salvo quando o programa estiver
instalado num hardware – equipamento – cujo funcionamento depender do programa;
em tais condições, forma-se um conjunto que poderá ser considerado como
invenção”[20].
Para Leonardo Macedo Poli observa que embora a elaboração de um programa
de computador implique em escolhas do programador, estas nada mais são que ato
mecânico, de modo que não há criatividade na forma de exteriorização de um
programa de computador, sendo, portanto, inadequada o enquadramento na esfera
do direito de autor: “o programa é um processo ou um esquema para a ação,
portanto, passível de ser incluído no regime de proteção à propriedade
industrial .... o programa de computador nada mais é que uma invenção de
processo; é o método operacional do computador ... o programa de computador é
um processo, uma criação intelectual de ordem técnica amparável pela proteção à
propriedade industrial ”.[21]
Leonardo Macedo Poli, embora argumentando pela inadequação da proteção
autoral para programa de computador, reconhece que uma vez sendo esta a
provisão legal existente, o artigo 10 da LPI deva ser interpretado como se
referindo ao programa considerado individualmente, ao passo que “o programa,
enquanto não instalado na máquina, não é classificado como invenção .... A Lei
9279/96 restringindo a não classificação como invenção aos programas
considerados me si mesmos, prevê que o conjunto entre o programa e o computador
tem natureza de invenção, podendo ser patenteável desde que preencha os
requisitos legais”.[22]
Na análise da juíza federal Adriana Rizzotto[23]: “O INPI tende a interpretar as
exclusões de patenteabilidade em conformidade com a EPO, onde o Artigo 52 é
grosso modo equivalente ao Artigo 10 da LPI embora o critério de exame não seja
inteiramente consistente com o europeu. A expressão “em si” tem sido
interpretada como se referindo somente aos elementos literais do código fonte
já protegidos pelo direito de autor. Não existem patente de software no Brasil
mas patentes de invenção sobre uma ampla variedade de tecnologias que são
implementadas por software. Uma invenção que seria patenteável de acordo com os
critérios convencionais de patenteabilidade não deveria ser excluída da
proteção patentária pelo mero fato de ser implementada por meios modernos
tecnológicos na forma de um software, ao invés de um hardware convencional”.
“Seguindo este raciocínio, se o sistema propriamente dito não é
considerado pela legislação como invenção, sua implementação em computador não
seria considerada invenção da mesma forma. Portanto, o aspecto funcional de um
software pode receber a proteção por patentes no Brasil desde que atinja os
mesmos critérios básicos de patenteabilidade aplicados às invenções em todos os
outros campos e proporcione uma contribuição técnica ao estado da técnica em um
campo técnico que não seja considerado óbvia para o técnico no assunto”.
“A proteção deve ser solicitada para a invenção e não para o software em
si. O critério corrente enfatiza que a intenção dos legisladores no Artigo 10
incisos iii e iv da LPI não foi o de excluir todos os métodos de fazer negócios
e programas de computador da patenteabilidade, mas ao invés disso considerar as
exclusões aplicáveis quando existe uma ausência de efeito técnico. Portanto, um
método de fazer negócios ou invenção implementada por programa de computador
com este efeito técnico adicional é patenteável, ainda que na forma de um
software, e sujeita as demais exigências de patenteabilidade tais como novidade
e atividade inventiva”.
[1]
WASCHOWICZ, op.cit. p.224
[2]
MONIZ, Pedro de Paranaguá. Patenteabilidade
de métodos de fazer negócios implementados por software: da perspectiva externa
ao ordenamento jurídico pátrio. In: BARBOSA, Denis Borges. Coleção
Propriedade Intelectual: aspectos polêmicos da propriedade intelectual. Rio de
Janeiro:Lumen, 2004, p.168, 194
[3]
TIGRE, Paulo Bastos; MARQUES, Felipe Silveira. Apropriação tecnológica na economia do conhecimento: inovação e
propriedade intelectual de software na América Latina. Economia e
Sociedade, campinas, v.18, n.3, p.556, dez. 2009
[4]
SOARES, José Tinoco. Patente de programas
de computador, Revista da ABPI, n.20, junho 1996
[5]
SOARES, José Tinoco. Proteção dos programas de computador. Revista de Direito
Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro, n.17, 1975, p.39-44. Cf. SOARES,
Tinoco. Tratado da Propriedade Industrial: patentes e seus sucedâneos. São
Paulo; Ed. Jurídica Brasileira, 1998, p.616
[6]
DiBLASI, Gabriel. A propriedade
industrial, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.132
[7]
DiBLASI, Gabriel. A propriedade
Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e
transferência de tecnologia. Rio de Janeiro:Ed. Forense: 2010, p.209
[8]
Tese Doutorado, USP, 2003, p.389
[9]
DANNEMANN, SIEMSEN & BIGLER, Comentários a LPI, Rio de Janeiro:Renovar,
2001, p.45
[10]
ALBUQUERQUE, Roberto Chacon. A
propriedade informática, Campinas:Russell Editores, 2006, p. 72, 77, 105,
109, 199
[11]
ALBUQUERQUE, op.cit. p. 192
[12]
Gazeta Mercantil, 20 de novembro de 2000, página A-12 cf.
http://www.eps.ufsc.br/disserta96/castellano/cap2/cap2.htm
[13]
Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis
Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.638
[14]
Inventos industriais: a patente de software no Brasil - I, Denis Barbosa,
Revista da ABPI, n.88, maio/junho 2007, p.22
[15]
Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen
Juris, p. 132
[16]
MORAIS, Gustavo. Patentes de software: mais um recurso contra a pirataria.
Revista da ABPI, ano II, n.7. 1993, p.21 cf. SOARES, Tinoco. Tratado da
Propriedade Industrial: patentes e seus sucedâneos. São Paulo; Ed. Jurídica
Brasileira, 1998, p.637
[17]
BARBOSA, Denis. As hipóteses de incidência patentária do art. 10 do CPI/96
Revista Eletrônica do IBPI, junho de 20111, Revel, n.4. p.157
http://www.wogf4yv1u.homepage.t-online.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdf
[18]
BARBOSA, Denis. Noção Constitucional e
Legal do que são inventos industriais. Patentes a que se reconhece tal
atributo, em especial as patentes ditas “de software”. In: BARBOSA, Denis. A propriedade intelectual no século
XXI:Estudos de Direito, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.494
[19]
LOUREIRO, José Guilherme, A lei de
Propriedade Industrial Comentada, São Paulo:Lejus,1999
[20]
PIERANGELI, José Henrique. Crimes contra a propriedade industrial, Rio de Janeiro:Revista dos Tribunais, 2006, p.94
[21]
POLI, Leonardo Macedo. Direitos de Autor
e Software, Belo Horizonte: Del Rey,
2003, p.31, 34, 37
[23] RIZZOTTO,
Adriana. Overview on the Latest
Developments on Patent Protection in Brazil, with focus on Biotechnology,
Business Methods and Computer-Implemented Inventions. March 2009
http://www.ipo.org/AM/Template.cfm?Section=Calendar1&Template=/CM/ContentDisplay.cfm&ContentID=21973
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