quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Invenção contra a moral e o sofrimento de animais

 

O processo de obtenção ou modificação de seres vivos é patenteável desde que não definidos por um processo biológico natural. No caso de animais não será patenteável quando causarem sofrimento ao animal sem que haja qualquer benefício médico substancial ao ser humano ou animal. Este critério remonta à discussão da segunda metade do século XIX na Inglaterra vitoriana, palco de um intenso debate sobre a vissecção de animais. Charles Darwin[1] comenta: “Todos já ouviram falar do cão que, sofrendo em meio a uma vissecção, lambeu a mão do homem que o operava. Esse homem, a menos que tal operação tenha sido totalmente justificada por um aumento em nosso conhecimento ou que tenha um coração de pedra, deve ter sentido remorso até o último minuto de sua vida”. Segundo a OMPI[2] “os métodos de teste, geralmente devem ser considerados como invenções suscetíveis de aplicação industrial, pelo menos pela EPO e, portanto, são patenteáveis, se o teste for aplicável ao melhoramento ou controle de um produto, dispositivo ou processo, que seja auto suscetível de aplicação industrial. Particularmente, a utilização de animais de teste para fins de teste na indústria, por exemplo, para testar produtos industriais (por exemplo, para determinar a ausência de efeitos pirogenéticos ou alérgicos) ou fenômenos (por exemplo, para determinar a poluição da água ou do ar) seria patenteável”. Em T1553/15 o objeto do pedido era uma preparação farmacêutica obtida da pele de coelhos injetada com o vírus vaccinia. Conclui-se da aplicação que 6 a 10 coelhos são necessários para preparar um comprimido. O rendimento é, portanto, muito baixo, de modo que muitos coelhos teriam que ser sacrificados para explorar a invenção em escala comercial. A Câmara considera que qualquer que seja o efeito analgésico (não demonstrado no pedido) a extensão do sofrimento causado aos animais é desproporcional às possíveis vantagens, ou utilidade que a invenção possa ter para a humanidade. Além disso, existem muitos outros compostos disponíveis no mercado para obter o mesmo efeito ou um efeito comparável (com o mesmo mecanismo reivindicado) sem envolver a mesma quantidade de sofrimento animal. A invenção está portanto excluída da patenteabilidade de acordo com o Artigo 53(a) EPC: “Patentes não devem ser concedidas para invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou à moral; tal exploração não será considerada contrária pelo simples fato de ser proibida por lei ou regulamento em alguns ou todos os Estados Contratantes”. O caso em questão não é comparável ao do camundongo transgênico T19/90 , que abriu novos caminhos de pesquisa no campo da oncologia à custa do sofrimento de um número limitado de animais.[3]



[1] Descent of Man, Charles Darwin, 1998, p.71

[2] Manual de Redação de Patentes da OMPI, IP Assets Management Series, 2007, p.214

[3] https://europeanpatentcaselaw.blogspot.com/2021/01/t155315-souffrance-animale-et-article.html

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