terça-feira, 16 de dezembro de 2025

A importância do termo caracterizante

Importância do Escopo Forte de Patente. Por Cesar Vianna Moreira Júnior, Deuzanira Lima dos Santos, Maria Ângela de Souza Fernandes e Pedro Leal de Lima Soares Revista ABPI 171 mar/abr 2021

O artigo discute a importância de um escopo forte e bem delimitado de patente no sistema patentário brasileiro, enfatizando que a clareza e a precisão das reivindicações são fundamentais para a segurança jurídica, a eficiência do exame técnico e o bom funcionamento do mercado. 

O ponto central do estudo é o uso adequado do termo caracterizante (“caracterizado por”) nas reivindicações, previsto historicamente no Código da Propriedade Industrial e atualmente no art. 25 da LPI. Esse termo cumpre a função de separar o estado da técnica (preâmbulo) das características técnicas novas e inventivas, delimitando com precisão o objeto da proteção.

Após a criação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ocorrido em 1970, foi promulgado o Código da Propriedade Industrial (CPI, Código n° 5.772, de 21/12/1971), que traz: “Art. 14. Além do requerimento, o pedido, que só poderá se referir a um único privilégio, conterá ainda: § 2° As reivindicações, sempre fundamentadas no relatório descritivo, caracterizarão das particularidades do invento, estabelecendo e delimitando os direitos do inventor [grifo nosso].” Assim, passou-se a adotar o uso da expressão “caracterizado por”, ou seja, a expressão caracterizante. Mesmo antes do CPI (1971) as patentes já definiam os pontos característicos da invenção, mas não de forma padronizada, sistemática e normativa como passou a ocorrer depois.

https://patentescomentarios.blogspot.com/2015/02/historia-do-caracterizado-por.html

A utilização da expressão delimitadora “caracterizado por” e seu correto posicionamento na reivindicação tem sido por décadas uma exigência bastante comum no exame técnico do INPI. A prática administrativa de o INPI exigir a presença da expressão “caracterizado por” é bastante antiga. Na década de 1920 alguns poucos pedidos depositados no DNPI utilizavam da expressão, por exemplo na patente n°14397 de 2 de junho de 1924 que trata de “Suporte para cardápios em hotéis, restauurantes e outros caracterizado pelo fato de consistir de uma haste provida de um pé, ou base fixa ou giratória, tendo na extremidade superior um pegador com mola para sustentar o cardápio”. Em 1927 a ocorrência da expressão torna-se mais comum no entanto a maioria ddos pedidos ainda não se utilizam da expressão. A patente n°15811 de 9 de fevereiro de 1927 reivindica: “bomba para chopps caractreizada pelo fato de consistir de uma alavanca segura ao anel do garfo [...]”.
Benjamin do Carmo refere-se a um Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio que em separata número 2, de novembro de 1934 afirma que nas reivindicações: “é usual empregar a expressão “caracterizado” para distinguir a matéria já conhecida da matéria nova inventada. O que fica antes dessa expressão constitui matéria conhecida, não reivindicada, nem reivindicável. O que se segue à citada expressão é o que constitui a invenção, a matéria reivindicada que determina os direitos do inventor”.[3]
Segundo a Portaria nº 118 do Ministério do Trabalho publicada no Diário Oficial de 25 de julho de 1939 e modificada em 6 de setembro de 1939 temos que no Artigo 11 é especificada como devam ser redigidas as reivindicações, na época denominadas de “pontos característicos”:
na especificação dos pontos característicos a que se refere à alínea c da condição 8 (especificação dos pontos característicos da invenção enumerados um a um, com absoluta exatidão e concisão, com destaque vital para cada qual representar relativamente ao conjunto da descrição), observar mais o seguinte: a) exprimirem os pontos característicos a definição lógica daquilo que o inventor considera ter inventado, para o efeito de determinar, tornando exclusivos, os respectivos títulos, b) empregar-se a expressão "caracterizado por" em cada ponto, após a menção do nome genérico da coisa inventada, para distinguir, da matéria já conhecida, aquela que constituir a novidade da invenção. A designação anterior a essa expressão fixa a coisa conhecida e o que se seguir constituirá a particularidade genuína da invenção, a matéria sobre a qual se estabelece o direito do inventor

Os autores demonstram que um escopo mal definido gera: dificuldades no exame de patenteabilidade; aumento do backlog do INPI; insegurança jurídica para titulares e terceiros; maior judicialização de conflitos; entraves ao licenciamento e à inovação.

"Com base em pesquisa empírica com examinadores do INPI, o artigo mostra que a ampla maioria reconhece que o termo caracterizante: facilita a busca de anterioridades; contribui para a análise de novidade e atividade inventiva; melhora a clareza, suficiência descritiva e compreensão do pedido por todos os atores (examinadores, advogados, concorrentes e juízes)." Rule 6.3.b do PCT –(ii)  a characterizing portion-preceded by the words “characterized in that,” “characterized by,” “wherein the improvement comprises,” or any other words to the same effect-stating concisely the technical features which, in combination with the features stated under (i), it is desired to protect. https://www.wipo.int/en/web/pct-system/texts/rules/r6 

No Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos (USPTO), as reivindicações tipo Jepson são permitidas, mas não são obrigatórias. Elas são frequentemente usadas para destacar as melhorias em relação à tecnologia existente. https://patentescomentarios.blogspot.com/2015/03/caracterizado-por-nos-estados-unidos.html 

Entretanto, a pesquisa também revela falta de plena harmonização institucional quanto à exigência e ao posicionamento correto do termo caracterizante, o que pode gerar decisões divergentes dentro do próprio INPI. Um questionário respondido por 260 examinadores respondeu a seguinte pergunta: Questão 3: Você solicita que o Requerente ajuste a posição do termo caracterizante (“Caracterizado por”) nas reivindicações, quando a parte caracterizante contempla características do estado da técnica que deveriam fazer parte do preâmbulo, para delimitar adequadamente a matéria pleiteada? 180 responderam sim (80%), e 40 não. 

Resolução 169/2016 

1.10 O fato de um método ser aplicado à área financeira não necessariamente significa o enquadramento do mesmo como método financeiro. Há que se avaliar a matéria reivindicada como um todo e se a mesma resolve um problema de natureza técnica.

4.6 A novidade exigida para uma reivindicação deve ser apurada sobre a reivindicação como um todo, e não somente sobre a parte caracterizante da mesma, tampouco sobre a análise individual dos elementos que a compõem, que poderão separadamente estar abrangidos pelo estado da técnica. Assim, se o preâmbulo define as características A e B, e a parte caracterizante define as características C e D, não importa que C e/ou D sejam em si conhecidas, mas sim se são conhecidas em associação com A e B - não somente com A nem somente com B, mas com ambos.

Atividade inventiva: 5.6 A invenção reivindicada deverá ser considerada como um todo, levando-se em conta os elementos constantes no preâmbulo e na parte caracterizante. Na determinação das diferenças entre as reivindicações e o estado da técnica, a questão não é se as diferenças seriam óbvias individualmente, mas se a invenção reivindicada seria óbvia como um todo.

Procedimento CPAT–ETP–PP–0001 de 2021 6.2.18 Nota 3; Caso o examinador considere necessário utilizar no parecer um documento A para motivar o deslocamento da expressão “caracterizado por”, o examinador deve incluir o documento A no Quadro 4, assim como as justificativas e comentários. Nesses casos, o examinador deve apontar os trechos do documento A que motivaram a nova definição do preâmbulo e vincular a necessidade de deslocamento ao art. 25 da LPI (ausência de clareza e precisão da matéria reivindicada).

Portaria 16/2024 3.05 Esta separação entre elementos conhecidos e elementos novos visa apenas facilitar esta distinção, uma vez que não altera a abrangência ou escopo da reivindicação, que será sempre determinado com base no somatório das características contidas no preâmbulo e na parte caracterizante.

O artigo dedica atenção especial às Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) e aos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), destacando que, para essas entidades, um escopo forte é estratégico, pois: aumenta o valor econômico da patente como ativo intangível; facilita negociações de licenciamento e transferência de tecnologia; reduz riscos para parceiros privados; mitiga impactos negativos do backlog do INPI.

Por fim, os autores relacionam o escopo da patente aos regimes de apropriação da inovação, argumentando que uma proteção bem delimitada fortalece a capacidade de captura de valor pelo titular, sem prejudicar a concorrência, contribuindo para um ambiente de negócios mais previsível e favorável à inovação.


Ideia-chave do artigo

Escopo forte não significa escopo amplo, mas sim escopo claro, preciso e tecnicamente bem definido, capaz de proteger efetivamente a invenção, reduzir conflitos e promover inovação com segurança jurídica.

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