segunda-feira, 6 de julho de 2020

A vigência de vinte anos de uma patente


Nordhaus mostra que existe um valor ótimo [1] para vigência de uma patente de modo a contrabalançar os objetivos de promover incentivo à inovação e reduzir as restrições para difusão da tecnologia para empresas concorrentes [2]. Em seu estudo Nordhaus chega a duas conclusões surpreendentes: o índice de bem-estar é insensível ao período de vigência da patentes a partir dos 6 anos de vida, independentemente períodos maiores de vigência: Para Nordhaus 80% dos ganhos sociais de uma patente são alcançados quando sua vigência é de 6 meses a 2 anos. Domonique Guellec estima que partindo-se de uma taxa de desconto de 10% anuais, o titular consegue auferir nos primeiros 20 anos de vigência 86% das receitas totais da patente conseguidas caso esta tivesse uma vigência infinita[3].
O modelo de Nordhaus, contudo, adota um modelo estático de inovação ao invés de dinâmico [4]. O implica em ignorar as pressões competitivas dos concorrentes, ou seja, que durante o tempo de vigência concorrentes são capazes de entrar no mercado com produtos alternativos, Segundo Manuel Godinho [5]: “Para Nordhaus apenas em casos onde os ganhos da redução dos custos unitários fossem obtidos a partir de despesas em P&D diminutas e onde a elasticidade-preço da procura fosse mais elevada, é que se verificariam perdas de eficiência substanciais. Nestas circunstâncias justificar-se-ia, de acordo com Nordhaus, a procura de alternativas ao sistema de patentes”.
Keneth Arrow [6] mostra que a ausência de patentes comprometeria o benefício privado do inventor pela apropriação de suas invenções por terceiros (free-riders). O benefício privado do inventor seria inferior ao benefício social da livre cópia, conduzindo sistematicamente a um subinvestimento relativamente ao ótimo social, ou seja, poucos teriam incentivos para investir em inovação e a sociedade tenderia a perder no longo prazo. No fundo, estamos perante um trade-off entre o estímulo à inovação e o estímulo à difusão. Para Arrow as forças de mercado são ineficazes para alocar recursos para inovação por três motivos: 1) a informação é um bem não rival, ou seja, trata-se de um bem que pode ser consumido por várias pessoas sem que o titular deixe de usar este mesmo bem, 2) a informação não pode ser apropriada, 3) a informação possui como característica a incerteza, ou seja, investir em conhecimento é uma atividade de risco quanto ao retorno dos investimentos, pois você nunca pode estar certo que sua pesquisa irá convergir para um resultado bem sucedido.[7] O “paradoxo da informação de Arrow” surge quando se tenta negociar a informação: se por um lado o vendedor não pode revelar a informação que desejar negociar, pois uma vez revelada o possível comprador já a possui, por outro lado o fato de não revelar esta informação faz com que o comprador não tenha elementos para avaliar o que está comprando. Um meio de superar este paradoxo é conceder uma patente ao vendedor de modo a ter o poder de excluir terceiros da exploração desta informação sem seu consentimento.[8]

Cláudio Barbosa destaca que estas premissas nos conduzem ao paradoxo de Arrow: “aquele que adquire uma informação não sabe seu valor até que tenha acesso à mesma e, ao ter acesso, pelas características da informação, o adquirente passa a ter domínio sobre a mesma, motivo pelo qual o acesso à informação é restrito, ou controlado contratualmente, acarretando a impossibilidade da informação ser negociada pelo seu verdadeiro valor”.[9] Para Arrow se a informação não fosse uma propriedade, os incentivos para criá-la seriam inexistentes. Patentes e direitos de autor são, portanto, inovações sociais projetadas para criar uma escassez artificial e, desta forma, os incentivos necessários para se adquirir a informação.[10] Mark Lemley destaca contudo que para Arrow a competição deve ser o ambiente em que a inovação deva ocorrer e portanto sugere um papel mais limitado da propriedade intelectual, que deve ser construídas de forma circunscrita a implementações particulares de uma invenção e não devem conceder a titular o direito de controlar a competição em um mercado econômico. [11]

Milton Lucídio realizou uma pesquisa de opinião junto a 93 profissionais que atuam na área de propriedade industrial em que pergunta se o prazo de vinte anos de vigência é adequado para todas as áreas tecnológicas. Aproximadamente metade dos entrevistados responderam de forma positiva. Para os que responderam de forma negativa uma segunda pergunta foi formulada em que se questionada qual o prazo que seria adequado. Neste caso 76,2% responderam que o prazo deveria ser menor do que vinte anos. Milton Lucídio conclui: "Apesar de inconclusiva do ponto de vista quantitativo, tendo em vista que praticamente metade dos respondentes ainda entende que o prazo de vigência de patentes de 20 anos é o ideal, a pesquisa foi conclusiva quanto à uma maioria expressiva dentro daqueles que entendem que, não sendo o prazo ideal, deveria ser um prazo menor do que 20 anos (entre 10 e 20 anos) e não maior do que 20 anos".[12] 

Uma avaliação do percentual de vigência efetiva média de uma patente poderia corroborar a conclusão da pesquisa na medida em que mostre que a metade dos usuários de fato não utiliza os vinte anos de vigência por achar desnecessário. Dados de 2018 do IP5 mostram que no USPTO, 49 % das patentes concedidas são mantidas com anuidades pagas por vinte anos contados do depósito. Este valor é comparado com 35 % no JPO, 26 % no CNIPA, 21 % na EPO e 14 % no KIPO. Mais de 50% das patentes são mantidas por pelo menos 16 anos no JPO e USPTO, comparado com 14 anos no CNIPA, 13 anos na EPO e 12 anos no KIPO.[13] Esses dados sugerem que no Brasil possivelmente menos da metade das patentes seja mantida pelos vinte anos completos, um índice que deve variar por setor tecnológico em função da importância da patente como proteção de ativos intelectuais. Esta taxa de variabilidade entre setores tecnológicos mostra que mesmo no sistema atual já existiria uma diferenciação, na prática, da vigência de uma patente por setor tecnológico.










[1]  BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 113.

[2] NORDHAUS, William. The optimal life of a patent. Cowles Foundation discussion paper #241, 1967. http: //cowles.econ.yale.edu/P/cd/d02a/d0241.pdf.; NORDHAUS, W. Invention, growth and welfare: a theoretical treatment of thecnological change, MIT Press, Cambridge, 1969

[3] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.146

[4] DUFFY, John. A minimun optimal patent term . SSRN jan.2003 http: //papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=354282


[5] GODINHO, Manuel. Economia da Inovação Sumário da Lição de Síntese Análise Econômica das Patentes. Lisboa, jan. 2000

[6] ARROW, Keneth. Economic welfare and the allocation of economic resources for invention, NBER, 1962, p. 609-652. http: //www.nber.org/chapters/c2144.pdf


[7] BARBOSA, Cláudio. Propriedade Intelectual: introdução à propriedade intelectual como informação. Rio de Janeiro:Elsevier, 2009, p.82

[8] PARK, Jae Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010, p. 141

[9] BARBOSA.op.cit,p.205; cf. PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 141

[10] MAY, Christopher; SELL, Susan. Intellectual Property Rights: a critical history. Lynne Rjenner Publishers: London, 2006, p.22

[11] BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.73

[12] LUCIDIO, Milton. REPENSANDO O PRAZO DE VIGÊNCIA DE PATENTES ALÉM DO ADPIC (TRIPS): REFLEXÕES COM DADOS EMPÍRICOS, PIDCC, Aracaju/Se, Ano IX, Volume 01 nº 02, p.132-145 Junho/2020 | www.pidcc.com.br

[13] https://www.fiveipoffices.org/statistics/statisticsreports/2018edition

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