terça-feira, 20 de maio de 2014

Patente da ovelha Dolly

O inciso 3b do artigo 27 de TRIPs permite a patente de microorganismos (transgênicos ou não) ao passo que o inciso III do artigo 18 da LPI só permite a patenteabilidade de microorganismo transgênicos, apresentando portanto uma proibição adicional ao previsto em TRIPs. Seres vivos mais complexos, obtidos por engenharia genética, como a ovelha Dolly[1] ou o peru tipo Chester, não são objeto de patente segundo a Lei brasileira, que permite a patenteabilidade de apenas microorganismos transgênicos. Segundo Gabriel di Blasi há um conflito neste aspecto entre a LPI e TRIPS um a que a legislação vigente no Brasil antes da assinatura de TRIPS em janeiro de 1995 não disciplinava qualquer retrição relativa á patenteabilidade de microorganismos, logo pelo Artigo 65 (5) de TRIPS qualquer modificação na lei nacional não poderá restringir a proteção patentária, ou seja, estabeler mais exclusões do que havia antes. Neste caso, segundo Gabriel di Blasi a LPI não poderia prever a proteção apenas para microorganismos transgênicos, e sim para microorganismos patenteáveis, em geral, ou seja, fungos, vírus e células de animais e plantas, trasgênicos ou não deveriam continuar objeto de proteção patentária tal como na legislação anterior prevista no Código 5772/71.[2]
O primeiro caso a respeito de patenteabilidade de seres vivos nos EUA foi o caso Diamond v. Chakrabarty 447 US 303[3] decidido favoravelmente à patenteabilidade pela Suprema Corte dos EUA por apenas cinco votos contra quatro[4]. O presidente do USPTO na época Sydney Diamond (o mesmo de Diamond v. Diehr em 1981) foi chamado em juízo para defender o ponto de vista do USPTO que inicialmente havia indeferido a patente (US3813316 e US4259444). O microbiologista indiano Ananda Chakrabarty funcionário da GE utilizou engenharia genética para criar uma nova bactéria capaz de consumir óleo cru, constituindo uma importante invenção para combater o derramamento de óleo dos oceanos[5].
A questão essencial tratada no caso foi a de que a Pseudomonas objeto da patente não se encontrava na natureza, tratando-se de produto biológico novo[6]. O entendimento da Corte quanto a legislação norte americana (Seção 101) quando se refere a “qualquer” (“any”) composição da matéria é o de um sentido amplo, remetendo-se a Jefferson quando ao se referir ao Patent Act de 1793 afirmara que a “capacidade criadora deve receber um incentivo de forma liberal”.[7] A decisão faz referência a Flook e rejeita a tese de que o sistema de patentes não possa ser expandido para incluir tecnologias não previstas quando da aprovação da legislação pelo Congresso. Philip Grubb observa que como a bactéria descrita nesta patente não produzia nem produto considerado útil, mas possuía como caacterística de interesse o fato de se alimentar de óleo, seria necessário a patente para o microorganismo propriamente dito. Com toda a repercussão do caso pouco atenção se deu ao fato que a mesma patente foi concedida pelo escritório inglês de patentes em 1976.[8]
Ainda segundo a mesma decisão descobertas como um novo mineral, nova planta ou as leis físicas de Newton e Einstein não são patenteadas por serem consideradas manifestações da natureza, livres a todos os homens e que não podem ter sua exclusidade reservada a alguma pessoa[9]. A Suprema Corte cita Funk Brothers Seed Co. v. Kalo Inoculant[10] que trata de uma patente para uma combinação de bactérias que auxiliam a fixação de nitrogênio nas raízes das plantas. A invenção, ao contrário do esperado no estado da técnica combina diferentes espécies de bactérias numa única fórmula. A Suprema Corte considerou tal combinação como uma descoberta, uma vez que todas as bactérias empregadas continuam atuando da mesma forma tal como encontrado na natureza, não caracterizando uma invenção, muito embora o 35 USC 100 garanta patentes para descobertas ou invenções. A Corte também considerou que o fato de haver uma legislação específica para patente de plantas pelo Plant Patent Act de 1930 e Plant Variety protection Act de 1970 não significa que plantas ou qualquer outro ser vivo estivesse implicitamente excluído da proteção por patentes.
Joseph Root destaca que com a decisão em Chakrabarty organismos vivos multicelulares não humanos que não ocorram naturalmente na natureza passam a ser considerados como composição da matéria e como tal objeto de proteção por patentes. Quanto aos seres humanos, estes continuam excluídos como matéria de proteção patentária.[11] Peter Drahos observa que em 1969 a Suprema Corte alemã chegara as mesmas conclusões do caso Chakrabarty, porém, a decisão norte americana teve maior repercussão internacional diante do impacto produzido no mercado de biotecnologia nos Estados Unidos.[12]
O Federal Circuit em decisão de maio de 2014 confirmou o entendimento do Patent Trial and Appeal Board (PTAB) de que reivindicações direcionadas para clones de gado, ovelhas, porcos e cabras não são patenteáveis pelo 35 USC 101 por ser considerado um fenômeno natural que não possui características marcadamente diferentes das encontradas na natureza. Os métodos para fabricação de clones podem ser patenteados, como por exemplo, US7514258,  mas os clones propriamente ditos não podem ser patenteados. O pedido de patente em análise era de titularidade do Roslin Institute de Edinburgo na Escócia, os mesmos inventores da ovelha Dolly, primeiro anima mamífera clonado a partir de células somáticas de um animal adulto. O Federal Circuit nota que no caso Funk Bros a Corte já concluíra que uma mistura de bactéria não era patenteável porque suas qualidades são resultantes de um trabalho da própria natureza, inalterados pela mão humana. Em Chakrabarty a bactéria modificada foi patenteada por ser nova com características marcadamente diferentes das encontradas em qualquer outra parte da natureza e com potencial de utilidade significativa. Os clones por serem cópias exatas de animais encontrados na natureza, ou seja, um resultado que não é “marcadamente diferente” do encontrado na natureza.[13]

A ovelha Dolly permanece embalsamada 




[1] TREVOR, Williams. História das invenções: do machado de pedra às tecnologias da informação. Belo Horizonte: Gutenberg, 2009, p.290
[2] A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia. Gabriel Di Blasi, Ed. Forense: 2010, p.224
[3] http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?court=us&vol=447&invol=303 ; MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.128
[4] Owning the future, Seth Shulman, Houghton Mifflin Company, Boston, 1999, p.13
[5] Seth Shulman, op.cit., p.98
[6] Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 603
[7] Electronic and Software Patents, Law and Practice, Steven W. Lundberg, Stephen C. Durat, Ann, M. McCrackin, the Bureau of National Affairs, Washington, 2005, p. 4-10
[8] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.248
[9] “This is not to suggest that 101 has no limits or that it embraces every discovery. The laws of nature, physical phenomena, and abstract ideas have been held not patentable.. Thus, a new mineral discovered in the earth or a new plant found in the wild is not patentable subject matter. Likewise, Einstein could not patent his celebrated law that E=mc2.; nor could Newton have patented the law of gravity. Such discoveries are "manifestations of . . . nature, free to all men and reserved exclusively to none."
[10] 333 US 127 (1948) cf. MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.135
[11] ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.109
[12] DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.158
[13] LIONE, Brinks. Federal Circuit rules that Dolly the cloned sheep is not patentable, 13/10/2014 http://www.lexology.com
[14] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ovelha_Dolly

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