sábado, 3 de maio de 2014

Artigo 40 da LPI: SPC à brasileira

Para Anna Jannuzzi e Alexandre Guimarães[1] o parágrafo primeiro do Artigo 40 que garante um período mínimo de vigência de dez anos contados da concessão da patente constitui um instrumento que extrapola os parâmetros mínimos de proteção previstos no TRIPs. Uma amostra de patentes de medicamentos depositadas entre 1995 e 2010 mostra que em 1997 apenas 38% se utilizavam deste dispositivo do Artigo 40, ao passo que em 1998 este índice chegou a 85% e para as patentes com anos de depósito posteriores praticamente todas as patentes concedidas no setor são concedidas por mais de vinte anos por conta deste dispositivo legal. Um dos segmentos mais interessados na manutenção do parágrafo único do artigo 40 da LPI é o setor farmacêutico, uma vez que este mecanismo, opera na prática de forma similar a um mecanismo de compensação do tipo SPC, ao compensar o titular por atrasos. Enquanto a justificativa são os atrasos do escritório de patentes na concessão de patente, no caso dos SPCs a justificativa é o atraso na autorização das autoridades de saúde para comercialização do produto, na prática o efeito final será o mesmo, o de estender a vigência da patente.

Em alguns países o titular consegue a extensão da vigência de sua patente em face da demora dos órgãos reguladores em autorizar a comercialização do produto como, por exemplo, nas chamadas SPC (Special Producer Compensation). Em países como Alemanha, EUA, Japão[2] e Austrália, os titulares conseguem uma extensão no prazo das patentes para compensar o tempo despendido pelo titular na obtenção da autorização de comercialização de seus produtos.Na Europa as SPCs foram criadas pelo Regulation 1768/92 de 1992 e pode estender a vigência de uma patente em até cinco anos. Nova extensão de seis meses foi conseguida em setembro de 2005 quando o Parlamento Europeu aprovou a extensão de patentes de medicamentos testadas em crianças, que requerem um tempo maior de testes.[3] Na Coreia tal extensão de prazo pode chegar até um máximo de 5 anos [4]. Nos Estados Unidos esta extensão pode chegar a oito anos conforme o 35 U.S.C. 156 Extension of patent term. - Patent Laws [5]. Tais mecanismos de extensão da vigência da patente estavam previstos da redação preliminar de TRIPs de julho de 1990, no entanto acabaram não incorporados no texto final do Acordo[6].

Alguns medicamentos requerem um tempo que pode facilmente chegar a 12 anos, contados da data de depósito da patente, para aprovação pelas autoridades de saúde do país. Nos Estados Unidos o FDA é considerado uma das autoridades de saúde do mundo mais rigorosas para aprovação de comercialização de um medicamento. Por um lado este rigor constitui uma barreira de entrada a concorrentes protegendo a posição dos titulares de patentes, por outro lado o atraso excessivo reduz o tempo de vida útil da patente. [7]Uma solução de compromisso entre a indústria farmacêutica e a indústria de genéricos foi alcançada com a aprovação do Drug Price Competition na Patent Term Restoration Act de 1984 mais conhecida como Hatch-Waxman Act, que permitiu a possibilidade de extensão da vigência das patentes com mecanismos de compensação favoráveis à indústria de genéricos. Em 1988 o Japão aprovaria a possibilidade de extensão da vigência em no máximo cinco anos. O prazo é calculado tomando-se o tempo entre a data de concessão da patente ou o início dos testes cínicos, o que for o último, com a data de aprovação de comercialização. Como esta data é calculada tendo como marco a data de concessão da patente, o requerente passou a ter todo o interesse em ter sua patente concedida o mais rapidamente possível. Se a patente é concedida após a aprovação no mercado, nenhuma extensão de prazo é concedida.

Com a aprovação destas legislações nos Estados Unidos e Japão, a Europa foi pressionada a rever a European Patent Convention (EPC) em 1991 para permitir algum tipo de extensão de prazo. Com isso foi criado o Supplementary Protection Certificate (SPC) previsto no Artigo 63.2.b da EPC.  A extensão de prazo, aplicada após a expiração dos 20 anos, é calculada pela diferença entre a data de autorização de comercialização na Comunidade Européia e a data de depósito da patente, subtraída de cinco anos. Portanto, se a autorização de comercialização ocorre nos cinco primeiros anos contados do depósito da patente, nenhuma extensão SPC é concedida. Se esta aprovação de comercialização ocorre após dez anos da data de depósito da patente, então a extensão SPC é limitada em cinco anos. Se este intervalo estiver entre 5 e 10 anos, a duração da SPC é calculada de modo a significar um total de 15 anos da data de autorização da comercialização. Por exemplo, se a aprovação da comercialização ocorreu 8 anos após o depósito da patente. Neste caso o SPC será de 3 anos. Se contarmos da data de aprovação de comercialização, esta patente durará mais 15 anos (12 anos até expirar o prazo normal de vigência de 20 anos somados aos 3 anos extras de SPC).[8]



[1] JANNUZZI, Anna; VASCONCELLOS, Alexandre. Um estudo sobre a concessão de patentes de medicamentos no Brasil e suas implicações para a continuidade do êxito na política de medicamentos genéricos.  ALTEC 2013 Proceedings.  Políticas e Gestão de Ciência e Tecnologia nos espaços Latino-Iberoamericanos. 27-31 outubro 2013, Porto, Portugal
[2] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.159
[3] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.150
[4] Training Course for the Asean Patent Examiners – Electronics & Telecomunications, KIPO, IIPTI, Coreia do Sul, jul. 2009, p. 97. 
[5] http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/documents/appxl_35_U_S_C_156.htm ; CHANG, Ha Joon. O mito do livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.p. 132. 
[6] GERVAIS, Daniel. The Trips agreement: drafting history and analysis. London: Sweet&Maxwell, 1998. p. 169. 
[7] BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.45
[8] GRUBB, Philip W. Patents for chemicals, pharmaceuticals, and biotechnology: fundamentals of global law, practice, and strategy. Oxford: Oxford University Press, 2004, p.157-163

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