quarta-feira, 5 de maio de 2021

Aristóteles e a propriedade intelectual

Aristóteles considerou a possibilidade de se incentivar a inovação, porém rejeitou a ideia da propriedade intelectual: “alguma honra deveria ser conferida aqueles que sugerem um aperfeiçoamento que seja benéfico para a cidade [..] porém, tal benefício não pode ser regulamentado de forma segura, e isto teria um efeito enganador”.[1]  Para Paolo Rossi a filosofia aristotélica não somente demonstrou-se incapaz de produzir invenções bem como frustrou tentativas nesse sentido. [2] Jean Pierre Waltzing avalia que tais associações tinham caráter privado e incluíam o culto de alguma divindade, ou seja, não havia uma função econômica de proteção dos artesãos ou desenvolvimento das técnicas: “os artesãos antigos indubitavelmente tinham orgulho de seus trabalhos, mas há poucas razões para acreditar que eles viam seu conhecimento, sua perícia, os processos que usavam, suas novidades, especificamente como possessões a serem exploradas além dos produtos produzidos ou dos salários que recebiam ou outro benefício que recebessem”. O conceito de propriedade intelectual, portanto, estava ausente no contexto dos artesãos da antiguidade[3]. Werner Jaeger explica o conceito de Platão sobre a imitação e a essência de uma obra exposto do capítulo 596 da República: “As coisas que os sentidos nos transmitem são reflexos das ideias, isto é, as cadeiras ou as mesas são reflexos ou imitações da ideia de cadeira ou de mesa, que é sempre única. O carpinteiro cria os seus produtos, tendo presente a ideia, como modelo. O que ele produz é a mesa ou cadeira, não a sua ideia. Uma terceira fase da realidade, além das da ideia e da coisa transmitida pelos sentidos, é a que representa o produto da arte pictórica, quando um pintor pinta um objeto [..] O pintor toma como modelo as mesas ou as cadeiras perceptíveis aos sentidos feitas pelo carpinteiro, e imita-as no seu quadro. Tal como alguém que pretendesse criar um segundo mundo, colocando a imagem deste no espelho, assim o pintor se limita a traçar a simples imagem refletida das coisas e da sua realidade aparente. Portanto, encarado como criador de mesas e cadeiras, é inferior ao carpinteiro, que fabrica mesas e cadeiras de verdade. E o carpinteiro é, por seu turno, inferior a quem criou a ideia eterna da mesa ou da cadeira, a qual serve de norma para fabricar todas as mesas e cadeiras do mundo. È Deus o criador último da ideia. O artífice produz só o reflexo da ideia. O pintor é, assim, o criador imitativo dum produto que, à luz da verdade, ocupa o terceiro lugar”. Nesse sentido uma invenção se aproxima ao conceito de “ideia eterna” citada por Platão e por definição propriedade sagrada, da qual o artífice, ou inventor, é mero imitador.   Na República de Platão VI “Acaso não sabeis que os geômetras utilizam as formas visíveis e falam delas, embora não se trate delas, mas destas coisas de que são um reflexo e estudam o quadrado em si e a diagonal em si, e não a imagem delas que desenham ? E assim sucessivamente em todos os casos. O que realmente procuram é poder vislumbrar estas realidades que apenas podem ser contempladas pela mente”.  Platão combateu as artes plásticas julgando-as afastadas do mundo das ideias. [4] Gordon Childe mostra que na Grécia antiga os ricos proprietários de escravos desprezavam o artesanato como degradante (banausica – βαναυσικός - trabalho manual) e servil.[5] Segundo Gustavo Glotz: “O corpo e a alma do banausus apresentam a marca da sua vida grosseira. Entre o exercício de uma profissão mecânica e o dever do cidadão há incompatibilidade radical. É visto que o home de profissão não pode ser um homem de bem, é necessário que o homem de bem governe o homem de profissão”. [6] Aristóteles enfatiza as influências maléficas do banausikai technai, as artes mecânicas. [7]



[1] DUFFY, John. Inventing Invention: A Case Study of Legal Innovation. Texas Law Review, v.1, n.4, 2007, p.15

[2] ROSSI, Paolo. Francis Bacon: da magia à ciência. Curitiba:Ed. UFPR, 2006, p.166

[3] LONG, Pamela. Invention, Authorship, "Intellectual Property," and the Origin of Patents: Notes toward a Conceptual History, Technology and Culture, v.32, n.4, Special Issue: Patents and invention, october 1991, p.854

[4] JAEGER, Werner. Paideia, São Paulo:Ed. Herder, 1936, p.920

[5] CHILDE, Gordon. O que aconteceu na história, Rio de Janeiro:Zahar, 1977, p.232, 208; GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia, Lisboa:Cosmos, 1973, p. 91

[6] GLOTZ, Gustavo. História Econômica da Grécia, Lisboa:Cosmos, 1973, p. 152

[7] HOOYKAAS, R. A religião e o desenvolvimento da ciência moderna, Brasília:UNB, 1988, p.104



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