quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Livre concessão de patentes: um retorno ao século XIX

Tendo em vista a reforma da legislação de patentes de 1882 o Ministro da Agricultura Rodolfo Miranda incumbiu o então diretor geral da Indústria e Comércio a realizar um estudo sobre o tema. Tendo visitado as repartições de Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Suíça e Itália apresentou em 1912 relatório em que recomendava o estabelecimento de uma repartição da propriedade industrial. A CUP, por sua vez, não obrigava aos países membros a criação de uma repartição especial para esse serviço, nem a unificá-lo, podendo permanecer tal tarefa a cargo de uma seção de algum Ministério [1]. Gama Cerqueira observa que era uma questão de ordem interna para cada país Membro a forma de organizar este serviço especial e o depósito central de patentes e marcas. Segundo o Artigo 12 da CUP em sua versão de 1883 “Cada uma das partes contratantes se obriga a estabelecer um serviço especial da propriedade industrial e um deposito central para a comunicação ao publico dos privilégios de invenção dos desenhos ou modelos industriais e das marcas de fabrica e de comércio”. Bodenhausen parece mais enfático na questão da unificação dos serviços administrativos relativos a marcas e patentes: “o Convênio obriga a cada Estado membro a estabelecer essa administração em uma oficina central” [2]
O sistema brasileiro de livre concessão não satisfazia a realidade nacional conforme exposição de motivos do Decreto n.16264 de 19 de dezembro de 1923 que criou a Diretoria Geral da Propriedade Industrial, reorganizando os serviços de marcas e patentes: “a experiência tem mostrado que não convém, de modo algum, o regime de livre concessão da patente. Em um país como o nosso, em que, dia a dia, se multiplicam as aplicações dos seus mais variados produtos, semelhante regime constitui uma ameaça permanente à liberdade de comércio e indústria. Quando Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, já me havia externado em prol do exame prévio, único meio de evitar que sejam concedidas patentes de invenção que, em vez de estimularem, tolhem o desenvolvimento industrial do país” [3]. Dúvidas foram levantadas quanto a constitucionalidade deste Decreto o que levou o governo a encaminhar no ano seguinte nova proposta, através da Lei nº 4932 de 10 de junho de 1925. Entre as dúvidas levantadas estavam as dificuldades da centralização dos serviços em um país de dimensões continentais como o Brasil [4]. Foram encarregados da concessão de patentes, no período de 1830 a 1910, os ministérios do Império (até 1860), da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (até 1891), da Indústria, Viação e Obras Públicas (até 1906) e, por fim, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
A falta de examinadores e de material constituíam problemas crônicos do órgão que acumulava pedidos de patentes para exame. Carvalho de Mendonça denunciou “inomináveis abusos, constituindo meio de vida de indivíduos desonestos a torpe especulação de requerer patentes de invenção para produtos, processos e meios conhecidos desde Adão; assim, acastelados, extorque dinheiro dos que os empregam ou usam licitamente, sob a ameaça de violento processo penal, iniciado pela busca e apreensão” [5]. Segundo Douglas Gabriel Domingues “foi sem recursos técnicos, orçamentários e com pessoal excedente e despreparado, que se implantou no Brasil o sistema prévio de exame [...] O sistema de exame prévio implantado em tão má hora e forma, em uma repartição desaparelhada, sem recursos técnicos e com pessoal improvisado, somente podia gerar, como gerou, problema que, com os anos tenderiam a se agravar” [6].
Clóvis Rodrigues [7] diretor geral do DNPI na década de 1960 e um dos sócios fundadores da ABPI [8]] em 1963, relata que na criação do DNPI em 1933 eram 58 funcionários. Desde 1938 o órgão ocupava o mesmo espaço físico, ocupando o 5o andar do Palácio do Trabalho e mais algumas salas do 6o andar. A situação de caos administrativo é descrita por Clóvis Rodrigues: “o espetáculo é desalentador. As máquinas de escrever com uso diário de mais de 10 anos funcionam com dificuldade quando não defeituosamente. Os examinadores de patentes que pela natureza de seus serviços precisariam de um ambiente silencioso e tranquilo se agitam num desconforto extremo”. Ainda no início da década de 1960 o órgão contava com apenas dez examinadores de patentes, cada qual com uma carga de 100 pedidos por mês, dos quais só conseguiam emitir pareceres para 30 a 50 por mês. Em sua exposição de motivos relata as condições precárias, deficiente e antiquadas do DNPI que se impunha uma reforma em profundidade advertindo o governo daquela atitude de passividade, omissão e desinteresse por parte do governo: “É público e notório que o Departamento se agita em meio de uma crise de pessoal, crise de material, crise de organização, crise de desestímulo, crise de boa vontade [...] A prosseguir nesse estado de coisas, melhor seria fechá-lo de uma vez”. Para Clóvis Rodrigues a solução seria a transformação do DNPI em autarquia com plena autonomia financeira e administrativa de modo que os serviços possam se desenvolver “num regime de auto subsistência mercê de seus próprios recursos”.
Ministério de Trabalho no Rio de janeiro 1951, a seção que examinava pedidos de patente Fonte[1]: Revista O Observador Econômico e Financeiro, 1951 [9]
Nesta época decisões judiciais reforçam a necessidade de um exame técnico substantivo para validação de uma patente. O STF em decisão de 1966 analisou um exame técnico do DNPI que se limitou a afirmar: “O pedido está, a meu ver, bem definido e delimitado em suas reivindicações [...] Como não tenha encontrado qualquer anterioridade que possa afetar a sua novidade” [10]. O juiz questionou a ausência de conteúdo técnico no parecer: “Estou em que, nesse passo, assisto inteira razão ao ilustre Ministro Oscar Saraiva, que acentuou que o parecer é um mero “nada consta”, não tendo afirmado positivamente que havia novidade no processo para o qual era pedida a patente. Na verdade, o perito afirmou, apenas, que nada conhecia em matéria de anterioridade. Assim, a patente, ao ser expedida, apoiou-se apenas numa ficção legal de um ato formal, e não na seriedade de um exame técnico fundado [...] No caso, não houve exame técnico feito pelo próprio Departamento Nacional de Produção Industrial, que se limitou a um sucinto e inconvincente parecer, que não se fundou em quaisquer elementos, por ocasião da patente” [11].
Segundo Antonio Figueira Barbosa sobre o periodo anterior a criação do INPI, ou seja, antes de 1971: "a ausência do uso da propriedade industrial no comércio de tecnologia na fase anterior, pode ser explicada pela inoperância, de longa data, em que vivia o DNPI. Com a incubência de conceder os monopólios de patentes e marcas, o DNPI naufragava em um volume enorme de processos, com um corpo técnico despreparado a ineficiente. Para um país que está ingressando na industrialização, é possível entender como "normal" a incompreensão do que seria o papel da propriedade industrial em uma política industrial". [12] Em 1970, considerando-se o estado caótico do DNPI, com atrasos consideráveis no exame, e a desordem criada pelos dois últimos códigos de propriedade industrial, o governo Federal intervém no DNPI nomeando um novo diretor geral. Ainda em 1970 o DNPI é extinto com a criação do atual INPI pela Lei nº 5648 de 11 de dezembro de 1970. O Decreto Lei nº 68104 de 22 de janeiro de 1971 regulamenta a Lei de criação do INPI e a contratação de servidores para ampliação do quantitativo de examinadores de patentes.

[1] CERQUEIRA, Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. v.I, p. 18-19.
[2] BODENHAUSEN. Guia para La aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad Industrial, revisado em Estocolmo em 1967. Genebra: BIRPI, 1969. p. 168.
[3] DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial - patentes. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 118.
[4] CERQUEIRA. op. cit. p. 21.
[5] DOMINGUES. op. cit. p. 119.
[6] DOMINGUES. op. cit. p. 120.
[7] RODRIGUES, Clóvis. Exposição de motivos para projeto de Lei. 1959. 1ª parte.
[8] DANNEMANN, Gert Egon. ABPI, Uma Jovem Que Está a Comemorar 40 Anos. Revista da ABPI, jul.ago. 2003. http: //www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=ged&pos=5.51&lng=pt
[9] No mundo das invenções, Revista O Observador Econômico e Financeiro, Novembro 1951, ano XVI, n.190 p.9,
http://memoria.bn.br/hdb/periodo.aspx
[10] Recurso extraordinário 58535-SP. Relator: Ministro Evandro Lins. J.: 1966.
[11] BARBOSA, Denis. Atividade Inventiva como requisito de objetividade. Revista Criação, Rio de Janeiro: IBPI, n.1, p. 31, 2008 http: //www.denisbarbosa.addr.com/atividade.pdf.
[12] BARBOSA, Antonio Figueira. Propriedade e quase-propriedade no comércio de tecnologia, v.2, Brasília:CNPq, 1981, p. 140



 

 
 
 

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