A Convenção de Paris, criada em 1883, estabelece como
princípios básicos o tratamento nacional, a prioridade unionista e a independência
das patentes, os quais permitem a articulação de sistemas nacionais,
independentemente dos respectivos níveis de proteção [1]. A proteção de inventos em feiras
internacionais, bem como a ameaça de boicote dos EUA à uma feira de inventos na
Europa[2],
serviu como um fator adicional para criação da CUP, mas o maior motivador foi
reduzir a espionagem industrial já em plena atividade. De fato os exibidores
estrangeiros recusaram-se a participar da Exposição Internacional de Invenções
em Viena (Weltausstellung 1873 Wien ) em 1873 por receio de ter suas invenções
apropriadas por terceiros [3]. A lei austríaca de 1852 exigia que a
invenção de estrangeiros fosse fabricada dentro do Império Austro-Húngaro em
até um ano após a concessão da patente sob pena de se ter a patente anulada. O
ministro norte americano em Viena referia-se a este critério como uma virtual
proibição à proteção de inventos estrangeiros.[4]
Um artigo na revista Scientific American
de 23 de setembro de 1871 registra o sentimento de insegurança dos expositores
norte americanos diante da possibilidade de terem suas criações copiadas livremente
e conclui: “o resultado desta política
errônea e destrutiva será facilmente previsível”. Uma lei temporária foi
aprovada para proteção das invenções expostas na Exposição de Viena. O evento
foi instalado num conjunto de edifícios que tinha por peça central a Rotunde (a
"Rotunda"), um enorme edifício de planta circular instalado no parque
de Prater.[5]
A restrição a concessão de patentes a estrangeiros se verifica nas legislações
como a francesa que somente em 1844 permitiu que todo o inventor com patente na
França tivesse a possibilidade de solicitar uma patente para a mesma matéria no
estrangeiro, possibilidade vetada até então. [6]
Leandro Malavota aponta um outro aspecto que marca o período de
organização da CUP. As décadas de 1850 e 1860 haviam experimentado um
reforçamento das teses liberais acompanhadas por um crescimento das economias
capitalistas, o que engendrou uma forte crítica ao sistema de patentes como uma
intervenção indevida do governo na economia, ainda que expoentes do sistema
liberal como Adam Smith, Jean_Baptiste Say e John Stuart Mill mostrarem-se
abertamente favoráveis ao sistema de patentes. Adam Smith escreve em sua obra
Riqueza das Nações: “a propriedade que
cada homem possui como fruto de seu trabalho, com é o fundamento de todas as
outras propriedades, desta forma é a mais sagrada e inviolável propriedade”.[7]
A crise configurada em meados dos 1870 provoca um refluxo das teses liberais,
multiplicando-se os níveis de controle da economia: “pouco a pouco os segmentos industriais em dificuldades passam a
demandar do Estado medidas de apoio e proteção contra a concorrência
estrangeira” e neste sentido perde fôlego o movimento anti-patente. [8]Um primeiro Congresso Internacional das Patentes
de Invenção foi realizado entre 4 e 8 de agosto de 1873 sob a direção de
William Siemens de Londres, durante a Exposição Universal de Viena reunindo
delegados de países como Austria, França, Hungria, Itália, Russia, Suécia,
Suíça, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e outros países. A acolhida desta
iniciativa contudo foi recebida com pouco entusiasmo, a França e Russia por
exemplo recursaram-se inicialmente a participar. A delegação alemã conseguiu
incluir entre os princípios aprovados pela reunião, de caráter informal, incluir
o princípio das licenças compulsórias ainda que com a oposição dos
representantes dos Estados Unidos. [9]
Entre 5 a 17 de setembro de 1878 foi
promovida em Paris no Palais du Trocadéro uma segunda Conferência internacional
, durante a Exposição universal de Paris, não oficial, sobre o tema. A
exposição ficou aberta ao público entre maio e novembro de 1878 e reuniu cerca
de 13 milhões de pessoas que pagaram ingressos garantindo o sucesso do evento.[10]
Em seu discurso de abertura o ministro francês de agricultura destacou a
necessidade de medidas concretas que uniformizassem as leis nacionais de
patentes, a fim de minimizar as dificuldades dos inventores. A proteção por
patentes seria uma alternativa para conter as restrições ao comércio de
equipamentos e trabalhadores, substituindo tais mecanismos por uma forma mais
efetiva na proteção de ativos intelectuais [11]. A Conferência de Paris
de 1878 reuniu 484 delegados sendo 390 da França e representantes oficiais da
Alemanha, Hungria, Itália, Luxemburgo, Noruega, Russia, Espanha, Suécia, Suíça
e Estados Unidos. Segundo depoimentos obtidos junto a relatórios de algumas
destas representações uma boa parte do tempo da Conferência foi ocupada com
discussões de questões abstratas tais como justificações teóricas para a
proteção da propriedade intelectual. Um relatório foi preparado pelo membro suíço
Bodenheimer para criação do que era denominado l’Union Gènèrale pour la
protection de la Propriété Industrielle.
O delegado francês Charles Jagerschmidt
tentando conciliar tópicos de diversas legislações nacionais elaborou o Projet
d´une Union nale pour La Protection de La Propriété Industrielle,
encaminhado para diversos governos junto com um convite para uma conferência
diplomática que viria a ser realizada em 4 de novembro de 1880 com a
participação de 19 países (Argentina, Áustria-Hungria, Bélgica, Brasil, França,
Inglaterra, Guatemala, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Rússia, El
Salvador, Suécia, Noruega, Suíça, Turquia, Estados Unidos, Uruguai e
Venezuela)[12]. Com exceção da Bélgica,
França, Itália e Inglaterra que foram representados pelos presidentes de seus
respectivos escritórios de patentes, todos os demais eram membros da diplomacia,
o que representava um contrastava com as reuniões de 1873 e 1878 que foram
realizadas com participantes que atuavam diretamente na área de propriedade
intelectual. A Alemanha não participou desta conferência porque receava que sua
adesão à Convenção pudesse significar o compromisso de modificar sua legislação
de patentes recém aprovada em 1877. O Brasil foi representado nesta Conferência por Júlio Constâncio
de Villeneuve, que em 30 de dezembro de 1880 apresentou o seu relatório,
publicado na Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros.[13]
Júlio Constancio de Villeneuve, Conde de Villeneuve, filho de franceses, nasceu
em Santa Teresa, Rio de Janeiro em 1834 e morreu em 1910. Aos dez anos seguiu
com os pais para a França onde passou a maior parte de sua vida. Entrou na
cerreira diplomática em 1853 como adido na Legação do Brasil em Paris. Com o
falecimento de seu pai em 1863 herdou o Jornal do Comércio não assumindo,
contudo a direção do mesmo.[14]
Como forma de torna o princípio da licença compulsória aceitável
para todos os delegados foi incluída uma provisão que exigia que o titular
tinha a obrigação de explorar sua patente em conformidade com as leis do país
no qual introduzir os artigos patenteados. A Conferência de 1880 foi
preparatória para a Convenção de Paris que viria a ser oficialmente criada na segunda
reunião diplomática de 20 de março de 1883, cujo documento original foi
assinado por 11 países: Bélgica, Brasil, Espanha, França, Guatemala, Itália,
Holanda, Portugal, El Salvador, Sérvia, Suíça[15]. Os países portanto dispuseram de três anos
para estudar o texto proposto na reunião de 1880. Os países representados na
reunião de 1883 foram Argentina, Bélgica, Brasil, França, Guatemala, Itália,
Luxemburgo, Holanda, Portugal, Romênia, Rússia, Salvador, Sérvia, Espanha,
Suécia e Noruega Suíça, Inglaterra, Estados Unidos e Uruguai porém apenas os 11
países citados assinaram o texto final, ou seja, apenas a França como grande
nação industrializada da época assinara o acordo. Nos anos seguintes iriam
aderir ao acordo Inglaterra (1844), Estados Unidos (1887), Japão (1899) e
Alemanha (1903).[16]
Exposição de Viena 1873 [17]
[1] CHANG, Ha Joon. Intellectual
Property Rights and Economic Development – Historical Lessons and Emerging
Issues, Intellectual Property Rights Series No. 3, TWN (Thid Wold Network),
2001 http: //www.twnside.org.sg/title2/IPR/pdf/ipr03.pdf.
[2] MALAVOTA,Leandro
Miranda. A construção do sistema de
patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011,
p. 236
[3] IDRIS, Kamil. Intellectual
property, a power tool for economic growth. Genebra: WIPO, 2003, p.
15.
[4] DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE,
John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The
New Press: New York, 2002, p.34
[5]
http://pt.wikipedia.org/wiki/Exposi%C3%A7%C3%A3o_Universal_de_Viena
[6] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU,
Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire
de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 31
[7] ROSEN, William. The most powerful
idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon
House, 2010, p. 1259/6539 (kindle edition)
[8] MALAVOTA,Leandro
Miranda. A construção do sistema de
patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011,
p. 180
[9] C. Pieper and P. Schmid,
Gesichte der internationalen Union für den Schutz des gewerblichen Eigentums
sammt Konvention und Staatsverträgen (Berlin: Deutschen Vereins für den Schutz
des gewerblischen Eigentums, 1884 cf. http://www.wipo.int/edocs/mdocs/arab/en/wipo_ip_uni_dub_04/wipo_ip_uni_dub_04_1.doc
[10] http://en.wikipedia.org/wiki/Exposition_Universelle_(1878)
[11] CHANG, Ha Joon. O mito do livre-comércio e o maus
samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier,
2009. p. 128.
[12] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de
marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia, Rio
de Janeiro: Ed. Forense: 2010,
p. 48.
[13]
Tomo 9, p.378 cf. MENDONÇA, Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro.
Campinas:Ed. Russel, 2003, v.III, t.I, p.216
[14]
Anais do Museu Histórico Nacional, Vol. XII, 1951, 1961, Ministério da Educação
e Cultura, p.133 http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=MHN&pagfis=12718&pesq=&esrc=s&url=http://docvirt.no-ip.com/docreader.net
http://www.denisbarbosa.addr.com/paginas/historia/prefacio.htm
[15] http:
//en.wikipedia.org/wiki/Paris_Convention_for_the_Protection_of_Industrial_Property.
[16] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU,
Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire
de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 72
[17] http://en.wikipedia.org/wiki/Weltausstellung_1873_Wien
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