Segundo Chris Bailey as empresas chinesas são intensamente
subsidiadas pelos governos nacionais e regionais para aumentarem seus portfolios de modelos de utilidade, em
sua grande maioria inválidos, para acionarem judicialmente empresas
estrangeiras: “A China não tem patent
trolls (patentes duendes), ele tem patent cockroaches (patentes baratas). Este
nome não foi eu quem inventou, ele tem sido usado para descrever a ação destas
empresas. A expressão é perfeita. Ela descreve o inventor individual ou pequena
empresa que tem um modelo de utilidade barato, provavelmente inválido, que em
muitos casos possivelmente foi inventado durante o tempo em que o inventor trabalhava
para uma outra empresa. Então ele utiliza este modelo de utilidade contra a
mesma empresa, idealmente estrangeira ou uma grande corporação. Devemos lembrar
que para obter e manter esta patente isso lhe custa muito pouco, de modo que
uma compensação financeira de alguns milhares de dólares será lucro para ele,
uma vez que os custos de litígio são também muito baixos”.[1]
Dan Prud’homme mostra que a Estratégia de Desenvolvimento Nacional
de patentes no período de 2011 a 2020 prevê metas quanto a depósitos de
patentes a serem alcançadas em 150 regiões das províncias chinesas. Shangai, por
exemplo, desde 1999 oferece um subsídio aos depositantes para estimular os depósitos
de patentes padrão que se repete em várias outras províncias o que responde
pelo recente aumento em 2009 do número de depósitos de modelos de utilidade, o
que para Dan Prud’homme tem tido um impacto negativo na qualidade das patentes
concedidas. Embora com 2.2 milhões de depósitos em 2013 apenas 21 mil patentes
chinesas foram depositadas via PCT, o que é um indicador de baixa qualidade das
patentes, segundo métrica comumente empregada pela WIPO, embora uma métrica de
depósitos no exterior não necessariamente implique baixa qualidade devendo ser
contextualizada com outras métricas como taxas de citação das patentes.[2]
Os dados de 2014 mostram um recuo nesta tendência com um declínio de 3% no
total de depósitos de modelos de utilidade em relação a 2013. Dan Prud’homme,
contudo, acredita que este recuo é temporário uma vez que a Estratégia Nacional
de PI de 2014-2020 tem como objetivo aumentar a média atual de 6 patentes para
cada 10 mil pessoas para 14 pessoas, assim como aumentar o número de pedidos
PCTs por grupo de 10 mil pessoas de 3 em 2015 para 7.5 em 2020.[3]
Segundo Mark Cohen, Diretor de Política Internacional de
Propriedade Intelectual da Microsoft apenas 2% dos pedidos de invalidação de
patentes no SIPO obtém sucesso, o que leva a muitas empresas a tentarem a
invalidação das patentes diretamente nas Cortes. Dados de 2011 mostram que
99.3% dos depósitos de modelos de utilidade na China são realizados por
residentes, sendo os restantes 0.7% depósitos com origem principalmente no
Japão e Estados Unidos. O tempo estimado de exame de um modelo de utilidade é
de apenas 4.6 meses contados da data de depósito até sua decisão[4],
podendo em alguns casos chegar a um ano[5].
Pedidos de patente de invenção por outro lado, seguem tramitação distinta, que
pode levar até três anos para concessão. Cerca de 62% dos modelos de utilidade
na China são depositados por inventores individuais, ao invés de empresas, o
que favorece o surgimento de trolls
de patentes, especialmente considerando o fato de tais patentes não serem
submetidas a um exame substantivo. Em 2006 a Corte de Nanjing Intermediate
People’s Court em Yuan Lizhong v. Yangzhong City Tongfa Industry condenou por
litígio malicioso (sham litigation) o
titular de um modelo de utilidade que buscava o enforcement de sua patente de forma abusiva. [6]
Stephen Harris e Mark Cohen identificam da mesma forma o uso de modelos de
utilidade com propósitos anticompetitivos por parte de empresas chinesas.[7]
Uma Suthersanen destaca que muitos modelos de utilidade concedidos a residentes
chineses são na verdade invenções importadas do exterior.[8]
Este comportamento pode responder pelo grande acréscimo observado no número de
depósitos de modelos de utilidade na China. O fato de não ser submetido a exame
substantivo tem elevado o número de nulidades de tais registros. Cerca de 95%
das nulidades recebidas pelo SIPO são relativas a modelos de utilidade, e em
mais de 60% dos casos tais registros terminam cancelados.[9] Martin Meng menciona que dos
casos em litígio, enquanto 25% das patentes de invenção terminam anuladas, para
os modelos de utilidade este índice é de 30%. [10]Analisando
o total de depósitos de 1994 a 2003 Uma Suthersanen observa que os residentes depositaram 644 mil modelos de
utilidade e apenas 226 mil patentes de invenção e conclui que a maior parte do
esforço de inovação do país se encontra na adaptação de invenções obtidas do
exterior. De um total de aproximadamente 1,5 milhão de depósitos entre o mesmo
período de 1994 a 2003 cerca de 40% foram de modelos de utilidade, em grande
parte (99%) realizado por residentes[11]
(Figura 38). Empresas chinesas como Huawei com 1,6 mil pedidos, ZTE com 1,9 mil
pedidos, Midea com 5,2 mil pedidos, Joyoung com 1 mil pedidos e Haier com 3,5
mil pedidos são grandes depositantes de modelos de utilidade.[12]
Dos 409 mil modelos de utilidade depositados em 2010, 407 mil são de
residentes.[13]
As estatísticas do escritório chinês apontam para cerca de 1,7 milhão de
modelos de utilidade em vigor na China em junho de 2013, um crescimento de 38%
em relação ao último ano, sendo que 99% de titulares residentes na China.[14]
A expansão no número de depósitos é explicada em função do aumento
nos gastos em P&D; revigoramento do aparato legal em favor da concessão de
direitos patentários e subsídios governamentais para o depósito de patentes, o
que se reflete no fato de que este aumento observado nos depósitos de patentes
de invenção e modelos de utilidade é mais intenso em regiões da China em que se
verifica a presença de tais subsídios.[15]
Quando da adoção do sistema em 1984 havia um receio das autoridades
legislativas de que os modelos de utilidade poderiam ser utilizados por grandes
empresas japonesas, algo que não se confirmou. [16]
.
Fonte: SIPO Annual Report 2010[17]
|
John Orcutt observa que o sistema de patentes na China tem
encorajado o duplo patenteamento como invenção e modelo de utilidade pelas
seguintes razões: i) os depósitos de patentes são relativamente baratos, ii)
patentes de invenção em geral tem uma tramitação mais demorada que um modelo de
utilidade, iii) não há formalmente nenhuma proibição de ser fazer o depósito
simultâneo de invenção e modelo de utilidade. Segundo o autor, embora não seja
possível a concessão de uma patente de invenção igual a um modelo de utilidade,
não está claro se o SIPO é capaz de filtrar todos estes casos, o que pode levar
a uma contagem de patentes concedidas indevidamente inflacionada. No período de
1996 a 2006 apenas 8% das patentes concedidas a residentes chineses foram
patentes de invenção, o restante sendo modelo de utilidade e desenhos
industriais. De 2003 a 2006 este índice se eleva para 11% o que mostra que a
maioria das inovações dos residentes chineses é de caráter incremental. Por
outro lado, as patentes concedidas no USPTO com origem na China que em 1987
eram apenas de 23 saltaram para 1235 em 2007, enquanto que com origem no Brasil
no mesmo período aumentaram de 35 para 118.[18]
Segundo Peter Feng: “a patente de modelo
de utilidade foi planejada para estimular a participação mais ampla de empresas
inventivas, especialmente as empresas menores coletivas e cidadãos privados que
tem menos probabilidade de ter os recursos necessários para patentes de
invenção”.[19]
Dan Prud'homme em estudo da Câmara Europeia de Comércio[20]
observa que embora os depósitos de patentes na China tenham superado os dos
Estados Unidos e Japão isto não significa que a China seja um líder global da
inovação. O estudo mostra que a maior parte destes depósitos são de baixa
qualidade. Apesar disso os dados mostram que desde 2004 os depósitos de residentes
de patentes de invenção superaram os de modelo de utilidade o que representa um
início de maior conteúdo tecnológico dos depósitos chineses. Os pedidos de
modelo de utilidade tem índices de invalidação (47%) duas vezes superior aos de
patentes de invenção (21%) quando julgados pelo Patent Re-Examination Board
(PRB). Uma outra estatística apresentada em seminário realizado em Tóquio em
1998 apresenta um índice de invalidação de modelos de utilidade igualmente
elevada da ordem de 60%.[21] Kit
Boey Chow observa que uma razão para abusos cometidos no sistema é o fato de
que a concessão dos modelos de utilidade é feita sem exame e mesmo em caso de
litígio permanece como uma opção a Corte ou autoridade administrativa solicitar
ao titular um relatório de busca. [22] As
autoridades chinesas tem manifestado preocupação com a baixa qualidade de
muitas patentes. Ma Weiye, diretor geral do SIPO declarou em dezembro de 2010:
“nossas empresas devem prestar muito mais
atenção com a qualidade das patentes do que apenas com sua quantidade”.[23]
[1] WILD, Joff. NPEs, Chinese style. 24
maio 2011 http://www.iam-magazine.com/
[2] PRUD’HOMME, Dan.
Rethinking what international patenting really says aboiut chinese innovation,
Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2014, v.9, n.12, p.
986-992
[3] PRUD’HOMME, Dan. China´s
shifting patente landscape and State-led patenting strategy, Journal of
Intellectual Property Law & Practice, 2015, v.10, n.8, p.619-625.
[4] SIPO, Utility Model System in China abril 2012
http://fordhamipconference.com/wp-content/uploads/2010/08/ZhangYe_UMSystem.pdf
[5] SUTHERSANEN,
Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation
without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward
Elgar, 2007, p.156
[6] Stanford Law and Chinese Transformation
Conference (part 2 – the rise of patent cockroaches) 16 maio 2011
http://patentbric.com/?p=263
[7] HARRIS,
Stephen; COHEN, Mark; WANG, Peter. Anti-monopoly
law and practice in China, Oxford University Press, 2011, p. 217
[8] SUTHERSANEN,
Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation
without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward
Elgar, 2007, p.39, 162
[9]
SUTHERSANEN, Uma. Utility Models and
Innovation in Developing Countries, UNCTAD-ICTSD Project on IPRs and
Sustainable Development, 2006, p.21
http://www.unctad.org/en/docs/iteipc20066_en.pdf
[10] MENG,
Martin; HAO, Howard. Application and protection of Chinese utility model
patents, 27/08/2013 China: Managing the IP Lifecycle, p.19-23
http://www.lexology.com
[11] SUTHERSANEN,
DUTFIELD.op.cit. p.156
[12] MENG,
Martin; HAO, Howard. Application and protection of Chinese utility model
patents, 27/08/2013 China: Managing the IP Lifecycle, p.19-23
http://www.lexology.com
[13]
http://english.sipo.gov.cn/statistics/gnwsznb/2010/201101/t20110125_570592.html
[14]
http://english.sipo.gov.cn/statistics/2013/6/201308/t20130813_812466.html
[15]
LI, Xibao. Behind the recent surge
of Chinese patenting: an institutional view. Research Policy, v.41,
2012, p.236-249
[16] SUTHERSANEN,
DUTFIELD,op.cit. p.153
[17] SIPO, Annual
Report, 2010, Chapter IV - Patent
application and examination
http://english.sipo.gov.cn/laws/annualreports/2010/201104/P020110420372588586402.pdf
http://english.sipo.gov.cn/statistics/
[18] ORCUTT,
John. Shaping China’s Innovation Future:
university technology transfer in transition. Edward Elgar, 2010, p. 67,
143
[19] Cf. YU,
Peter. Building the Ladder: Three Decades
of Development of the Chinese Patent System, outubro 2012, WIPO Journal, v.
5, p. 1-16, 2013, Drake University Law School Research Paper No. 12-30
http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2159011
[20] European
Chamber. Dulling the cutting edge: how
patent related policies and practices hamper innovation in China. Agosto
2012 http://www.euccc.com.cn/upload/media/media/27/patentstudy2012[766].pdf In:
LIU, Benjamin. Patent Quality and
Innovation in China: 5 myths, 9 outubro 2012
http://chineseip.jmls.edu/sites/en/patent-quality-and-inno-0
[21] SUTHERSANEN,
Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation
without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward
Elgar, 2007, p.163
[22] SUTHERSANEN,
op.cit, p.163
[23] CHINA DAILY.
SIPO: quality, not numbers, key to
patents and innovation, 5 janeiro 2011
http://english.people.com.cn/90001/90778/90860/7250698.html ; WILD, Joff. Quality is China's biggest patent challenge
20 janeiro 2011 http://www.iam-magazine.com/
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