quarta-feira, 29 de julho de 2015

Modelos de Utilidade na China

Segundo Chris Bailey as empresas chinesas são intensamente subsidiadas pelos governos nacionais e regionais para aumentarem seus portfolios de modelos de utilidade, em sua grande maioria inválidos, para acionarem judicialmente empresas estrangeiras: “A China não tem patent trolls (patentes duendes), ele tem patent cockroaches (patentes baratas). Este nome não foi eu quem inventou, ele tem sido usado para descrever a ação destas empresas. A expressão é perfeita. Ela descreve o inventor individual ou pequena empresa que tem um modelo de utilidade barato, provavelmente inválido, que em muitos casos possivelmente foi inventado durante o tempo em que o inventor trabalhava para uma outra empresa. Então ele utiliza este modelo de utilidade contra a mesma empresa, idealmente estrangeira ou uma grande corporação. Devemos lembrar que para obter e manter esta patente isso lhe custa muito pouco, de modo que uma compensação financeira de alguns milhares de dólares será lucro para ele, uma vez que os custos de litígio são também muito baixos”.[1]
Dan Prud’homme mostra que a Estratégia de Desenvolvimento Nacional de patentes no período de 2011 a 2020 prevê metas quanto a depósitos de patentes a serem alcançadas em 150 regiões das províncias chinesas. Shangai, por exemplo, desde 1999 oferece um subsídio aos depositantes para estimular os depósitos de patentes padrão que se repete em várias outras províncias o que responde pelo recente aumento em 2009 do número de depósitos de modelos de utilidade, o que para Dan Prud’homme tem tido um impacto negativo na qualidade das patentes concedidas. Embora com 2.2 milhões de depósitos em 2013 apenas 21 mil patentes chinesas foram depositadas via PCT, o que é um indicador de baixa qualidade das patentes, segundo métrica comumente empregada pela WIPO, embora uma métrica de depósitos no exterior não necessariamente implique baixa qualidade devendo ser contextualizada com outras métricas como taxas de citação das patentes.[2] Os dados de 2014 mostram um recuo nesta tendência com um declínio de 3% no total de depósitos de modelos de utilidade em relação a 2013. Dan Prud’homme, contudo, acredita que este recuo é temporário uma vez que a Estratégia Nacional de PI de 2014-2020 tem como objetivo aumentar a média atual de 6 patentes para cada 10 mil pessoas para 14 pessoas, assim como aumentar o número de pedidos PCTs por grupo de 10 mil pessoas de 3 em 2015 para 7.5 em 2020.[3]
Segundo Mark Cohen, Diretor de Política Internacional de Propriedade Intelectual da Microsoft apenas 2% dos pedidos de invalidação de patentes no SIPO obtém sucesso, o que leva a muitas empresas a tentarem a invalidação das patentes diretamente nas Cortes. Dados de 2011 mostram que 99.3% dos depósitos de modelos de utilidade na China são realizados por residentes, sendo os restantes 0.7% depósitos com origem principalmente no Japão e Estados Unidos. O tempo estimado de exame de um modelo de utilidade é de apenas 4.6 meses contados da data de depósito até sua decisão[4], podendo em alguns casos chegar a um ano[5]. Pedidos de patente de invenção por outro lado, seguem tramitação distinta, que pode levar até três anos para concessão. Cerca de 62% dos modelos de utilidade na China são depositados por inventores individuais, ao invés de empresas, o que favorece o surgimento de trolls de patentes, especialmente considerando o fato de tais patentes não serem submetidas a um exame substantivo. Em 2006 a Corte de Nanjing Intermediate People’s Court em Yuan Lizhong v. Yangzhong City Tongfa Industry condenou por litígio malicioso (sham litigation) o titular de um modelo de utilidade que buscava o enforcement de sua patente de forma abusiva. [6] Stephen Harris e Mark Cohen identificam da mesma forma o uso de modelos de utilidade com propósitos anticompetitivos por parte de empresas chinesas.[7]
Uma Suthersanen destaca que muitos modelos de utilidade concedidos a residentes chineses são na verdade invenções importadas do exterior.[8] Este comportamento pode responder pelo grande acréscimo observado no número de depósitos de modelos de utilidade na China. O fato de não ser submetido a exame substantivo tem elevado o número de nulidades de tais registros. Cerca de 95% das nulidades recebidas pelo SIPO são relativas a modelos de utilidade, e em mais de 60% dos casos tais registros terminam cancelados.[9] Martin Meng menciona que dos casos em litígio, enquanto 25% das patentes de invenção terminam anuladas, para os modelos de utilidade este índice é de 30%. [10]Analisando o total de depósitos de 1994 a 2003 Uma Suthersanen observa que os residentes depositaram 644 mil modelos de utilidade e apenas 226 mil patentes de invenção e conclui que a maior parte do esforço de inovação do país se encontra na adaptação de invenções obtidas do exterior. De um total de aproximadamente 1,5 milhão de depósitos entre o mesmo período de 1994 a 2003 cerca de 40% foram de modelos de utilidade, em grande parte (99%) realizado por residentes[11] (Figura 38). Empresas chinesas como Huawei com 1,6 mil pedidos, ZTE com 1,9 mil pedidos, Midea com 5,2 mil pedidos, Joyoung com 1 mil pedidos e Haier com 3,5 mil pedidos são grandes depositantes de modelos de utilidade.[12] Dos 409 mil modelos de utilidade depositados em 2010, 407 mil são de residentes.[13] As estatísticas do escritório chinês apontam para cerca de 1,7 milhão de modelos de utilidade em vigor na China em junho de 2013, um crescimento de 38% em relação ao último ano, sendo que 99% de titulares residentes na China.[14]
A expansão no número de depósitos é explicada em função do aumento nos gastos em P&D; revigoramento do aparato legal em favor da concessão de direitos patentários e subsídios governamentais para o depósito de patentes, o que se reflete no fato de que este aumento observado nos depósitos de patentes de invenção e modelos de utilidade é mais intenso em regiões da China em que se verifica a presença de tais subsídios.[15] Quando da adoção do sistema em 1984 havia um receio das autoridades legislativas de que os modelos de utilidade poderiam ser utilizados por grandes empresas japonesas, algo que não se confirmou. [16]


Fonte: SIPO Annual Report 2010[17]

 

John Orcutt observa que o sistema de patentes na China tem encorajado o duplo patenteamento como invenção e modelo de utilidade pelas seguintes razões: i) os depósitos de patentes são relativamente baratos, ii) patentes de invenção em geral tem uma tramitação mais demorada que um modelo de utilidade, iii) não há formalmente nenhuma proibição de ser fazer o depósito simultâneo de invenção e modelo de utilidade. Segundo o autor, embora não seja possível a concessão de uma patente de invenção igual a um modelo de utilidade, não está claro se o SIPO é capaz de filtrar todos estes casos, o que pode levar a uma contagem de patentes concedidas indevidamente inflacionada. No período de 1996 a 2006 apenas 8% das patentes concedidas a residentes chineses foram patentes de invenção, o restante sendo modelo de utilidade e desenhos industriais. De 2003 a 2006 este índice se eleva para 11% o que mostra que a maioria das inovações dos residentes chineses é de caráter incremental. Por outro lado, as patentes concedidas no USPTO com origem na China que em 1987 eram apenas de 23 saltaram para 1235 em 2007, enquanto que com origem no Brasil no mesmo período aumentaram de 35 para 118.[18] Segundo Peter Feng: “a patente de modelo de utilidade foi planejada para estimular a participação mais ampla de empresas inventivas, especialmente as empresas menores coletivas e cidadãos privados que tem menos probabilidade de ter os recursos necessários para patentes de invenção”.[19]
Dan Prud'homme em estudo da Câmara Europeia de Comércio[20] observa que embora os depósitos de patentes na China tenham superado os dos Estados Unidos e Japão isto não significa que a China seja um líder global da inovação. O estudo mostra que a maior parte destes depósitos são de baixa qualidade. Apesar disso os dados mostram que desde 2004 os depósitos de residentes de patentes de invenção superaram os de modelo de utilidade o que representa um início de maior conteúdo tecnológico dos depósitos chineses. Os pedidos de modelo de utilidade tem índices de invalidação (47%) duas vezes superior aos de patentes de invenção (21%) quando julgados pelo Patent Re-Examination Board (PRB). Uma outra estatística apresentada em seminário realizado em Tóquio em 1998 apresenta um índice de invalidação de modelos de utilidade igualmente elevada da ordem de 60%.[21] Kit Boey Chow observa que uma razão para abusos cometidos no sistema é o fato de que a concessão dos modelos de utilidade é feita sem exame e mesmo em caso de litígio permanece como uma opção a Corte ou autoridade administrativa solicitar ao titular um relatório de busca. [22] As autoridades chinesas tem manifestado preocupação com a baixa qualidade de muitas patentes. Ma Weiye, diretor geral do SIPO declarou em dezembro de 2010: “nossas empresas devem prestar muito mais atenção com a qualidade das patentes do que apenas com sua quantidade”.[23]



[1] WILD, Joff. NPEs, Chinese style. 24 maio 2011 http://www.iam-magazine.com/
[2] PRUD’HOMME, Dan. Rethinking what international patenting really says aboiut chinese innovation, Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2014, v.9, n.12, p. 986-992
[3] PRUD’HOMME, Dan. China´s shifting patente landscape and State-led patenting strategy, Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2015, v.10, n.8, p.619-625.
[4] SIPO, Utility Model System in China abril 2012
 http://fordhamipconference.com/wp-content/uploads/2010/08/ZhangYe_UMSystem.pdf
[5] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.156
[6] Stanford Law and Chinese Transformation Conference (part 2 – the rise of patent cockroaches) 16 maio 2011 http://patentbric.com/?p=263
[7] HARRIS, Stephen; COHEN, Mark; WANG, Peter. Anti-monopoly law and practice in China, Oxford University Press, 2011, p. 217
[8] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.39, 162
[9] SUTHERSANEN, Uma. Utility Models and Innovation in Developing Countries, UNCTAD-ICTSD Project on IPRs and Sustainable Development, 2006, p.21 http://www.unctad.org/en/docs/iteipc20066_en.pdf
[10] MENG, Martin; HAO, Howard. Application and protection of Chinese utility model patents, 27/08/2013 China: Managing the IP Lifecycle, p.19-23 http://www.lexology.com
[11] SUTHERSANEN, DUTFIELD.op.cit. p.156
[12] MENG, Martin; HAO, Howard. Application and protection of Chinese utility model patents, 27/08/2013 China: Managing the IP Lifecycle, p.19-23 http://www.lexology.com
[13] http://english.sipo.gov.cn/statistics/gnwsznb/2010/201101/t20110125_570592.html
[14] http://english.sipo.gov.cn/statistics/2013/6/201308/t20130813_812466.html
[15] LI, Xibao. Behind the recent surge of Chinese patenting: an institutional view. Research Policy, v.41, 2012, p.236-249
[16] SUTHERSANEN, DUTFIELD,op.cit. p.153
[17] SIPO, Annual Report, 2010, Chapter IV - Patent application and examination
http://english.sipo.gov.cn/laws/annualreports/2010/201104/P020110420372588586402.pdf http://english.sipo.gov.cn/statistics/
[18] ORCUTT, John. Shaping China’s Innovation Future: university technology transfer in transition. Edward Elgar, 2010, p. 67, 143
[19] Cf. YU, Peter. Building the Ladder: Three Decades of Development of the Chinese Patent System, outubro 2012, WIPO Journal, v. 5, p. 1-16, 2013, Drake University Law School Research Paper No. 12-30 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2159011
[20] European Chamber. Dulling the cutting edge: how patent related policies and practices hamper innovation in China. Agosto 2012 http://www.euccc.com.cn/upload/media/media/27/patentstudy2012[766].pdf In: LIU, Benjamin. Patent Quality and Innovation in China: 5 myths, 9 outubro 2012
http://chineseip.jmls.edu/sites/en/patent-quality-and-inno-0
[21] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.163
[22] SUTHERSANEN, op.cit, p.163
[23] CHINA DAILY. SIPO: quality, not numbers, key to patents and innovation, 5 janeiro 2011 http://english.people.com.cn/90001/90778/90860/7250698.html ; WILD, Joff. Quality is China's biggest patent challenge 20 janeiro 2011 http://www.iam-magazine.com/

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