Dispondo a empresa de um recurso
considerado essencial para uma atividade econômica MCI Comm. v. AT&T[1]
a Corte entende que pode se configurar prática abusiva quando (i) o controle deste
recurso for exercido como monopólio, (ii) incapacidade do competidor exercer
sua atividade sem obter ou duplicar este recurso (iii) negativa do titular em
permitir o competidor de utilizar este recurso. Jae Park considera que tem sido
limitada a aplicação de tal doutrina (essential
facilities doctrine) nos Estados Unidos no âmbito da propriedade
intelectual e ainda que fosse o caso, o monopolista licenciaria sua tecnologia
a preços de monopólio o que de qualquer forma constitui uma ineficiência de
mercado. Em Intergraph v. Intel[2]
relata que a Intergraph em 1993 começou a instalar plataforma aberta de
processadores Intel em sua Workstations. Em 1996 a Intel solicitou que a
Intergraph licenciasse de forma gratuita suas patentes relativas a tecnologia
de Clipper, mas teve seu pedido negado. Com isso a Intel cessou de fornecer a
Intergraph informações consideradas confidenciais de seus processadores. A
Intergraph alegou que, uma vez tendo os processadores Intel se firmado como
padrão de mercado de Workstations, a Intel estaria violando as leis
antitrustes. A Corte recusou-se a adotar a doutrina de essential features
porque Intel e Intergraph não competiam em uma mesma faixa de mercado.
A Suprema Corte em Verizon
Commc’n v. Law Offices of Curtis v. Trinko, marginalizou a aplicação da
doutrina de essential facilities pois sua aplicação conduziria a um desestímulo
para a inovação.[3] Segundo a Corte: “As empresas podem adquiri poder de monopólio
ao estabelecer uma infraestrutura que as tornem as únicas capazes de atender
seus clientes. Compelir tais firmas em compartilhar a fonte de suas vantagens
está em conflito com os propósitos da lei antitruste, uma vez que que isto pode
diminuir o incentivo para o monopolita, o rival, ou ambos em investir recursos
em tais empreendimentos. Forçar o compartilhamento também exige das cortes
antitrustre agirem como planejadores centrais, identificando o preço adequado,
quantidades e outros termos de uma negociação para os quais eles não são as
mais adequadas em calcular. Além disso, forçar a negociação entre competidores
pode facilitar o mal maior do antitruste: colusão”.[4]
Em Trinko os autores da ação queriam que a Verizon não somente compartilhasse
seus sistema existente, mas adicionasse recursos instalando novas linhas de
comunicação ou instalação novos equipamentos de comutação. Para Hovencamp: “Exceto se quisermos usar as leis antitruste
para transformar uma empresa em utilidade pública, a doutrina de recursos
essenciais deve se limitar ao compartilhamento de recursos já existentes da
empresa”. Desta forma, a Corte em Trinko impôs severas limitações a
aplicação da doutrina de essential facilities.[5]
Segundo Karin Grau Kuntz a decisão em Trinko é bastante cética quanto a
possibilidade do direito antitruste ser usado como instrumento regulador das
microrelações de mercado, devendo estas intervenções da política antitruste
serem vistas como exceções, demonstrando confiança na capacidade do mercado em
se autoregular.[6]
Sean Flynn concorda que a
aplicação da doutrina de essential
facilities nos casos em que há recusa do titular da patente em licenciar
sua patente tem sido bastante controversa nos Estados Unidos, sendo que na
Europa, especialmente após o caso Magill, a questão tem sido relativamente bem
estabelecida.[7] Para Sean Flynn a lei de
concorrência pode ser usada para restringir os direitos de propriedade
intelectual tendo em vista o equilíbrio de interesses públicos e privados.
Louis Kaplow observa que na aplicação da lei da concorrência em questões que
envolvam a propriedade intelectual deve-se levar em conta o benefício ou
prejuízo líquido para a sociedade, ou seja o incentivo para os inovadores
desenvolverem novos produtos e o respectiva restrição de acesso pela sociedade
para a tecnologia patenteada. [8]
Na mesma linha de raciocínio Herbert Hovemvanp, Mark Janis e Mark Lemley
concluem que na aplicação da lei de concorrência deve-se levar em conta: “o balanceamento dos benefícios sociais ao
promover incentivos econômicos para criação e os custos de limitar a difusão
deste conhecimento”.[9]
O acordo TRIPS no artigo 40 também prevê a aplicação de medida contra uso de
patentes em práticas consideradas restritivas para a concorrência: “Os Membros concordam que algumas práticas ou
condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual que
restringem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a
transferência e disseminação de tecnologia. Nenhuma disposição deste Acordo
impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas
de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos
direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a
concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode
adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas
apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por
exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da
validade e pacotes de licenças coercitivas, à luz das leis e regulamentos
pertinentes desse Membro”. Para Sean Flynn as agências de controle da
concorrência podem e devem se constituir um espaço político legítimo de como a
propriedade intelectual deva ser regulada.
Sean Flynn mostra que
para o exemplo de um medicamento antiretroviral (ARV) vendido na África do Sul um
preco estabelecido pela empresa fabricante do medicamento de US$ 1481 por
paciente por ano implica que apenas 100 mil pacientes estão dispostos a comprar
o medicamento a este preço (empresa fatura neste caso US$ 148 milhões). Este é
o número de pacientes em que o preço do medicamento representa 5% de suas
rendas. Se o preço cai para US$ 396, o número de compradores aumenta para 200
mil (a emprea fatura US$ US$ 79 milhões). Para atingir o número total de
pessoas que necessitam de tratamento este medicamento teria de ser vendido por
US$ 18. O valor ótimo de venda para empresa, para maximação de lucros de
monopólio por parte da empresa titular da patente, portanto, é o de US$ 1481,
situação em que 90% dos pacientes não são atendidos. A mesma situação em país
de renda per capita mais elevada como a Noruega, em que novamente o preço do
medicamento representa 5% de sua renda, mostra curvas de demanda em que o valor
ótimo de venda da empresa é alcançado tendo apenas 20% dos pacientes não atendidos.
Quanto mais desigual a distribuição de renda do país, mais pessoas estarão
excluídas do acesso aos medicamentos quando os preços são estabelecidos segundo
as estratégias de maximazação de lucros de monopólio.
Herbert Hovenkamp [10]
[1] 708 F.2d 1081 (1983). PARK, Jae
Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010, p. 35
[2] 195 F.3d 1346 (1999),
PARK,op.cit.p.36
[3] 540 U.S. 398, 407
(2004)
[4] LÉVÊQUE, François. The Application
of Essential Facility and Leveraging Doctrines to Intellectual Property in the
EU: The Microsoft’s Refusal to License on Interoperability, CERNA, 2004,
http://www.cerna.ensmp.fr/Documents/FL-WP-ComVsMS.pdf
[5] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust
enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005,
p.3156/4769
[6]
KUNTZ, Karin Grau. Parecer: O desenho industrial como instrumento de controle
econômico do mercado secundário de peças de reposição de automóveis – uma
análise crítica à recente decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE). cf.
SILVEIRA, Newton. Direito de autor no design. São Paulo:Saraiva, 2012, p.290
[7] FLYNN, Sean. Using competition law
to promote access to knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access
to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque,
2010, p.455
[8] KAPLOW, Louis. The patent antitrust
intersection: a reappraisal, Harvard Law Review, v.97, 1984. Cf. FLYNN, Sean. Using
competition law to promote access to knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle;
KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone
Books: Nova Iorque, 2010, p.456
[9] HOVENKAMP, Herbert; JANIS, Mark;
LEMLEY, Mark. IP and antitrust: an analysis of antitrust principles applied to
intellectual property a, New York: Aspen Publishers, 2007, p.1-10
[10] http://www.law.ufl.edu/enews/042010/heath.shtml
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