segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Patentes e antitruste

Dispondo a empresa de um recurso considerado essencial para uma atividade econômica MCI Comm. v. AT&T[1] a Corte entende que pode se configurar prática abusiva quando (i) o controle deste recurso for exercido como monopólio, (ii) incapacidade do competidor exercer sua atividade sem obter ou duplicar este recurso (iii) negativa do titular em permitir o competidor de utilizar este recurso. Jae Park considera que tem sido limitada a aplicação de tal doutrina (essential facilities doctrine) nos Estados Unidos no âmbito da propriedade intelectual e ainda que fosse o caso, o monopolista licenciaria sua tecnologia a preços de monopólio o que de qualquer forma constitui uma ineficiência de mercado. Em Intergraph v. Intel[2] relata que a Intergraph em 1993 começou a instalar plataforma aberta de processadores Intel em sua Workstations. Em 1996 a Intel solicitou que a Intergraph licenciasse de forma gratuita suas patentes relativas a tecnologia de Clipper, mas teve seu pedido negado. Com isso a Intel cessou de fornecer a Intergraph informações consideradas confidenciais de seus processadores. A Intergraph alegou que, uma vez tendo os processadores Intel se firmado como padrão de mercado de Workstations, a Intel estaria violando as leis antitrustes. A Corte recusou-se a adotar a doutrina de essential features porque Intel e Intergraph não competiam em uma mesma faixa de mercado.

A Suprema Corte em Verizon Commc’n v. Law Offices of Curtis v. Trinko, marginalizou a aplicação da doutrina de essential facilities pois sua aplicação conduziria a um desestímulo para a inovação.[3] Segundo a Corte: “As empresas podem adquiri poder de monopólio ao estabelecer uma infraestrutura que as tornem as únicas capazes de atender seus clientes. Compelir tais firmas em compartilhar a fonte de suas vantagens está em conflito com os propósitos da lei antitruste, uma vez que que isto pode diminuir o incentivo para o monopolita, o rival, ou ambos em investir recursos em tais empreendimentos. Forçar o compartilhamento também exige das cortes antitrustre agirem como planejadores centrais, identificando o preço adequado, quantidades e outros termos de uma negociação para os quais eles não são as mais adequadas em calcular. Além disso, forçar a negociação entre competidores pode facilitar o mal maior do antitruste: colusão”.[4] Em Trinko os autores da ação queriam que a Verizon não somente compartilhasse seus sistema existente, mas adicionasse recursos instalando novas linhas de comunicação ou instalação novos equipamentos de comutação. Para Hovencamp: “Exceto se quisermos usar as leis antitruste para transformar uma empresa em utilidade pública, a doutrina de recursos essenciais deve se limitar ao compartilhamento de recursos já existentes da empresa”. Desta forma, a Corte em Trinko impôs severas limitações a aplicação da doutrina de essential facilities.[5] Segundo Karin Grau Kuntz a decisão em Trinko é bastante cética quanto a possibilidade do direito antitruste ser usado como instrumento regulador das microrelações de mercado, devendo estas intervenções da política antitruste serem vistas como exceções, demonstrando confiança na capacidade do mercado em se autoregular.[6]

Sean Flynn concorda que a aplicação da doutrina de essential facilities nos casos em que há recusa do titular da patente em licenciar sua patente tem sido bastante controversa nos Estados Unidos, sendo que na Europa, especialmente após o caso Magill, a questão tem sido relativamente bem estabelecida.[7] Para Sean Flynn a lei de concorrência pode ser usada para restringir os direitos de propriedade intelectual tendo em vista o equilíbrio de interesses públicos e privados. Louis Kaplow observa que na aplicação da lei da concorrência em questões que envolvam a propriedade intelectual deve-se levar em conta o benefício ou prejuízo líquido para a sociedade, ou seja o incentivo para os inovadores desenvolverem novos produtos e o respectiva restrição de acesso pela sociedade para a tecnologia patenteada. [8] Na mesma linha de raciocínio Herbert Hovemvanp, Mark Janis e Mark Lemley concluem que na aplicação da lei de concorrência deve-se levar em conta: “o balanceamento dos benefícios sociais ao promover incentivos econômicos para criação e os custos de limitar a difusão deste conhecimento”.[9] O acordo TRIPS no artigo 40 também prevê a aplicação de medida contra uso de patentes em práticas consideradas restritivas para a concorrência: “Os Membros concordam que algumas práticas ou condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual que restringem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia. Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivas, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro”. Para Sean Flynn as agências de controle da concorrência podem e devem se constituir um espaço político legítimo de como a propriedade intelectual deva ser regulada.

Sean Flynn mostra que para o exemplo de um medicamento antiretroviral (ARV) vendido na África do Sul um preco estabelecido pela empresa fabricante do medicamento de US$ 1481 por paciente por ano implica que apenas 100 mil pacientes estão dispostos a comprar o medicamento a este preço (empresa fatura neste caso US$ 148 milhões). Este é o número de pacientes em que o preço do medicamento representa 5% de suas rendas. Se o preço cai para US$ 396, o número de compradores aumenta para 200 mil (a emprea fatura US$ US$ 79 milhões). Para atingir o número total de pessoas que necessitam de tratamento este medicamento teria de ser vendido por US$ 18. O valor ótimo de venda para empresa, para maximação de lucros de monopólio por parte da empresa titular da patente, portanto, é o de US$ 1481, situação em que 90% dos pacientes não são atendidos. A mesma situação em país de renda per capita mais elevada como a Noruega, em que novamente o preço do medicamento representa 5% de sua renda, mostra curvas de demanda em que o valor ótimo de venda da empresa é alcançado tendo apenas 20% dos pacientes não atendidos. Quanto mais desigual a distribuição de renda do país, mais pessoas estarão excluídas do acesso aos medicamentos quando os preços são estabelecidos segundo as estratégias de maximazação de lucros de monopólio.


Herbert Hovenkamp [10]




[1] 708 F.2d 1081 (1983). PARK, Jae Hun. Patents and industry standards. US:Edward Elgar 2010, p. 35
[2] 195 F.3d 1346 (1999), PARK,op.cit.p.36
[3] 540 U.S. 398, 407 (2004)
[4] LÉVÊQUE, François. The Application of Essential Facility and Leveraging Doctrines to Intellectual Property in the EU: The Microsoft’s Refusal to License on Interoperability, CERNA, 2004, http://www.cerna.ensmp.fr/Documents/FL-WP-ComVsMS.pdf
[5] HOVENKAMP, Herbert. Antitrust enterprise: principle and execution, Cambridge:Harvard University Press, 2005, p.3156/4769
[6] KUNTZ, Karin Grau. Parecer: O desenho industrial como instrumento de controle econômico do mercado secundário de peças de reposição de automóveis – uma análise crítica à recente decisão da Secretaria de Direito Econômico (SDE). cf. SILVEIRA, Newton. Direito de autor no design. São Paulo:Saraiva, 2012, p.290
[7] FLYNN, Sean. Using competition law to promote access to knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.455
[8] KAPLOW, Louis. The patent antitrust intersection: a reappraisal, Harvard Law Review, v.97, 1984. Cf. FLYNN, Sean. Using competition law to promote access to knowledge. In: KRIKORIAN, Gaelle; KAPCZYNSKI, Amy. Access to knowledge in the age of intellectual property, Zone Books: Nova Iorque, 2010, p.456
[9] HOVENKAMP, Herbert; JANIS, Mark; LEMLEY, Mark. IP and antitrust: an analysis of antitrust principles applied to intellectual property a, New York: Aspen Publishers, 2007, p.1-10
[10] http://www.law.ufl.edu/enews/042010/heath.shtml

Nenhum comentário:

Postar um comentário