sábado, 8 de julho de 2017

Os riscos da concessão automática de patentes


Nos Estados Unidos até 1836 as patentes eram concedidas sem exame de novidade o que provocava a ação de pessoas inescrupulosas que solicitavam patentes de produtos conhecidos para auferir indevidamente ganhos. Uma experiência inicial de exame havia sido implementada de 1790 a 1793. O senador John Ruggles foi presidente de uma Comissão de Reforma de Patentes de 1836 e conclui: “Durante mais de 40 anos o Departamento de Estado concedeu patentes a cada solicitação, sem qualquer exame dos méritos ou da novidade da invenção. Muitas das patentes concedidas são destituídas de valor e nulas, estando em conflito umas com as outras, resultando dessa condição muitas ações legais. Surgiram fraudes. As criaturas copiam patentes existentes, introduzem ligeiras modificações e obtém patentes. As patentes se tornam de pouco valor e o propósito da lei de patentes é grandemente anulado”. A Reforma de 1836 transformou o Escritório de Patentes em uma repartição separada sob a direção do Departamento de Estado encerrando a concessão de patentes por registro, restabelecendo-se o sistema de exame que vigorara nos três primeiros anos da história do país.[1] Enquanto em 1836 havia um único examinador, este número aumentou para dois examinadores em 1837, chegando a 12 examinadores em 1861 e 66 em 1870. [2]

Em Atlantic Works v. Brady[3] a Suprema Corte em 1883 retoma a questão ao condenar a concessão de patentes para “dispositivos triviais, cada sombra de uma ideia, que natural e espontaneamente ocorreria a qualquer mecânico experiente ou operador do progresso comum da manufatura”. Segundo o juiz Justice Bradley: “o processo de desenvolvimento na indústria cria uma demanda constante por novos equipamentos, os quais a habilidade de supervisores e engenheiros comuns é geralmente capaz de realizar e que são, efetivamente, o produto natural e adequado desse desenvolvimento. Cada passo em frente prepara o caminho para o próximo, e cada um é dado usualmente através de testes e tentativas espontâneos em cem lugares diferentes. Conceder a uma única parte o monopólio para cada avanço mínimo, exceto onde o exercício da atividade inventiva, acimas das habilidades mecânicas ou da engenharia, se revela de forma nítida é injusto em princípio e prejudicial em suas consequências. O objetivo das leis de patentes é recompensar quem fez uma descoberta ou invenção substancial, a qual acrescenta algo ao nosso conhecimento e dá um passo adiante na técnica. Esses inventores merecem todos os nossos favores. Nunca foi o objetivo dessas leis conceder um monopólio a qualquer objetivo insignificante, a qualquer remota aparência de uma ideia, a qual natural e espontaneamente ocorreria a qualquer mecânico ou operador treinado no curso do progresso ordinário da indústria. A criação indiscriminada de privilégios exclusivos opera mais no sentido de obstruir do que de estimular a invenção. Cria uma classe de aproveitadores especulativos que fazem de seu negócio observar a onda do progresso, e recolher a sua espuma sob a forma de monopólios de patentes, o que lhes permite impor um pesado tributo sobre a indústria do país, sem contribuir em nada para o avanço efetivo da técnica. Atrapalha o estabelecimento de negócios honestos com medos e apreensões relativos a responsabilidades ocultas e vulnerabilidades desconhecidas com relação a ações judiciais e condenação a pagar danos excessivos ainda que causados de boa fé”.[4] Este entendimento confirma doutrina exposta por Jefferson em carta a Thomas Cooper de 1814: “o abuso de patentes frívolas é provável que cause mais inconvenientes do que a compensação daquelas patentes realmente úteis”.
Justice Bradley[5]
 



[1] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 48; VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.116
[2] COOPER, Carolyn. Social construction of invention through patent management: Thomas Blanchard Woodworking machinery, Technology & Culture, v.32, 1991, p.960-998
[3] 107 US 192 (1883) cf. BOCHNOVIC, John. The inventive step: its evolution in Canada, the United Kingdom and the United States, IIC Studies, Basel:Verlag Chemie, 1982, p.25; CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 368
[4] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado. presente e futuro. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2009, p.368; BARBOSA, Denis Borges; KUNTZ, Karin Grau; BARBOSA, Ana Beatriz Nunes. A propriedade intelectual na construção dos tribunais constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen, 2009, p. 111; BARTON, John. Non-obviousness (draft), agosto 2001, p. 14 http://eml.berkeley.edu/~bhhall/ipconf/Barton901.pdf; PIERCE, Scott. Common Sense: Treating Statutory Non-Obviousness as a Novelty Issue, Santa Clara Computer and High Technology Law Journal, v. 25, p. 600, 2009

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