domingo, 11 de outubro de 2015

Posição do e a falta de novidade


O artigo 5º inciso IV da Instrução Normativa n°30/2013 informa que as reivindicações independentes devem, quando necessário, conter, entre a sua parte inicial e a expressão ‘caracterizado por’, um preâmbulo explicitando as características essenciais à definição da matéria reivindicada e já compreendida pelo estado da técnica. O inciso V afirma que após a expressão ‘caracterizado por’ devem ser definidas as características técnicas essenciais e particulares que, em combinação com os aspectos explicitados no preâmbulo (ou seja, já conhecidos no estado da técnica), se deseja proteger. Dado um documento do estado da técnica, se uma reivindicação não tem novidade, não tem como meramente se deslocar o “caracterizado por” e esta reivindicação passar a ter novidade.  Não há que se fazer uma análise da novidade elemento por elemento da reivindicação tomados de forma isolada, mas um único documento deve antecipar todas as características em conjunto descritas na reivindicação para que esta seja destituída de novidade. Considere um pedido de patente que tenha como reivindicação aparelho dotado de A, B caracterizado por C, D. Se exitir um documento do estado da técnica que revele aparelho dotado dos elementos A, B, C e D a reivindicação não terá novidade. Se por outro lado, este documento do estado da técnica revelar apenas A, C, D, faltando apenas B que consta do preâmbulo, a reivindicação terá novidade.

Considere um outro pedido de patente que tenha como reivindicação aparelho dotado de A, caracterizado por B, C, D. Se existir um documento do estado da técnica que revele aparelho dotado dos elementos A, B, C e D a reivindicação não terá novidade. Não houve qualquer influência no exame de novidade desta reivindicação o lugar onde se posiciona a expressão “caracterizado por”. Tal posição é irrelevante para análise de novidade da reivindicação.
Alguns examinadores apontam que se um pedido de patente que tenha como reivindicação aparelho dotado de A, B caracterizado por C, D. Se existir um documento do estado da técnica que revele aparelho dotado do elemento C a reivindicação já não terá novidade, uma vez que C é um dos elementos que representam a contribuição ao estado da técnica do pedido. Nesta perspectiva uma nova redação da reivindicação para aparelho dotado de A, B, C caracterizado por D seria suficiente para tornar a reivindicação dotada de novidade. Conclusão: bastaria um mero deslocamento da expressão “caracterizado por” para torná-la dotada de novidade. Ao discorrer sobre o exame de novidade, François Panel aponta que muitas vezes esta análise leva a uma limitação das reivindicações, em que certas características técnicas  apresentadas pelo depositantes como novas são transferidas no preâmbulo, ou seja na parte que precede as palavras “caracterizado por”.[1] Esta análise, contudo, desconsidera os elementos do preâmbulo A e B que também devem estar presentes na anterioridade.

O objeto de análise de novidade é a reivindicação como um todo. Dizer que um trecho da reivindicação não possui novidade significaria que poderíamos utilizar mais de um documento contra a novidade de uma reivindicação analisando-a por trechos. Desta forma, a regra geral de um único documento do estado da técnica para análise de novidade não seria válida. Não faz portanto sentido dizer que um trecho da reivindicação não possui novidade. Invenções de modo geral são o resultado da combinação de elementos conhecidos, por exemplo, um grande número de circuitos eletrônicos são formados pela combinação de resistores, capacitores e transistores, de forma que a julgar por este critério poderíamos eliminar qualquer invenção de circuito eletrônico combinando-se sempre três documentos, um relativo a cada um destes componentes.
O examinador ao elaborar uma exigência solicitando o deslocamento do elemento C para o preâmbulo porque este é destituído de novidade ignora o fato de todas as invenções, em última instância, são formadas da combinação de elementos por si já conhecidos isoladamente. A ser válido esta análise de novidade elemento por elemento, a rigor todos os elementos da parte caracterizante teriam de ser deslocados para o preâmbulo porque tais elementos isoladamente sempre poderão ser vistos como a reunião de outros elementos por si já conhecidos da técnica isoladamente. Não há conhecimento de nenhum outro escritório de patentes que opera com reivindicações em duas partes (jepson type) que tenha o mesmo entendimento. A Diretriz de Exame no item 3.06 afirma que “Deve-se atentar para o fato de que a novidade das características contidas após a expressão "caracterizado por" deve sempre ser estabelecida em relação ao conjunto de características tidas como conhecidas e definidas no Preâmbulo”, de modo que não se pode ignorar os elementos A e B que constam do preâmbulo no exemplo citado. Segundo o TRF2 em DMV Brasil Equipamentos v. INPI[1] “A novidade exigida ao deferimento da exclusividade do uso de determinado invento deve ser apurada sob aspecto global daquela solução tecnológica e não sob a ótica dos elementos que a compõem, que poderão, isoladamente, estar abrangidos pelo estado da técnica”. Não há que se fazer portanto uma análise da novidade elemento por elemento da reivindicação tomados de forma isolada, mas em um único documento antecipar todas as características em conjunto descritas na reivindicação. O juiz do TRF2 acolhe argumentação do perito: “uma reivindicação independente será considerada desprovida de novidade quando todos os seus elementos, tanto do preâmbulo como da parte caracterizante, estão presentes em uma única referência. Também é importante ressaltar que é a combinação de elementos definida na reivindicação (e não cada elemento individualmente) que proporciona a novidade e a inventividade da patente PI9703496”.[2]

O TRF2 em DMV Brasil v. INPI [3] analisou a nulidade da patente PI9905187 referente a punho descartável para haste tubular de perfuração do furo de gusa de alto-forno siderúrgico. A apelante DMV Brasil sustentava, em suma, que a tecnologia em tela não poderia ter sido patenteada pelo apelado, uma vez que a única característica que poderia justificar a novidade seria o fato do objeto ser descartável, o que argumenta não poder sustentar a sua sobrevivência como patente de invenção ou modelo de utilidade (como sugere o INPI e conclui a juíza de primeira instância), por não envolver um passo inventivo ou atividade inventiva. Ademais esta característica de ser descartável não constava do quadro reivindicatório original. O perito entendeu que “O fato de ser descartável traz vantagens, benefício de operação, simplicidade do material utilizado. O material é mais leve e dispensa o tratamento térmico, o que traz uma enorme economia de custos”. O que torna a invenção descartável é sua forma construtiva.
O relator concordou com o entendimento de que se trata de uma patente de invenção: “observa-se que o punho inventivo objeto da patente anulanda não se insere na modalidade modelo de utilidade, na medida em que representa muito mais que uma melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação (art. 9º da LPI), sendo, na realidade, um avanço técnico em relação às anterioridades apontadas pela empresa-apelante, razão pela qual, merece proteção na qualidade de patente de invenção, nos termos do at. 8º da LPI” e determinou um apostilamento na reivindicação para incluir o termo “descartável’, uma vez que os punhos para hastes tubulares de perfuração do furo de gusa então existentes tinham graves problemas que foram solucionados com a descartabilidade proposta pela patente em questão. Os punhos para alto-forno possuíam uma forma construtiva maciça, sendo fabricados em aços especiais tratados termicamente, sendo reutilizados inúmeras vezes, demandando tempo e mão de obra para a sua remontagem. Com a invenção uma forma construtiva bem mais simples e econômica o descarte de todo o conjunto de broca, haste e punho após cada perfuração, pois possui um grande furo interno e central que atravessa toda a sua extensão, possibilitando que a haste de perfuração de alto forno seja inserida nele e atravesse toda a sua extensão, constituindo uma solução técnica inovadora. O acréscimo desta característica no quadro reivindicatório não foi considerado violação do artigo 32 da LPI, uma vez que restringe o escopo de proteção da patente concedida.

O relator indicou a necessidade de apostilamento ao incluir a referência á característica de ser descratável e substitui o termo "caracterizado por" por "compreendendo". Ou seja, não se trata de uma reivindicação do tipo Jepson. O juiz propositalmente escolheu o termo compreendendo para que o termo <descartável> não fosse atribuído ao estado da técnica. Outra questão é se o termo "descartável" pode ser visto como uma caraterística técnica do objeto. O que faz o objeto ser descartável são suas características estruturais e o uso que se faz dele. Poderia parecer uma qualidade do objeto e não propriamente uma característica técnica do mesmo. Por outro lado O INPI tem concedidos patentes de modelo de utilidade que reivindicam qualidades do objeto tais como MU6401060 escova retrátil para cabelos, MU6600085 poltrona auto retrátil, MU6600371 alça retrátil com base embutível em estojos, MU6600476 escada retrátil, MU6100593 secador de cabelo de cabo dobrável, MU6400040 capacete dobrável.
O erro conceitual nesta análise de novidade que toma cada elemento da reivindicação isoladamente ao invés de considerar a reivindicação como um todo provém da confusão entre a contribuição ao estado da técnica (a rigor delimitada pela parte caracterizante) e o objeto de proteção da patente. A reivindicação de aparelho dotado A, B caracterizado pr C, D diz que a contribuição da invenção reside na inclusão de C e D neste conjunto e não na invenção de C e D propriamente ditos. Para que o titular da patente obtivesse proteção para C e D isoladamente seria necessário que ele tivesse apresentado reivindicações independentes próprias para estas duas características isoladamente ou seja desconectadas do restante do aparelho dotado de A, B. Não é por outro motivo que a doutrina francesa afirma que a contrafação se avalia pelas semelhanças e não pelas diferenças “la contrafaction doit se juger d ‘aprés lês ressemblances et non les différences[4], pouco importa as diferenças secundárias em presença de similitudes consideradas essenciais (les éléments essentiels[5]), fundamentais (similitude fondamentale[6]). A análise de novidade por sua vez é feita pelas diferenças entre o objeto reivindicado como um todo e o documento (único) do estado da técnica. Havendo elementos presentes na reivindicação mas ausentes no documento do estado da técnica haverá novidade na reivindicação.




[1] PANEL, François. La protection des inventions en droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.193
[2] Processo: AC 416701 RJ 2004.51.01.513998-3 Relator(a): Desembargador Federal ANDRÉ FONTES Julgamento: 24/06/2008 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA Publicação: DJU - Data::02/07/2008 - Página::38 Apelante: DMV Brasil Equip. Ind. Com. Ltda. Apelado: INPI http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1548740/apelacao-civel-ac-416701-rj-20045101513998-3-trf2

[3] TRF2, Apelação Cível 2007.51.01.813283-6 DMV Brasil v. INPI, Relator: Des. Fed. Paulo Espirito Santo, Primeira Turma Especializada, Data Decisão: 13/06/2014

[4] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.242

[5] Cass. Com. 5 maio 1971, Ann. 1971-85, Tribunal Grnde Instance Paris, 22 novembro 1974, PIBD 1975.III.228

[6] Paris 20 junho 1969, Ann. 1971-89

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