segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Suficiência e efeito técnico

Para suficiência descritiva de uma patente não é necessário que a invenção detalhe os fundamentos teóricos da invenção no sentido de explicar o porque os efeitos técnicos citados são atingidos. 
A máquina de vapor foi patenteada por James Watt em 1769, porém, somente teve seu funcionamento, como máquina térmica, satisfatoriamente explicado a partir dos trabalhos de Carnot, quando em 1824 publicou sua obra: "Reflexões sobre a potência motriz do fogo" e isto não tornaria invalida a patente tal como originalmente concedida.[1] Segundo Carnot  o motor realiza o trabalho mecânico devida à queda de temperatura e não à perda de calor, de modo que “o calor nada mais é que uma força motriz, ou antes, uma força que mudou de forma”.[2] David Landes conclui: “a engenhosidade do homem como inovador e executante é quase inacreditável: observe-se a precedência da engenharia a vapor em relação à teoria termodinâmica”.[3] Ainda assim, Carnot baseou suas explicações na então em voga teoria do calórico.[4] Para Carnot a máquina a vapor girava sob o efeito da queda do calórico de uma temperatura quente (a cadeira) para fria (a atmosfera) tal como uma roda de moinho gira sob efeito da queda d’água de uma altura para outra.[5]
Joseph Montgolfier tomou conhecimento da descoberta do hidrogênio por Cavendish em 1766, um gás mais leve que o ar e acreditou que uma chama poderia liberar um gás similar que quando capturado em um balão poderia erguer o mesmo tendo em vista que o volume, sendo mais leve que o ar, tal como uma boia em um tanque de água, conforme o princípio de Arquimedes. Em novembro de 1783 Montgolfier fez uma exibição bem sucedida de sua invenção levando pela primeira vez duas pessoas para um passeio de balão. Apesar do êxito, sua teoria esta errada, o que sustentava o balão no ar não era nenhum novo tipo de gás, mas o ar quente.[6]
Embora as invenções do século XVIII com as máquinas atmosféricas e a vapor aproveitassem a teoria de Boyle e outros no terreno das leis primárias da pressão dos gases, o problema prático de fundir o minério com o carvão, por outro lado, estava solucionado antes que a química dos compostos metálicos fosse decididamente compreendida. [7] David Landes descreve a siderurgia do século XVIII em suas primeiras invenções da Revolução Industrial inglesa como uma “arte culinária” na qual os inventores pouco sabiam do porque do funcionamento de suas invenções, sendo seus êxitos muito mais decorrência da sensibilidade e instinto dos inventores na manipulação dos materiais. Ainda em 1860 Bessemer ficou perplexo com o fracasso de seu conversor quanto posto a trabalhar com minérios fosfóricos. O processo de Bessemer só produz bom ferro maleável se o minério tivesse baixo teor de fósforo.[8] De forma inversa, dificuldades práticas muitas vezes impedem a realização prática de conceito bem definido. A máquina a vapor de Thomas Savery patenteada em 1698 era um conceito perfeitamente viável, porém os metalurgistas da época não tinham a tecnologia necessária para resolver seus problemas técnicos[9], muito embora uma apresentação tenha sido realizada perante a Royal Society. [10]
Felix Hoffmann, um químico da Bayer, em 1897, sintetizou o ácido acetilsalicílico a partir do ácido salicílico  patenteado pela Bayer em 1899. O mecanismo de ação da aspirina no entanto permaneceu desconhecido até 1970 quando J. Vane descobriu sua ação no bloqueio da síntese de prostaglandinas.[11] Charles Goodyear ao acidentalmente misturar enxofre com a borracha inventou o processo de vulcanização da borracha, sem contudo, ter noção dos motivos pelo qual o enxofre produzia este efeito. A estrutura do isopreno era desconhecida e tampouco ele sabia que a borracha natura era seu polímero e que com o enxofre este polímero conseguiria a ligação cruzada fundamental entre as moléculas da borracha para mantê-las na posição devida.  Somente 17 anos depois da invenção de Goodyear Samuel Pickles sugeriu que a borracha era um polímero linear do isopreno e assim o processo de vulcanização foi explicado.[12]

Charles Goodyear





[1] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 1418/6539 (kindle edition)
[2] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência, vol. IV A ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.46
[3] LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.332
[4] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 4719/6539 (kindle edition)
[5] WITKOWSKI, Nicolas. Uma história sentimental das ciências. Rio de Janeiro:Jorge Zahar , 2004, p.92
[6] MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.110
[7] A evolução do capitalismo, Maurice Dobb, Zahar Ed., 1973, p.329; LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.99
[8] LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.87; CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 188
[9] LANDES,op.cit.p.376
[10] http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Savery; ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 622/6539 (kindle edition)
[11] LESK, Arthur. Introdução à bioinformática, São Paulo, Artmed, 2008, p.303
[12] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.139

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