quarta-feira, 19 de março de 2014

Patentes em padrões: o caso GSM

O excesso de patentes em um mesmo setor tecnológico e as dificuldades de coordenação dos titulares para o licenciamento cruzado destas tecnologias foi observado por exemplo no caso da tecnologia GSM[1]. Inicialmente conduzida em 1981 dentro do âmbito europeu da CEPT (Conference Des Administrations Europeans Des Posts et Telecommunications) as empresas se dividiram entre a adoção da tecnologia CDMA proposto pelas empresas francesas e alemãs, e a tecnologia TDMA proposta pelas empresas escandinavas. Finalmente a sueca Ericcson concordou em cooperar com a alemã Siemens e o consórcio SEL/Alcatel tendo sido assinado um memorando de entendimento em 1987. Em 1988 as discussões do padrão foram transferidas para o recém criado ETSI (European Telecommunications Standards Institute) o que permitiu a adesão de empresas não européias na definição do padrão. Ao final dos anos 1990 haviam cerca de 140 patentes consideradas essenciais no setor, de diferentes titulares o que exigiu anos de entendimentos até que se conseguisse atingir um acordo entres os diferentes fabricantes. Destas 140 patentes a maior parte pertencia a Motorola com 27 patentes, Nokia (190, Alcatel (14) e Philips (13). Em 1996 o 85% do mercado europeu de estações base, terminais móveis e comutação era concentrado em apenas cinco empresas Ericsson, Nokia, Siemens, Motorola e Alcatel.[2]
Rudi Bekker mostra que a estratégia das empresas do consórcio GSM em relação a propriedade industrial não foram homogêneas. As poucas patentes da Philips em GSM foram obtidas antes da consolidação do padrão e mesmo após foram licenciadas sem custo, tais como as patentes relativas ao codificador de voz. Embora a tecnologia GSM tenha se baseado em tecnologia da Ericsson a empresa mantinha poucas patentes, e das poucas que posssuía foram resultado da aquisição da empresa inglesa Orbitel. Ou seja, Ericsson e Simens foram capazes de manter fatias importantes do mercado mesmo sem deter um grande número de patentes essenciais. Numa época em que a maior parte das empresas diminuía o ritmo de novas patentes a Motorola entrou no consórcio como uma estratégia oposta de conquistar posições baseada em seu portfólio de patentes. Após os anos 1990 empresas como Nokia e Alcatel também passaram a adotar uma atividade mais importante na construção de um portfólio de patentes essenciais.
A Motorola titular da maior parte das patentes essenciais do acordo mostrava-se relutante em licenciar suas patentes para fora dos membros do acordo preferindo um acordo baseado em licenças cruzadas entre os membros do acordo como forma de ganhar acesso ao mercado europeu. Estudo da European Public Telecommmiunications Network (ETNO) mostra que o valor cumulativo de licenças pagas para exploração da tecnologia GSM por empresas fora do acordo chega a cerca de 29% do custo do aparelho de GSM. [3] O lançamento das primeiras operadoras GSM viria a ocorrer somente em 1991 com o lançamento do TPU 900 da empresa inglesa Orbitel capaz de enviar mensagens de texto.[4] Posteriormente a empresa foi vendida para a Ericsson que adquiriu suas patentes. A Nokia adquiriu patentes da tecnologia GSM da empresa Voicecraft e da Universidade de Sherbrooke, o que mostra as oportunidades das pequenas empresas em negociar suas tecnologia dentro do padrão.
A desregulamentação do setor de telecomunicações nos anos 1980 e 1990 aumentou o papel da inovação e da propriedade industrial no setor. Com o aumento de patentes essenciais  a partir dos anos 1980 intensificaram-se na mesma medida os acordos de licenciamento entre empresas o que mostra uma forte correlação entre estas duas variáveis. A adoção do padrão GSM pela ETSI em 1989 possibilitou o rápido aumento de assinantes da nova tecnologia. Enquanto que na Europa o número de usuários conectados à rede digital aumentou de 4 por cento em 1992 para cerca de 90 por cento em 1998, nos Estados Unidos, onde adotou-se uma estratégia de mercado, o que levou a adoção de diversas tecnologias entre as quais a AMPS, estima-se que o percentual de usuários de telefones digitais em 1998 se encontrava abaixo de 30 por cento.[5]
Buscando superar esta experiência negativa os grandes fabricantes  na tecnologia 3G de tecnologia móvel formaram o Third Generation Patent Platform Partnership (3G3P) em 1999 com intuito de coordenar as ações dos titulares das patentes consideradas essenciais de modo a minimizar os custos de transação em termos de tempo e dinheiro. [6] Nos Estados Unidos a adoção da tecnologia 3G envolveu cinco anos de negociações para se chegar um consenso do padrão a ser adotado pela IUT.[7] Na Europa a ETSI recomendou em 1998 o padrão UMTS no entanto disputas de patentes com a empresa Qualcomm detentora da tecnologia CDMA-2000 retardaram a adoção da tecnologia 3G resolvidas apenas no final de 2004. [8]




[1] PARK,Jae Hun. Patents and Industry Standards,Edward Elgar, 2010, p. 80
[2] BEKKERS, Rudi; DUYSTERS, Geert; VERSPAGEN, Bart. Intellectual property rights, strategic technology agreements and market structure. Research Policy, v.31, 2002, p.1143
[3] BEKKERS,op.cit.p.1147
[4] http://www.mobilephonehistory.co.uk/orbitel/orbitel_900.php
[5] WTO, WORLD TRADE REPORT: Standards, ‘offshoring’ and air transport focus of 2005 WTR, p.38 http://www.wto.org/english/news_e/pres05_e/pr411_e.htm
[6] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.103
[7] WTO, WORLD TRADE REPORT: Standards, ‘offshoring’ and air transport focus of 2005 WTR, p.37 http://www.wto.org/english/news_e/pres05_e/pr411_e.htm
[8] WTO, WORLD TRADE REPORT: Standards, ‘offshoring’ and air transport focus of 2005 WTR, p.39 http://www.wto.org/english/news_e/pres05_e/pr411_e.htm

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