Segundo Carlos Maximiliano[1] “estritamente se interpretam as disposições
que restringem a liberdade humana ou afetam a propriedade”, e ainda “o monopólio deve ser plenamente provado,
não se presume; e nos casos duvidosos, quando aplicados os processos de Hermenêutica,
a verdade não ressalta nítida, interpreta-se o instrumento de outorga oficial
contra o beneficiado e a favor do Governo e do público”[2],
ou seja, todas as normas que de alguma forma restrinjam a liberdade ou afetem o
direito de propriedade devem ser interpretadas de forma estrita para não se
prejudicar a sociedade – In dubio pro
libertate. Libertas omnibus rebus favorabilior est – Na dúvida, pela liberdade.[3]
Em todos os assuntos e circunstâncias, é a liberdade que merece maior favor. Quanto
ao Direito Administrativo e Processual, Carlos Maximiliano destaca que oferecem
margem para todos os métodos, recursos e efeitos da hermenêutica. Contudo, as leis
especiais limitadoras da liberdade, punitivas, as que tratam de privilégios e
as disposições de Direito Privado, porém de ordem pública e imperativas ou proibitivas
devem se interpretar estritivamente, não havendo possibilidade de aplicação
para interpretação extensiva e muito menos para analogias. A lei que abre
exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que
especifica: exceptiones sunt
strictissimae interpretationis – interpretam-se as exceções
estritissimamente [4].
A jurisprudência do STJ confirma de
outro lado que “Deve-se assegurar ao
Poder Judiciário a apreciação da razoabilidade da atuação administrativa, porém
este não pode simplesmente substituir a mens legis, inovando ou indo além do
que o Legislativo previu, sob pena de usurpação da função do legislador e de completo
menoscabo ao regime de tripartição de Poderes”.[5]
Carlos Maximiliano, contudo, leciona que “interpretar
é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto;
reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido
verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que
na mesma se contém [...] Interpretar uma expressão do direito não é
simplesmente tornar clar o respectivo dizer, abstratamente falando; é,
sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma
decisão reta”.[6] A
autoridade administrativa como uma “aplicadora do direito” compete “a tarefa de enquadrar o fato humano em uma
norma jurídica, para o que é indispensável compreendê-la bem, determinar-lhe o
conteúdo”,[7] ou seja,
interpretar a norma jurídica para que possa dela fazer uso para o enquadramento
dos casos concretos, caso contrário estaria agindo como um autômato, incapaz de
compreender o sentido da mesma. E não se diga que cabe a interpretar apenas de
trechos ditos “obscuros” da lei. Carlos Maximiliano destaca que mesmo nos casos
em que a norma se manifesta de forma expressa com clareza ainda assim “é força, procurar conhecer o sentido, isto é
interpretar. A verificação da clareza, portanto, ao invés de dispensar a
exegese, implica-a pressupõe o uso preliminar da mesma”.
Para interpretação das norma jurídicas Carlos
Maximiliano recomenda cautela no uso de argumentos de autoridade: “Sempre se usou nas lides judiciárias, com
excessiva frequência, bombardear o adversário com as letras de arestos e nomes
de autores, como de foram argumentos. O Direito é ciência de raciocínio;
curvando-nos ante a razão, não perante o prestígio profissional de quem quer
que seja. O dever do jurisconsulto é submeter a exame os conceitos de qualquer
autoridade, tanto a dos grandes nomes que ilustram a ciência, como a das altas
corporações judiciárias. Estas e aqueles mudam frequentemente de parecer, e
alguns tem a nobre coragem de o confessar; logo seria insânia acompanhá-los sem
inquirir dos fundamentos dos seus assertos, como se eles fossem infalíveis.
Nullius addictus jurare in verba magistri – Ninguém está obrigado a jurar nas
palavras de mestre algum”.[8]
Carlos Maximiliano critica que o apego servil à exegese
literal das normas jurídicas corresponde a um verdadeiro processo de “ossificação do Direito” uma vez que o processo
de interpretação da norma jurídica é “essencialmente
dinâmico, acompanha a sociedade, que não pára, e, portanto, não pode ficar
tolhido por fórmulas petrificadas”. [9]
Para Carlos Maximiliano o processo lógico tem mais valor do que o simplesmente
verbal: “Age em fraude da lei aquele que,
ressalvadas as palavras da mesma, desatende ao seu espírito”. Uma
interpretação presa ao sentido literal da norma jurídica é apontada como “retrógrada e indefensável”. Segundo Carlos
Maximiliano: “a segurança jurídica,
objetivo superior da legislação, depende mais dos princípios cristalizados em
normas escritas do que da roupagem mais ou menos apropriada em que se
apresentam”. [10]
Cabe ao jurisconsulto esta perspectiva teleológica: “É antes crer que o legislador haja querido exprimir o consequente e
adequado à espécie do que o evidentemente injusto, descabido, inaplicável, sem
efeito. Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a interpretação que
conduza a melhor conseqüência para a coletividade – summum jus, summa injuria –
do excesso de direito resulta a suprema injustiça”.[11]
Carlos Maximiliano foi convidado por Wenceslau Braz para auxiliar do seu governo presidencial, iniciado em 15 de novembro de 1914, aceitou a pasta da Justiça e Negócios Interiores sendo nomeado na referida data. Carlos Maximiliano foi o ministro que referendou o Código Civil Brasileiro. Em 1932, foi nomeado Consultor-Geral da República. Passou depois para o alto cargo de Procurador-Geral da República, em 1934. Convidado por Getúlio Vargas aceitou o cargo de Ministro da Corte Suprema, sendo nomeado em 1936 tendo se aposentado em 1941. Escritor de elevado mérito, publicou as notáveis obras repletas de ensinamentos: Comentários à Constituição Brasileira de 1891 (3v., 1918), Hermenêutica e Aplicação do Direito (1925), Direito das Sucessões (3v.,1937) e Condomínio: terras, apartamentos e andares perante o Direito (1944). Carlos Maximiliano foi uma das mais eloqüentes afirmações da cultura jurídica e uma figura de invulgar projeção da intelectualidade brasileira. faleceu em 1960.[12]
[1]
Hermenêutica e Aplicação do Direito, Carlos Maximiliano, Rio de
Janeiro:Forense, p.225 apud Denis Barbosa, Uma
Introdução a Propriedade Intelectual, p 114
[2]
apud Doutrina dos equivalentes em direito de patentes, Denis Barbosa, in.
Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Manoel
Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), São Paulo: Saraiva,
2007, série GVLaw, p.208, apud Uma Introdução à propriedade intelectual, Denis
Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, p. 461
[3] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de
Janeiro:Forense, 1984, p.261
[4] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de
Janeiro:Forense, 1984, p.213, 224
[5] REsp 1130103/RJ. Segunda Turma. Rel.
Ministro Castro Meira. DJ 19/08/2010
[6] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de
Janeiro:Forense, 1984, p.10
[7] MAXIMILIANO, op.cit.p.13
[8] MAXIMILIANO,op.cit.p.273
[9] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de
Janeiro:Forense, 1984, p.119
[10] MAXIMILIANO,op.cit.p.123,124
[11] MAXIMILIANO,op.cit.p.165
[12] http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=230
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