quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Patente de Inovação na Austrália

Em 1997 o Ministro de Ciência e Tecnologia da Austrália propôs a criação de um sistema de patentes de inovação (innovation patents), com vigência ampliada para oito anos, sem qualquer exame substantivo e limitado a cinco reivindicações e tal qual o sistema de petty patents anterior aplicável a todas as tecnologias. A principal modificação do novo sistema[1] adotado na Lei nº 140 de 24 de novembro de 2000 e em vigor a partir de 24 de maio de 2001 estava no abrandamento dos níveis de inventividade exigidos para sua concessão. O artigo 18 prevê que uma invenção é patenteável para os propósitos de uma patente de inovação se a invenção tal como reivindicada é uma manufatura considerada nova, com atividade inventiva e útil. Os dados dos primeiros anos de utilização do sistema de innovation patents mostram que houve um grande incremento de cerca de 500 depósitos de petty patents em 1998 para 1100 innovation patents em 2002 (Figura 40). Em 2003 o total de depósitos realizados por indivíduos aumentou para 68% enquanto que os depósitos realizados por nacionais para 86%. [2]

Depósitos de petty patents e innovation patents na Austrália

Fonte: SUTHERSANEN, 2007[3]

Em Dura-Post Pty Ltd v. Delnorth Pty Ltd (2009) 177 FCR 239 a Corte australiana analisou três innovation patents referentes a um poste de avisos (AU2008100279) usado em estradas para sinalizar rodovias, fronteiras, etc. O titular descreve os problemas com os postes tradicionais sujeito a danos em casos de acidentes, em especial devido ao material usado em tais postes. A solução proposta consiste na escolha de uma chapa de aço flexível em combinação com uma variedade de recursos conhecidos incluindo marcadores e terminais cônicos em que o corpo (30) é dobrável em 90 graus. [4]

AU2008100279
A Corte Federal destacou que uma innovation patent deve apresentar um mínimo de atividade inventiva, conforme a seção 7(4) do Patent Act: “uma invenção é tida como envolvendo atividade inventiva quando comparada ao estado da técnica, salvo se a invenção, para um técnico no assunto, à luz do conhecimento geral comum na área anterior à data de prioridade, fosse considerado uma variação sem nenhuma contribuição substancial ao funcionamento da invenção”. A titular alegou que o uso de chapa de metal flexível para fabricação de postes de sinalização representa um avanço ao estado da técnica. A Corte conclui que o significado de “contribuição substancial” neste contexto significa algo “real” ou “de substância” como distinto de algo sem representar uma diferença real, o que implica um limiar de patenteabilidade menor que o de atividade inventiva e obviedade de uma invenção. Nesta análise não há nenhuma possibilidade de complementar o estado da técnica com características que formem parte do conhecimento geral comum (common general knowledge) do técnico no assunto. A comparação deve se restringir aos documentos do estado da técnica. No caso, embora as diferenças se encontrem dentro do que se poderia denominar “conhecimento geral comum” isto não foi considerado relevante para a análise.
Em 2013 a mesma patente foi objeto de análise em Delnorth Pty Ltd v Commissioner of Patents [2013] FCA 165 em que o juiz conclui pela inventividade da patente uma vez que o documento citado como anterioridade é uma patente dos Estados Unidos e um técnico no assunto não realizaria rotineiramente buscas em bases de patentes norte-americanas, logo, possivelmente não teria tido conhecimento deste documento. Analistas consideram que a discrepância na análise nos dois casos seja transitória uma vez que a reforma na legislação australiana conhecida como Raising the Bar Act, que entra em vigor a partir de abril de 2013 ao considerar neste caso o documento de anterioridade como fazendo parte do estado da técnica.[5]
Barry Newman observa que as Cortes australianas em geral consideram o nível de inventividade exigido em uma innovation patent menor que o de uma patente de invenção de modo que para invalidar uma innovation patent é necessário encontrar um único documento do estado da técnica tão próximo à invenção reivindicada que as diferenças presentes não afetem de forma significativa a forma com que a invenção funcione. Isto reduz as possibilidades de se invalidar uma innovation patent o que garante maior segurança jurídica a tais registros, embora seu escopo de proteção seja proporcionalmente menor. [6]
O relatório da Intellectual Property Research Institute of Australia [7] mostra que a falta de um sistema de proteção harmonizado de modelos de utilidade no âmbito internacional pode representar perdas de competitividade para as empresas no mercado global. O estudo apresenta o caso de uma empresa australiana que gastou cerca de 100 mil dólares em um litígio de uma de suas patentes na Alemanha. Ao final ficou caracterizado que a empresa alemã violou a patente da empresa australiana, porém os gastos excessivos com litígio e o longo período (10 anos) de disputa fizeram a empresa australiana repensar suas estratégias de proteção no exterior optando por desenhos industriais visto que na maior parte das vezes a cópia de seus produtos trata-se de imitação direta do aspecto ornamental e, portando, a proteção por desenho industrial seria suficiente.
O sistema de registro sem exame substantivo tem sido sujeito à muitas críticas na Austrália. Por exemplo, o escritório de patentes australiano concedeu a patente da roda (AU2001100012) ao agente de propriedade industrial John Keogh[8], que fez o depósito para denunciar as falhas do sistema sem exame prévio das chamadas Innovation Patents [9]. A patente de Keogh recebeu o prêmio IgNóbil [10] de tecnologia de 2001.


AU2001100012 - Circular transportation facilitation device

Apesar de ter como proposta o incremento de depósitos de indivíduos nacionais, empresas como Apple aumentaram o número de innovation patents de 19 em 2011 para 26 em 2012 o que representa respectivamente 25% e 31% do total de patentes depositadas pela empresa na Austrália. [11] O número de innovation patents da Apple na Austrália tem aumentado consideravelmente após 2007, o ano em que a empresa lançou no mercado o iPhone. Com a concessão destas patentes pelo escritório de patentes australiano a Apple adquire os mesmos direitos de uma patente convencional, podendo inclusive utilizá-las com o propósito de injunções, ou seja, medidas judiciais com vista a impedir a comercialização de produtos acusados de contrafação de suas patentes. [12] Em agosto de 2011 a Apple moveu uma ação contra a Samsung alegando que o tablet Galaxy Tab violava algumas de suas patentes entre as quais cinco innovation patents: 2008100283 (listagem de documentos por scroll e translação, escala e rotação de documentos em uma tela sensível ao toque), 2008100372 (dispositivo eletrônico para gerenciamento de fotos), 2009100820 e 2008100419 (destravamento de um dispositivo por gestos sobre uma imagem), 2008101171 (dispositivo portátil eletrônico para navegação de lista de contatos baseada em imagens).[13] O governo australiano tem estado sensível aos efeitos adversos que a concessão de innovation patents sem exame pode estar trazendo à competitividade da indústria e anunciou em 2011 nova rodada de consultas públicas para se reavaliar o sistema.[14]
Em fevereiro de 2011 o Ministro da Inovação Kim Carr recomendou o Advisory Council on Intellectual Property (ACIP) a rever o sistema de Inovation Patents para que fossem excluídas de seu escopo as patentes relacionadas a programas de computador.[15] Em dezembro de 2013 o Australian Government’s Advisory Council on Intellectual Property (ACIP) foi encarregado de revisar o sistema de patentes de inovação sob críticas de que situações de abusos estivessem comprometendo a eficácia do sistema. Um destes efeitos considerados abusivos é o aumento de depósitos de grandes empresas estrangeiras multinacionais para proteção de inovações de alto nível inventivo quando a proposta original seria de proteger as inovações de pequeno grau de inventividade das empresas locais, muito embora um relatório de agosto de 2013 do ACIP tenha apontado apenas alguns casos isolados de tal abuso. Enquanto em 2001 estas empresas multinacionais depositaram apenas 50 pedidos de patentes de inovação este número aumentou para 150 em 2009 e 550 em 2012. As empresas australianas aumentaram o número de depósitos de 150 em 2001 para 550 em 2012, ou seja, enquanto o mesmo aumento observado em doze anos nas empresas nacionais foi observado em apenas três anos nas empresas estrangeiras. [16] Um relatório de 2014 apresentado pelo ACIP[17] conclui que não há evidências suficientes de que o sistema de patentes de inovação esteja funcionando de modo a atingir seus objeticos de modo que não pode fazer uma sugestão se o sistema deva ser ou não abolido, no entanto, recomenda mudanças para uma melhor efetividade. Entre as medidas sugeridas encontra-se a de 1) elevar o limiar de passo inovativo para concessão de tais patentes, uma vez que esta análise deve levar em conta o common general knowledge (CGK), 2) excluir métodos e processos da proteção como patente de inovação, pois eliminaria a possibilidade do sistema ser usado para proteção de métodos de fazer negócios, além de se alinhar com sistemas similares encontrados em outros países que não protegem métodos e processos, 3) renomear o sistema para “innovation application” enquanto a patente não é efetivamente examinada. O depositante disporia de três anos para solicitar o pedido de exame, e desta forma poder receber a nomenclatura de “innovation patent”. Isto deixaria claro que apenas os pedidos examinados e concedidos poderiam ser objeto de enforcement, o que eliminaria a falsa impressão de proteção de registros com a patente da roda solicitada no passado como patente de inovação.[18] Em julho de 2015 o governo australiano publicou uma consulta pública sobre a possibilidade de se abolir as innovation patents.[19]



[1] http://www.wipo.int/wipolex/en/text.jsp?file_id=214970
[2] SUTHERSANEN.op.cit.p.134
[3] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.127
[4] MONOTTI, Ann. Innovation Patents: The Concept of a Manner of New Manufacture and Assessment of Innovative Step: Dura-Post (Aust) Pty Ltd V Delnorth Pty Ltd. European Intellectual Property Review, Vol. 32, p. 93, 2010 Monash University Faculty of Law Legal Studies Research Paper No. 68 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2021622
[5] WESTGARTH, Corrs; CUNLIFFE, Clare. Is inventive step a lower threshold than innovative step? Delnorth suggests that in some cases, it might be, 19/03/2013 http://www.lexology.com/
[6] NEWMAN, Barry. The innovation patent – a missed opportunity in Australia?, 1/08/2007 http://www.iam-magazine.com/
[7] CHRISTIE, Andrew; MORITZ, Sarah. Australia's second tier patent system: a preliminary review. Intelllectual Property Research Institute of Australia (IPRIA), 2005 http://www.ipria.org/publications/reports/AU_2nd-tier_Report-revised.pdf
[8] KNIGHT, Will. Wheel patented in Australia, 03/07/2001 http://www.newscientist.com/article/dn965-wheel-patented-in-australia.html#.U8e76sph98E
[9] IP Australia. The Innovation Patent. http://www.ipaustralia.gov.au/get-the-right-ip/patents/types-of-patents/innovation-patent/
[10] List of Ig Nobel Prize winners http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Ig_Nobel_Prize_winners
[11] PATENTOLOGY, Australian Patent Grants Plateau in 2012, Microsoft Slips to No. 6, 13 janeiro 2013
http://blog.patentology.com.au/2013/01/australian-patent-grants-plateau-in.html
[12] PATENTOLOGY, Apple’s Strategic Plans for Australian Litigation, 9 fevereiro 2012 http://blog.patentology.com.au/2012/02/apples-strategic-plans-for-australian.html
[13] Samsung Galaxy Tab vs Apple iPad: the tablet patent wars hit Australia, 3 agosto 2011 http://theconversation.edu.au/samsung-galaxy-tab-vs-apple-ipad-the-tablet-patent-wars-hit-australia-2660
[14] ACIP, Review of the Innovation Patent System, 2012 http://www.acip.gov.au/reviews.html#patsys
[15] TAY, Liz. Australia reviews tier-two software patents, 30 setembro 2011.
http://www.itnews.com.au/News/275307,australia-reviews-tier-two-software-patents.aspx
[16] MILLER, Robert; YAP, Januar. Will the innovation patent survive ? 26/212/2013; SCHIEBER, Christian. Innovation patents – soon to be extinct? 03/10/2013 http://www.lexology.com
[17] http://www.acip.gov.au/reviews/all-reviews/review-innovation-patent-system/
[18] RANSON, Ian. Review of the innovation patent system final report, 16/07/2014 http://www.lexology.com
[19] http://www.ipaustralia.gov.au/uploaded-files/reports/Economic_impact_of_innovation_patents_-_Report.pdf

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