A patente em
seu sentido moderno, como observamos de forma embrionária na “Parte” veneziana
e no Estatuto dos Monopólios, com objetivo de estímulo às inovações não se
trata de um produto da era medieval, mas da era moderna e se encontra nas
origens da revolução científica dos séculos XVI e XVII. O que marca a revolução
científica é um olhar para o novo, que nos reserva um mundo melhor. Na visão
pré científica, o olhar é para o passado, para o éden perdido. Vivemos um mundo
de queda de uma situação a qual se busca resgatar. Assim diz o Eclesiastes
1:9-10: "O que foi, isso é o que há
de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do
sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos
passados, que foram antes de nós". No Mênon (82b-86b), Platão sustenta
que conhecer é recordar, é superar a queda, é libertar-se do mundo e
transcender. A alma seria imortal e teria contemplado no Hades as verdadeiras
coisas permanecendo dentro do homem de uma forma velada. A verdade há que se
buscada no passado, na descoberta de fatos antes ocultos.[1]
Joel Mokyr observa esta característica que marca a transição descontínua do
conhecimento antigo com a ciência moderna: “a
vitória da Ilustração não foi pelo fato de uma acumulação contínua de
conhecimento mas o triunfo de um conhecimento público e aberto sobre um
conhecimento secreto, arcano, a vitória da filosofia mecânica (conhecimento
verificado de regularidades da natureza) sobre uma filosofia oculta que tratava
do místico e de entidades não observáveis”.[2]
Ao contrário, tanto a
Revolução Científica como o moderno sistema de patentes buscam o novo. Segundo
Paolo Rossi com a Revolução Científica: “o
saber mudou de função: não é nem contemplação nem tentativa de decifrar as
estruturas íntimas do real. Francis Bacon concebe a ciência como venatio (caça),
como caça, como tentativa de penetrar em território desconhecido com vistas a
fundar o regnun hominis (reino do homem)”.[3]
Na filosofia mecanicista o universo é visto como uma máquina universal, que
funciona como modelo explicativo da natureza. Desta form,a os modelos e máquinas
construídos pleo homem são vistos como um modelo privilegiado para a
compreensão da natureza. Paolo Rossi mostra que a filosofia dos aristotélicos,
ao contrário dos modernos, não é voltada para a inovação mas para um
conhecimento definitivo que não suscita ou promove novos desenvolvimentos, onde
na há espaço para o inventor: “o erro dos
aristotélicos é o de fixar e tornar eternos os problemas que Aristóteles
suscitou”. [4]
Não será por acaso que
uma das patentes sob a Lei Veneziana tenham sido concedidas em 1594, para um
método para elevação da água, a ninguém menos que Galileu Galilei considerado precursor da revolução científica [5]. Mario Biagioli destaca em Galileu a postura
do cientista que busca o mérito e o reconhecimento de suas descobertas como
forma de alcançar maior prestígio na Corte, e de proteger sua propriedade
intelectual. Nesta perspectiva Biagioli observa que ao revelar suas descobertas
astronômicas em “O mensageiro das
estrelas - Sidereus Nuncius” entre as quais as crateras da Lua e as luas de
Júpiter, Galileu tem o cuidado de não revelar detalhes técnicos de seu telescópio,
com poder de ampliação de 20 vezes, muito superior aos modelos holandeses
difundidos da Europa. Galileu distribuiu modelos de seu telescópio para
príncipes ao mesmo tempo que recusou distribuí-lo a potenciais competidores
como Kepler e Clavius. Embora o Sidereus
Nuncius publicado em 1610 lhe garanta o crédito de suas descobertas sua
preocupação era a de garantir para si todas as possíveis descobertas futuras
com o seu telescópio. [6]
Outros cientistas como
Huygens, Blaise Pascal, Fatio de Duillier (colaborador de Newton e membro da
Royal Society), Thomas Tompion[7]
(fabricante de relógios e colaborador de Robert Hook), entre tantos outros
cientistas do século XVII e XVIII, também solicitaram patentes, assim como a
Royal Society que solicitou uma patente em 1644 para um instrumento de medição
que rendeu receitas para a Instituição. [8]
La pascaline (a pascalina) foi a primeira calculadora mecânica do mundo, planejada
por Blaise Pascal em 1642 e por ele patenteada. A máquina era formada por
discos raiados com os algarismos 0 a 9
cada uma. Para somar ou subtrair números o operador usava uma agulha para
dicsar (tal como um telefone de disco) e então discava o número seguinte.[9]
Huygens envolveu-se em um acirrada disputa com Hooke com relação ao crédito
junto à Royal Society por uma de sua invenções patenteadas na Holanda em 1675
relacionada a um relógio baseado em uma mola em forma espiral.[10]
La Pascaline [11]
[1] CRUZ, Murillo. A norma do
novo: fundamentos do sistema de patentes na modernidade: filosogia, história e
semiótica. Rio de Janeiro, 1996. Tese Doutorado, Coppe/UFRJ, Engenharia de
Produção, p. 34
[2] MOKYR, Joel. The European
enlightment and the origin of modern economic growth. In: HORN, Jeff;
ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial
Revolution, London:MT Press, 2010, p.77
[3] ROSSI, Paolo. A ciência e a
filosofia dos modernos, São Paulo, UNESP,1992, p.80
[4]
ROSSI,op.cit.p.134, 146, 148
[5] DOMINGUES. op. cit., p. 7.
[6] BIAGIOLI, Mario. Replication or monopoly ? the economies of invention
and Discovery in Galileo’s observations of 1610. Scence in Context, v.13,
n.3-4, 2000, p.547-590
[7]
http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Tompion
[8]
BIAGIOLI, Mario. From print to patents: living on instruments in early modern Europe. Hist. Sci., xliv, 2006, p. 143
http://innovation.ucdavis.edu/people/publications/Biagioli%202006%20From%20Print%20to%20Patents.pdf
[9]
ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital, São Paulo:
Cia das Letras, 2014, p. 31
[10] BIAGIOLI,op.cit.p.151; JOHNS,
Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The
University Chicago Press, 2009, p.72
[11] http://pt.wikipedia.org/wiki/La_pascaline
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