sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

XII Enapid: mesa 6: o INPI ontem, hoje, amanhã



 Leandro Malavota, IBGE, moderador

O INPI fundado em 1970 marcou uma nova fase com o atrelamento do sistema de PI com um sistema de regulação do mercado tecnológico. A ideia deste painel é refletir sobre o papel do INPI nestes 50 anos de existência que se completam hoje dia 11 de dezembro. 

Antonio Luís Figueira Barbosa, economista

Atuou como analista na área de contratos de transferência de tecnologia e depois chefia da divisão em 1972 e depois retornou como assessor da presidência na gestão de Carlos Bandeira atuando na área internacional. O INPI deve muito a Thomas Thedim e Carlos Bandeira. Quando se criou o INPI o que se tinha no DNPI era um grande cartório. Nos contratos de transferência tecnologia o Banco Central não tinha força política para aplicar a lei pertinente. O INPI por sua vez tinha essa força. A área de patentes foi muito aprimorada com cursos no exterior do PNUD. Na área de marcas havia um servidor muito experiente. Em 1974 houve a troca de governo com a saída de Médici (esse grupo do INPI era muito ligado ao Médici) e entrou o Geisel. Nesse momento o INPI trocou sua direção e acabei sendo demitido pelo simples fato de cumprir a lei. Todos nós éramos amigos do Carlos  Lessa, grande influenciador desse grupo. O INPI foi criando força e volume que a tal ponto influenciou a América Latina inteira, com cursos na Argentina, México e outros países. Na minha volta ao INPI fui chefe da Rede Tecnológica Latino Americana que era um sonho de maluco latino-americano. 

Murillo Florindo Cruz, economista

Atuou no INPI por uma década nos anos 1980 como assessor da presidência. Conheci Antonio Barbosa em 1976 quando era então professor da Coppe. Na volta de Figueira Barbosa ele trouxe junto Denis Barbosa, Claudio Treigger e Murilo Cruz entre outros e economistas na linha de Ignacio Rangel por exemplo. Os anos 1960 o Brasil já tinha uma consciência clara da PI e foi protagonista na área internacional nas nações unidas na revisão do sistema de patentes. A lei 1971 foi elogiada como instrumento de controle da transferência tecnologia. Em 1970 o INPI veio como ápice desse movimento e que iniciou o que eu chamo de ciclo da Lei 5772 que se encerrou em 1996 e que estava vinculado ao desenvolvimento industrial brasileiro.  A Lei 5772 foi a primeira lei aprovada desde 1964 com a participação de varias entidades. A indústria farmacêutica arguiu sem sucesso a inconstitucionalidade da não patenteamento de fármacos. O objetivo da patente é conceder um privilegio e a novidade nunca esteve vinculado a uma novidade técnica, o relevante é que o objeto fosse novo no território concedente ou seja seu efeito econômico dai a obrigatoriedade da exploração local. O titular teria o dever de fabricar o objeto patente no território, novidade relativa, um instrumento de politica industrial e econômica. As análise e controle de comércio de tecnologia pelo INPI estavam diretamente vinculados a essa função. Do projeto de INPI do Thedim Lobo que seria transformar o INPI como centro regional mas que nunca se efetivou. O regime militar foi uma luta de moderados castelistas e linha dura. Alfred Stepan no livro"Os militares na política" identifica os moderados como liberais e forte defesa do capital estrangeiro (UDN, Carlos Lacerda,) enquanto que os linha dura eram nacionalistas autoritários (PSD, PTN, Marechal Lott, Horta Barbosa). Foram sístoles e diástoles entre nacionalistas e defensores do capital estrangeiro. O grupo nacionalista toma o poder em 1967 com Costa e Silva com um regime discricionário que irá implementar um programa econômico planejado sem apelo as massas para integrar este processo. Costa e Silva cria a Finep, Petroquisa, Embraer, desloca-se o Cenpes para o Fundão, faz-se Itaipu, enfim nesse meio o INPI foi forjado. Em 1974 o grupo nacionalista é afastado sobre ação de Golbery que irá entregar o poder para os liberais civis como ele explica em Geopolítica no Brasil. Bandeira retorna ao INPI no mandato do Figueiredo mas ja com o compromisso de entregar o governo aos civis liberais, ou seja, o espírito da Lei 5772 já não tem suporte político. No cenário internacional internacional nos anos 1980 e TRIPs em 1995 encerra esse ciclo. O BIRPI desde 1960 já não era um organismo intergovenamental stricto senso e planejam a criação da OMPI para futuramente a ser a agencia da ONU para tratar de PI e assim bloquear  e descontruir os planos da UNCTAD de assumir esse papel. os EUA se preocupam com a regra de votação. Na III UNCTAD aberta com discurso de Allende do Chile conclamam os países em desenvolvimento a lutarem por seus direitos. Nesse momento os EUA acendem todas as luzes amarela s e apoiam a criação da OMPI como planejara Agbah Bosh. A implementação do PCT e a construção da OMPI em Genebra fazem parte desse processo.  Em 1980 na primeira conferência os EUA questionou a regra de votação (um país um voto) da OMPI. A Revisão da Convenção de Paris foi assim abortada por oposição dos EUA. Em 1983 e 1984 novas conferências foram realizadas mas Arpad Bogsh (do qual tive a honra de receber uma carta elogiando minha atuação em PI como delegado do Brasil na OMPI, quando entreguei cópia de meu livro A Norma do Novo) percebeu que havia sido politicamente apunhalado pelas costas. Os EUA usavam a seção 301 como moeda de pressão em suas negociações bilaterais e assim pressionaram o Brasil na questão do software.  Arpad Bogsh teve de assistir o projeto de transferir a PI para outro órgão acabou se concretizando por pressão de empresas como Pfizer. Assim surgiu o TRIPs onde os países perderam sua capacidade de legislar sobre PI, todas as legislações sobre o tem ficam assim colonizadas. É a velha diplomacia norte americana do Big Stick sob a capa do soft power na OMC. O pais perdeu qualquer capacidade de elaborar uma PI que atenda seus interesses nacionais. Em 1994 surge uma nova era de ordenamento da PI internacional ignorando séculos de consolidação de uma lei de PI. O sistema de patentes dos últimos oito séculos está quebrado. Institucionalmente está quebrado pelo desbalanceamento imposto ao mundo com consequências atrozes perpetuando o atraso tecnológico dos países em desenvolvimento. Impôs o conceito da patente como um direito absoluto natural do inventor para qualquer coisa como patentes de sanduiches, posições de yoga, balanço de crianças e varias outras banalidades. O sistema está quebrado pois a estrutura cognitiva das novas tecnologias destroem as fronteiras necessárias entre os inventos e suas ambiguidades. Temos uma indústria bilionária das patentes troll expõe exatamente isso. Bessen e Maurer no livro Patent Failure (https://www.amazon.com.br/Patent-Failure-Bureaucrats-Lawyers-Innovators/dp/0691143218) mostram que o sistema esta quebrado exatamente pelas fronteiras difusas de direitos como mostrei no livro A Norma do Novo publicado em 1990 e agora republicado pela Lumen (https://sites.google.com/site/murillocruzfilho/principais-ensaios/norma). Os examinadores de patentes serão meros gestores do sistema futuro baseado em inteligência artificial que é quem irá decidir a concessão ou não de tais patentes. 

Luiz Otávio Beaklini, ex presidente INPI

Atuei no INPI por 37 anos. Fui uma das primeiras turmas treinadas pela OMPI no exame de patentes. O INPI deve ser entendido como incentivador do desenvolvimento tecnológico do país. Em fins de 1999 foi nomeado diretor de patentes com todos os desafios da aplicação de TRIPs com cerca de mil pedidos pipelines relacionados com matéria não patenteável pela lei anterior. Havia enorme pressão para examinar tais pedidos que estavam se acumulando no INPI. Entre 1995 e a entrada da LPI havia também os pedidos mailbox misturados com todos os demais pedidos. Havia uma enorme desorganização administrativa e falta de pessoal. O sistema informatizado estava em colapso. O prazo de entrega de um simples numero de protocolo levava meses. Tudo demorava demais mesmo a simples cópia de um parecer técnico. No exame técnico era preciso aumentar o número de decisões. Revisamos todos os procedimentos e suprimimos etapas desnecessárias. Fizemos acordo para acesso ao Epoque para melhorar as buscas e assim podemos ser uma Autoridade de Busca e Exame do PCT. Revisamos as diretrizes de exame que foram divulgadas por todo o Brasil, as primeiras publicadas pelo INPI. O exame passou a ser feito com grau de transparência que não havia antes. Aproveitamos as buscas do PCT muito semelhante a medida atual 241 em vigor. Nas idas a Brasília pude observar o desconhecimento e até preconceito contra o INPI. Acredito que a maioria dos burocratas daquela época não conseguiram entender o papel do INPI. Deixei a presidência em 2004 e muito se avançou desde então mas o tempo de decisão foi aumentando o que levou a ter mais da metade das patentes concedidas em ter vigência superior a 20 anos. Essa demora deve ser uma das causas para queda de depósitos do exterior. Recebíamos 23 mil dos 210 mil mas em 2018 foram apenas 15 mil dos 250 mil pedidos PCTs. O INPI deve ser percebido como um órgão autônomo e imparcial. A transferência de tecnologia traz benefício a ambas as partes. Sem patente não haverá transferência de tecnologia e nem investimento direto estrangeiro.

Jorge Ávila, ex presidente INPI

Aceitei o convite do Jaguaribe para assumir a presidência do INPI. Pudemos construir um entendimento que entendo que foi uma guinada do que até então se entendia como o papel do INPI. O INPI foi continuamente subfinanciado e desprestigiado após 1988 com backlogs progressivos, salários defasados, servidores insuficientes, instalações degradadas, meios tecnológicos escassos e pouquíssimos cargos de gerenciais de supervisão. Montei um grupo de trabalho que inclui a Beatriz Amorim, Sérgio Paulino. O problema maior era a absoluta falta de entendimento da sociedade como um todo do papel de uma instituição como o INPI. A falta de um regime seguro de propriedade atinge mesmo as camadas mais pobres, e assim também com a propriedade intelectual que ainda era dominada por um discurso ideológico. O discurso da Cepal e da década de 1960 ainda estava presente e não se coadunava com o mundo que se globalizava. Não se percebia a propriedade intelectual como algo que fosse de valor para o país. A substituição de importações teve seu papel em gerar empresas e empregos mas no máximo consegue produzir empresas pouco inovadoras. Finep e BNDES lançam a política nacional de inovação para reverter este cenário no intuito de fomentar a inovação e a defesa da concorrência. buscamos então articular o INPI com o sistema nacional de inovação rompendo a ideologia nacionalista populista herdada da era militar que buscava proteger a indústria brasileira a qualquer custo. O INPI criou a Academia do INPI, ampliamos a cooperação com EPO, USPTO, JPO, conseguimos ser Autoridade de Busca e Exame PCT. Só é possível ser um ator ativo neste mundo respeitando os direitos de PI. O direito de propriedade não é um direito natural, ele tem um propósito econômico. A Agenda do desenvolvimento na OMPI em 2007 associa PI com desenvolvimento. Trabalhamos na valorização de institutos como IGs, marcas coletivas. Conseguimos novas instalações físicas para o INPI, novo plano de carreiras, novos concursos públicos para entrada de novos examinadores, modernização tecnológica em informática, enfrentamento de desafios institucionais com ANVISA e CGEN bem como segmentos das indústrias de software e direitos de autor. Chegou-se no governo a pensar em fazer uma ação junto a outros países da América do Sul a influenciar para que também tivessem algo parecido com o 229-C de anuência previa da ANVISA mas felizmente conseguimos evitar que o governo fizesse isso. Aprofundamos a colaboração operacional regional junto ao Pro-Sur e bilateral com o PPH. O mais lógico é que sigamos o modelo europeu com uma aliança com outros escritórios ao invés de seguir o exemplo chinês e coreano de ter um escritório gigantesco. 



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