domingo, 1 de novembro de 2020

Inovação na indústria química alemã e as patentes

As empresas químicas alemãs[1] entre as quais a Bayer e a Hoechst iniciaram um processo de relacionamento entre pesquisa científica e inovações industriais, no desenvolvimento de novos produtos, tais como o primeiro plástico moderno, a celuloide criada por Hyatt em 1868, e o corante malveína inventado por Perkin em 1856 na época assistente do grande químico alemão de corantes Hoffmann. Com a malveína quebrou-se o monopólio dos corantes naturais extraído de animais como a cochonilha ou de vegetais como o índigo.[2] As empresas começam a montar seus próprios laboratórios de pesquisa, a Bayer por exemplo, contratou o cientista Felix Hoffmann que levou à descoberta do ácido acetil salicílico em 1897 que se ostrou eficaz contra a febre e a dor da artrite.[3] A BASF montaria seu laboratório de pesquisas em 1877, a Hoescht em 1878, a Agfa em 1882.[4] David Landes destaca que na união entre ciência e tecnologia coube a área de instrumentação um dos primeiros setores a promover esta integração como foi o caso do moderno refratômetro goniômetro usado na indústria química e do pirômetro.[5] Portanto, paralelamente ao reforço do sistema de patentes alemão o que se observa é o desenvolvimento da pesquisa científica como atividade organizada dentro das empresas, um marco na definição da ciência organizada para inserção nas atividades produtivas [6]. Este interrelacionamento entre ciência e indústria foi fundamental tanto para a Alemanha como para a Suíça para a alavancagem de suas indústrias na área química e conquista de inovações. Laboratório de Justus von Liebig na Universidade de Giessen [7] considerado pioneiro com laboratório químico industrial. Entre os produtos de destaque da indústria química alemã encontravam-se as tintas derivadas do alcatrão. Até 1860 as tintas eram orgânicas e importadas ao custo de 50 milhões de marcos anuais. Quarenta anos depois o país já não importava tais tintas e exportava mas de 100 milhões de marcos em tintas inorgânicas, sendo o país responsável por quatro quintos da produção mundial. O mesmo aconteceu com o índigo azul sintetizado em 1893 como resultado do trabalho de Karl Heumann na BASF. O país deixou de ser importador para se tornar grande exportador do índigo sintético produzido em laboratório. Entre as empresas destacavam-se a Bayer com fábricas em Leverkusen e a Basf (Badishe Anilin und Soda Fabrik) com sede em Ludwigshafen (no Reno), no sudoeste da Alemanha.[8]

Depois de 1876 com a aprovação da lei de patentes as empresas focam seus investimentos em inovação e em grande parte os laboratórios de pesquisa das empresas alemãs surgiram nessa época por exemplo o laboratório da Bayer fundado em 1874. Na virada do século XX a Alemanha já detinha 90% do mercado mundial de corantes sintéticos. O termo “cientista” foi cunhado em 1833 como testemunho das profundas mudanças sociais da época e do novo papel desempenhado pela ciência na sociedade. Em uma reunião promovida em Cambridge pela BAAS, pós uma palestra sobre astronomia William Whewell foi interpelado pelo poeta romântico Samuel Taylor Coleridge que comentou que os membros daquela associação não deveriam ser chamados de filósofos naturais, afinal, eram indivíduos mais práticos. William Whewell concordou e chegou à conclusão que o termo a ser usado para quem pratica ciência deveria ser análoga a artista (aquele(a) que pratica arte), nascendo assim o termo “cientista”.

Joseph ben-David mostra que a tecnologia de corantes de tintas de anilina e vacinas imunizadoras na década de 1860-1870 marcam o desenvolvimento de laboratórios que não se destinavam ao ensino e que empregavam pesquisadores profissionais que não era professores.[9] A BASF, Hoescht e Bayer mantinham frequentes contatos com a pesquisa universitária e a Karlsruhe Technische Hochschule. Em 1880 a Alemanha respondia por cerca de um terço da produção mundial de corantes, com mais de 15 mil diferentes de materiais patenteados.[10] Mesmo Perkin tendo sido pioneiro na invenção da malvaína a Inglaterra não manteve sua liderança tecnológica pois logo se especializou na importação de corantes naturais de suas colônias para se transformar em exportadora de tecidos o que a fez não investir na tecnologia de corantes sintéticos, o que viria a ser feito por países como Alemanha. [11] A indústria ótica alemã teve como exemplo a indústria Carl Zeiss com origem nos laboratórios acadêmicos da Universidade de Jena [12]. Em 1887 a Siemens financiou a criação do Physikalische Technische Reichsanstalt dirigido por Hermann von Helmholtz da Universidade de Berlim. Este modelo de pesquisa universtária alemã serviu de modelo para a Universidade Johns Hopkins em 1876 nos Estados Unidos.[13]



[1]LEE, Rupert. Eureka: 100 grandes descobertas científicas do século XX. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2006, p. 2.

[2]ZISCHKA, Anton. A ciência quebra monopólios, Porto Alegre:Ed. Globo, 1939, p.55

[3]ROBERTS, Royston. Descobertas acidentais em ciências, Campinas:Papirus, 1993, p.243

[4]PARANHOS, Julia, Interação entre empresas e instituições de Ciência e Tecnologia: o caso do sistema farmacêutico de inovação brasileiro, Eduerj:Rio de Janeiro, 2012, p.52

[5]LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.333

[6]DAVID, Joseph Bem. O papel do cientista na sociedade, São Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, 1974, p. 175.

[7]CANEDO, Letícia Bicalho. A revolução industrial. Série: Discutindo a história, São Paulo: Ed. Univ Campinas, 1987, p.46; HENDERSON, William. A revolução industrial, São Paulo:Edusp, 1979, p.54

[8]CURY, Vania Maria. História da industrialização no século XIX, Rio de Janeiro: UFRJ, 2006, p. 70

[9]DAVID, Joseph. O papel do cientista na sociedade, São Paulo:Pioneira, 1974, p. 175; BEER, J. The emergence of the german dye industry, Chicago:Universuty of Illinois Press, 1959

[10] FREEMAN, Chris; SOETE, Luc. A economia da inovação industrial, São Paulo:Ed. Unicamp, 2008, p.158

[11] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.163

[12] HOBSBAWM, E. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Forense:Rio de Janeiro, 1969, p.162

[13]McCLELLAN III, James; DORN, Harold. Science and technology on world history: an introduction. The Johns Hopkins University Press, 1999, p.307 



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