A Aventis ajuizou uma ação na
Justiça buscando estender o prazo de vigência de uma de suas patentes. Na ação
o juiz considerou que a conduta da empresa não poderia ser enquadrada como
litigância de má fé e qualquer efeito competitivo desta conduta seria indireto
e intermediado por uma decisão de negócios por parte dos competidores. [1]
Em contraponto, Pedro Barbosa observa que o Judiciário
brasileiro tem se manifestado favorável ao enquadramento de tal comportamento
como má-fé passível de punição. Pela primeira vez a Seção Judiciária Federal do
Rio de Janeiro, em decisão de inédito conteúdo, multou tal prática pelo
exercício da litigância de má-fé, nos termos do artigo 17, III, do Código de
Processo Civil, pela utilização da medida processual como forma de se alcançar
objetivo ilegal: “forçoso é reconhecer que, ao ajuizar a presente ação no
último dia de vigência da patente, a parte autora obteve, de fato, a extensão
do prazo de seu monopólio por um ano, eis que dificilmente alguma outra empresa
lançará o mesmo produto no mercado, sob a ameaça de infringir indevidamente a
patente da autora. Considero, assim, que a empresa autora agiu como litigante
de má-fé” [2]. Sobre o tema, em outra época, manifestou-se Gama Cerqueira: “Não receamos errar
afirmando que os interesses nacionais e os interesses da coletividade não se
conciliam nunca com a prorrogação do prazo dos privilégios, exigindo, ao
contrário, a sua extinção no prazo normal” [3].
Segundo Ana Maria Melo Netto, no Brasil a “sham
litigation” é passível de punição nos
termos da Lei nº 8.884/94 de Defesa da Concorrência “Art. 21, inc. XVI
-açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou
intelectual ou de tecnologia”. Entre as denúncias recebidas pela SDE
encontram-se o caso ANFAPE: denúncia contra as montadoras de automóveis por uso
abusivo do direito de ação na tentativa de proteger direito de propriedade
sobre desenho industrial conferidos a autopeças. O caso Tacógrafos: Siemens
VDO, detentora de 85% do mercado nacional de tacógrafos, adotou série de
medidas judiciais para impedir / retardar entrada de novo tacógrafo pela
concorrente SEVA, com 2% do mercado (recomendação de condenação por prática de
cartel, mas não por sham litigation) [4]. O Caso Perfis de Alumínio:
suposto abuso de posição dominante da Alcoa por meio da requisição, junto ao
INPI, de direitos de propriedade industrial de perfis de alumínio já existentes
no mercado também foi além alegada conduta de sham litigation embora não
acolhida pelo Cade. O caso Shop Tour pode ser definido como o primeiro caso
explicitamente de sham litigation envolvendo DPI no Brasil. O CADE utilizou o
padrão de processo civil de litigância de má-fé, identificando efeito
anticompetitivo do uso de liminares[5].
Para Lucia Salgado, Graziela
Zucoloto e Denis Barbosa[6]
a litigância predatória consiste em um litígio anticompetitivo sem fundamento
legítimo e pode ocorrer por exemplo nas ações entre concorrentes envolvendo
práticas colusivas; ações frívolas iniciadas pela firma dominante com o
objetivo de limitar a atuação de concorrentes potenciais; e ações frívolas movidas
contra agências governamentais com o objetivo de ganhar tempo e manter,
artificialmente, direitos de propriedade intelectual em curso. Segundo os
autores: “O predador não espera lucrar a
partir do resultado do processo em seus méritos, mas, sim, devido a um maior
preço de mercado causado pela limitação na atuação do concorrente, gerando, em
consequência, ganhos monopolistas ao litigante”.
Para Karina Pinhão o sham
litigation cuida do “exercício abusivo do
direito de ação e não mera conduta de má fé no curso do processo. Nesse
sentido, pode-se observar que a ação demanda pode ser abusiva sem que nenhuma
das partes, no curso do processo, incorra em nenhuma das condutas de má fé
dispostas no artigo 17 do CPC [...] Desta forma qualquer infração à Ordem Econômica
(de que cuida o artigo 170 e seguintes da Constituição) ensejará uma
responsabilidade objetiva na lei antitruste à qual não está imune o direito de
ação”. Esta posição se opõe à prática nos Estados Unidos que vincula o sham litigation à prática de má fé.
Segundo o advogado Daniel Lemos dentre outros aspectos, para
a configuração do “sham litigation” no Brasil é necessário que haja a
existência de uma lide temerária. Desta forma “em razão do princípio da
possibilidade de revisão dos atos da administração pública pelo Poder
Judiciário, não se pode falar em lide temerária, e, portanto, em “sham
litigation” – a menos que o Judiciário se pronuncie acerca da temeridade da
ação” [7] O
advogado Renato Dolabella Melo questiona a aplicação do Artigo 21 Defesa da
Concorrência, uma vez que os direitos de PI não geram necessariamente poder de
mercado. O advogado Marcos Lobo Levy e o presidente-executivo da
Interfarma-Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa Gabriel Tannus
destacam que “a legislação brasileira, especialmente o Código de Processo
Civil – Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – possibilita a aplicação de
sanções a quem se utiliza do Judiciário para fins escusos, ilegais ou
protelatórios (artigo 17) ou propõe ações sem base legal nem mérito. Para isso,
entretanto, é preciso demonstrar que, de fato, determinado litigante está
agindo de má-fé no uso do Poder Judiciário.”
Em agosto de 2015 o CADE condenou a
Eli Lilly por abuso do direito de peticionar, usando ações judiciais em
diferentes localidades contra dois órgãos públicos como estratégia
anticompetitiva contra seus concorrentes. A companhia recebeu multa de R$ 36
milhões do Cade. Dessa forma, a empresa visava manter a exclusividade na
produção do medicamento Gemzar, voltado para o tratamento de câncer, enquanto
acionava tanto a ANVISA como o INPI no Rio de Janeiro e Distrito Federal.[8]
Segundo parecer do CADE o pedido inicial de patente PI9302434 da Eli Lilly tratava
do processo de produção do composto cloridrato de gencitabina, pedido este que
foi denegado pelo INPI, com base na inaplicabilidade do Acordo TRIPs. Posteriormente,
foram adicionados dois novos itens ao quadro reivindicatório. Os dois novos
itens (reivindicações 15 e 16) versavam não mais sobre patente de processo, mas
de produto, de maneira que o escopo do pedido teria sido alterado
substancialmente. Assim, omissão de dados relevantes em determinadas demandas
estaria relacionada ao aumento do escopo do pedido de patente, tendo em vista
que, mesmo sabendo que o pedido somente poderia versar sobre processo, a
Representada ajuizou ação em face da ANVISA para a obtenção de registro de
exclusividade de comercialização do produto GEMZAR. Segundo a Superintendência
Geral do CADE: “Assim, de forma abusiva e
tumultuada, por meio de enganosidades e omissões severas ao Judiciário e
utilizando-se de artifício doloso e ardiloso – consistente em pedir e obter a
suspensão da análise do INPI junto a um Juízo, ao mesmo tempo que se pedia o
monopólio temporário do produto em outro Juízo, sob o argumento de demora na
análise pelo INPI (demora essa demandada e obtida pela própria empresa) –, as
Representadas conseguiram o monopólio sobre um medicamento que estava em
domínio público, (Gencitabina), para o uso de câncer de mama”.[9]
[1] Tribunal Regional Federal 2a Região –
Segunda Câmara Especializada em PI, Apelação Civel nº 200851018171597. Sanofi
Aventis v. INPI. Decisão: 31/10/2010 cf. SILVA, Lucia Helena salgado; ZUCOLOTO,
Graziela Ferrero; BARBOSA, Denis Borges. Study on the
anti-competitive enforcement on intellectual property rights: sham litigation ,
IPEA/WIPO, 2011
http://www.wipo.int/export/sites/www/meetings/en/2011/wipo_ip_ge_11/docs/study.pdf
[2] Processo nº 2008.51.01.817159-7, em
trâmite perante a 37ª Vara Federal do Rio de Janeiro.
[3] CERQUEIRA, Gama. Tratado de Propriedade
Industrial. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 1982. v. II.
[4] BATISTA, Eurico. Cade pode aplicar
multa por abuso do direito de ação http:
//www.conjur.com.br/2010-mar-16/cade-julga-primeiro-sham-litigation-ordem-economica-pais.
http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000551601990.pdf
[5] SILVA, Lucia Helena salgado; ZUCOLOTO,
Graziela Ferrero; BARBOSA, Denis Borges. Litigância predatória no Brasil. IPEA
Radar Nº 22: tecnologia, produção e comércio exterior, 10/2012, p.25
http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/radar/121114_radar22.pdf
[6] SILVA, Lucia Helena salgado; ZUCOLOTO,
Graziela Ferrero; BARBOSA, Denis Borges. Litigância predatória no Brasil. IPEA
Radar Nº 22: tecnologia, produção e comércio exterior, 10/2012, p.25
http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/radar/121114_radar22.pdf
[7] http:
//br.groups.yahoo.com/group/pibrasil/ mensagem de 05/07/2010.
[8]
http://jota.info/cade-condena-eli-lily-a-pagar-r-36-milhoes-por-sham-litigation#.Vdvj67pr11Q.facebook
[9]
http://jota.info/cade-condena-eli-lily-a-pagar-r-36-milhoes-por-sham-litigation#.Vdvj67pr11Q.facebook
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