quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A posição do "caracterizado por" e a falta de novidade


O artigo 5º incio IV da Instrução Normativa n°30/2013 informa que as reivindicações independentes devem, quando necessário, conter, entre a sua parte inicial e a expressão ‘caracterizado por’, um preâmbulo explicitando as características essenciais à definição da matéria reivindicada e já compreendida pelo estado da técnica. O inciso V afirma que após a expressão ‘caracterizado por’ devem ser definidas as características técnicas essenciais e particulares que, em combinação com os aspectos explicitados no preâmbulo (ou seja, já conhecidos no estado da técnica), se deseja proteger. Dado um documento do estado da técnica, se uma reivindicação não tem novidade, não tem como meramente se deslocar o “caracterizado por” e esta reivindicação passar a ter novidade.  Não há que se fazer uma análise da novidade elemento por elemento da reivindicação tomados de forma isolada, mas um único documento deve antecipar todas as características em conjunto descritas na reivindicação para que esta seja destituída de novidade. Considere um pedido de patente que tenha como reivindicação aparelho dotado de A, B caracterizado por C, D. Se existir um documento do estado da técnica que revele aparelho dotado dos elementos A, B, C e D a reivindicação não terá novidade. Se por outro lado, este documento do estado da técnica revelar apenas A, C, D, faltando apenas B que consta do preâmbulo, a reivindicação terá novidade.

Considere um outro pedido de patente que tenha como reivindicação aparelho dotado de A, caracterizado por B, C, D. Se existir um documento do estado da técnica que revele aparelho dotado dos elementos A, B, C e D a reivindicação não terá novidade. Não houve qualquer influência no exame de novidade desta reivindicação o lugar onde se posiciona a expressão “caracterizado por”. Tal posição é irrelevante para análise de novidade da reivindicação.

Alguns críticos apontam que dado um pedido de patente que tem como reivindicação aparelho dotado de A, B caracterizado por C, D, se existir um documento do estado da técnica que revele aparelho dotado do elemento C a reivindicação já não terá novidade, uma vez que C é um dos elementos que representam a contribuição ao estado da técnica do pedido. Esta análise desconsidera os elementos do preâmbulo A e B e o elemento D. Nesta perspectiva uma nova redação da reivindicação para aparelho dotado de A, B, C caracterizado por D seria suficiente para tornar a reivindicação dotada de novidade. Em conclusão, bastaria um mero deslocamento da expressão “caracterizado por” para torná-la dotada de novidade.

O INPI elaborar uma exigência solicitando o deslocamento do elemento C para o preâmbulo porque este é destituído de novidade ignora o fato de todas as invenções, em última instância, são formadas da combinação de elementos por si já conhecidos isoladamente. A ser válido esta análise de novidade elemento por elemento, a rigor todos os elementos da parte caracterizante teriam de ser deslocados para o preâmbulo porque tais elementos isoladamente sempre poderão ser vistos como a reunião de outros elementos por si já conhecidos da técnica isoladamente.

Não há conhecimento de nenhum outro escritório de patentes que opera com reivindicações em duas partes (jepson type) que tenha o mesmo entendimento. A Diretriz de Exame do INPI no item 3.06 afirma que “Deve-se atentar para o fato de que a novidade das características contidas após a expressão "caracterizado por" deve sempre ser estabelecida em relação ao conjunto de características tidas como conhecidas e definidas no Preâmbulo”, de modo que não se pode ignorar os elementos A e B que constam do preâmbulo no exemplo citado. Segundo o TRF2 em DMV Brasil Equipamentos v. INPI[1] “A novidade exigida ao deferimento da exclusividade do uso de determinado invento deve ser apurada sob aspecto global daquela solução tecnológica e não sob a ótica dos elementos que a compõem, que poderão, isoladamente, estar abrangidos pelo estado da técnica”. Não há que se fazer portanto uma análise da novidade elemento por elemento da reivindicação tomados de forma isolada, mas em um único documento antecipar todas as características em conjunto descritas na reivindicação. O juiz do TRF2 acolhe argumentação do perito: “uma reivindicação independente será considerada desprovida de novidade quando todos os seus elementos, tanto do preâmbulo como da parte caracterizante, estão presentes em uma única referência. Também é importante ressaltar que é a combinação de elementos definida na reivindicação (e não cada elemento individualmente) que proporciona a novidade e a inventividade da patente PI9703496”.[1]

O erro conceitual nesta análise de novidade que toma cada elemento da reivindicação isoladamente ao invés de considerar a reivindicação como um todo provém da confusão entre a contribuição ao estado da técnica (a rigor delimitada pela parte caracterizante) e o objeto de proteção da patente. A reivindicação de aparelho dotado A, B caracterizado pr C, D diz que a contribuição da invenção reside na inclusão de C e D neste conjunto e não na invenção de C e D propriamente ditos. Para que o titular da patente obtivesse proteção para C e D isoladamente seria necessário que ele tivesse apresentado reivindicações independentes próprias para estas duas características isoladamente ou seja desconectadas do restante do aparelho dotado de A, B. Não é por outro motivo que a doutrina francesa afirma que a contrafação se avalia pelas semelhanças e não pelas diferenças “la contrafaction doit se juger d ‘aprés lês ressemblances et non les différences[2], pouco importa as diferenças secundárias em presença de similitudes consideradas essenciais (les éléments essentiels[3]), fundamentais (similitude fondamentale[4]). A análise de novidade por sua vez é feita pelas diferenças entre o objeto reivindicado como um todo e o documento (único) do estado da técnica. Havendo elementos presentes na reivindicação mas ausentes no documento do estado da técnica haverá novidade na reivindicação.



[1] Processo: AC 416701 RJ 2004.51.01.513998-3 Relator(a): Desembargador Federal ANDRÉ FONTES Julgamento: 24/06/2008 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA Publicação: DJU - Data::02/07/2008 - Página::38 Apelante: DMV Brasil Equip. Ind. Com. Ltda. Apelado: INPI http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1548740/apelacao-civel-ac-416701-rj-20045101513998-3-trf2
[2] CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.242
[3] Cass. Com. 5 maio 1971, Ann. 1971-85, Tribunal Grnde Instance Paris, 22 novembro 1974, PIBD 1975.III.228
[4] Paris 20 junho 1969, Ann. 1971-89

Nenhum comentário:

Postar um comentário