O
Alvará de 1809 em seu artigo 6o refere-se a proteção concedida aos “inventores
e introdutores de alguma nova máquina”. Na interpretação de Visconde de
Cairu um mínimo de inventividade é
necessário para a concessão: “é sem questão que não se deve dar privilégio
exclusivo ao inventor de insignificante novidade e simples alteração de forma
nas obras das artes ordinárias, que não manifesta engenhosa combinação ou lavor
difícil [...] Seria absurdo e indecente concedê-los por objetos notoriamente
públicos, e já sem privilégio no país dos inventores” [1]. Algumas das concessões sob
o alvará de 1809 foram negadas por falta de novidade. Antonio Gustavo Byurberg
teve negado pedido de invenção para moinho a vapor para moagem de trigo. O
parecer da Real Junta de 1822 justifica o indeferimento “visto não ser de invenção nova e aplicação da potência comum do vapor
ao moinho de trigo, achando-se introduzida semelhante inovação aos moinhos de
cana sem o requerido privilégio”.[2]
Ainda sob o Alvará de 1809 são concedidas patentes para João Miers para máquina
para purificar e clarear açúcar em 1829,
moenda de engenho de moer cana e roda motora aplicável a qualquer engenho para
Fernando Joaquim de Mattos em 1830. Na Revista O Analista de 11 de novembro de 1828 o inventor descreve o sucesso
de seu invento a intenção de usar parte dos ganhos para subscrever quotas de
capitalização da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional que caso lucrasse
com aquelas apólices repassaria parte dos lucros ao inventor.[3]
Fernando Joaquim de Mattos escreveu “Memória
para instrução do plano de sociedade” em 1828 relativo aos inventos de
melhoramentos da indústria e da lavoura.[4]
Ao
não discriminar entre inventores e introdutores de máquinas protegidas em
outros países, com a clara intenção de proteger os industriais ingleses que
trouxessem maquinário para o Brasil, o dispositivo antecipava o tratamento
nacional da Convenção da Paris, cerca de oitenta anos após. Visconde Cairu,
contudo, alinhado com as teses liberais de Adam Smith e Jean Baptiste Say
manifestava-se contra o exame prévio por entender ser uma ação inconveniente do
Estado despreparado em avaliar tais solicitações de patentes e ao risco de
avaliação injusta de uma burocracia estatal[5].
Segundo Jean Baptiste Say: “Não é de modo
algum necessário que a autoridade pública discuta a utilidade de processo, ou a
sua novidade. Se não é útil, tanto pior é para o inventor. Se não é novo, todo
mundo é admitido a provar que ele era conhecido, e que cada um tinha direito de
se servir dele; e isso também é péssimo para o que se disse inventor; pois que
lhe é tirado o privilégio, e fica prejudicado por pagar inutilmente as despesas
da chamada patente de invenção”.[6]
Visconde de Cairu faz referência ao
preconceito dos sábios para auxílio no julgamento das patentes na medida em que
estes, sábios em teoria, tendem a ter preconceito contra os inventores dotados
de um conhecimento muito mais prático e cita o exemplo de Adam Smith que um dos
maiores melhoramentos em bombas a vapor foi obtido por um rapaz servente. Segundo
Visconde de Cairu: “se a invenção é
quimérica, ou sem efeito útil, o inventor nada lucra, e não se agrava a pessoa
alguma com o exclusivo: se é alheia, seu dono a reclamará, ou o público: se
está já manifesta por generosidade do inventor, ou por ter expirado o prazo de
seu privilégio, qualquer um tem a faculdade de requerer a revogação contra quem
se disse o inventor ou o introdutor de invenção nova”. [7]
Jean Say ao justificar o sistema de patentes escreve: “Quem poderia racionalmente queixar-se de semelhante privilégio ? Ele
não destrói, nem grava ramo algum de indústria precedentemente conhecida. As
despesas de compra do novo produto não são pagas senão por quem as quer; e
quanto aos que não querem fazê-las, as suas carências, de necessidade, ou de
agrado, não são menos completamente satisfeitas que antes”.[8]
Para Leandro Malavota o fato de Visconde de Cairu não defender o exame é uma
indicação que ao contrário do que Clóvis da Costa Rodrigues afirma, não teria
sido ele o autor do Alvará de 1809.
[1] CARVALHO, Nuno Pires. 200 anos do
sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 24; CARVALHO,
Nuno. As origens do sistema brasileiro de patentes – o Alvará de 28 de abril
de 1809 na confluência de políticas públicas divergentes. Revista da ABPI,
n.91, nov.dez. 2007, p. 12; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a
franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado
Federal, 1999, p.113;
http://www.brasiliana.usp.br/bbd/bitstream/handle/1918/02948700/029487_COMPLETO.pdf
[2] CARVALHO, Nuno Pires.
200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 94
[3] CARVALHO, Nuno Pires.
200 anos do sistema brasileiro de patentes, Rio de Janeiro:Lumen, 2009, p. 102
[4] BLAKE, Augusto
Victorino Alves Sacramento. Dicionário Bivliographico Brazileiro, Segundo
Volume, Rio de Janeiro:Imprensa Nacional, 1893,
https://pt.scribd.com/document/317475171/000011472-02-pdf
[5] MALAVOTA,Leandro
Miranda. A construção do sistema de
patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011,
p. 60; LISBOA, José da Silva. Observações sobre a franqueza da indústria e
estabecimento de fábricas no Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[6]
MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no
Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 59
[7] LISBOA, José da Silva.
Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no
Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.114
[8] LISBOA, José da Silva.
Observações sobre a franqueza da indústria e estabecimento de fábricas no
Brasil, Brasília:Senado Federal, 1999, p.71
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