A reivindicação relativa a moto
contínuo descreve um objeto que viola flagrantemente as leis conhecidas da
física e, portanto, a matéria não possui clareza e aplicação industrial[1],
não havendo como se estabelecer comparações com o estado da técnica. As
Diretrizes de Exame do PCT por outro lado, recomendam que nestes casos, salvo
se a reivindicação não possuir clareza suficiente, o examinador ainda assim,
deve buscar anterioridades[2].
A Diretriz da EPO ao tratar da exclusão
de motos contínuos observa que se a característica reivindicada é sua
funcionalidade esta será rejeitada por insuficiência descritiva (Artigo 83 da
EPC) e por falta de aplicação industrial (Artigo 57 da EPC), por contrariar as
leis da natureza[3].
Por outro lado se o moto contínuo é reivindicado como um aparelho particular de
construção especificada, neste caso a condição de aplicação industrial está
atendida, contudo o pedido é rejeitado apenas por falta de clareza e suficiência
descritiva (Artigo 83 da EPC).[4]
Philip Grubb observa que tanto na Inglaterra (GB1372764) como Estados Unidos
(US4151431) máquinas de movimento perpétuo tem sido concedidos ainda que de
forma disfarçada sem uma uma referência direta ao termo moto contínuo ou ao
consumo de energia ser superior à entrada.[5]
Segundo o manual de exame do USPTO uma rejeição com base em falta de utilidade
inclui casos de inoperabilidade tais como os moto contínuos.[6]
Chistopher Wadlow observa que na EPO embora a inoperatividade de um moto
contínuo possa justificar o indeferimento por falta de aplicação industrial, as
razões de indeferimento tendem a se valer igualmente do argumento de
insuficiência descritiva.[7]
Para Christopher Wadlow as invenções de uso privado embora sejam úteis, também
parecem não atender ao critério de aplicação industrial, muito embora o uso
provado seja listado como uma das condições excluídas da caracterização de
contrafação na maioria das legislações. 74/93
Nos Estados Unidos em Process Control Corp.v. Hydreclaim Corp.[8] a
Corte entendeu que o pedido possuía suficiência descritiva, porém a
reivindicação tal como descrita contrariava as leis de conservação de massa e
portanto o dispositivo proposto não funcionaria como afirmado no pedido. A
reivindicação foi rejeitada por falta de utilidade, uma vez que o dispositivo
proposto não funcionava, era inoperante. Nenhum objeção foi levantada quanto à
suficiência descritiva (lack of
disclosure). Joseph Root contudo destaca que os critério de utilidade (35
USC §
101) e suficiência descritiva – enablement
(35 USC §112) estão inter-relacionados e portanto em muitas decisões
são utilizados os dois critérios para invalidar a mesma reivindicação, por
exemplo em In re Fisher[9].
Nas decisões mais antigas as Cortes tendiam a utilizar apenas um destes
critérios.
Na Inglaterra em Peter Crowley v.
United Kingdom Intellectual Property Office [10] analisou um pedido de patente
indeferido pelo IPO que tratava de uma máquina que segundo o depositante
produzia um excesso de energia que era utilizado para operar a própria máquina.
O escritório de patentes indeferiu o pedido por contrariar a primeira lei da
termodinâmica e portanto incapaz de aplicação industrial conforme as seções
191) e 4(1) do Patent Act de 1977. O depositante alegou que o excesso de
energia viria da atuação da força gravitacional agindo sobre o sistema de
esteiras e polias montado, razões que
foram consideradas improcedentes pela Corte. Christine MacLeod aponta diversas
patentes concedidas no século XVIII na Inglaterra para moto contínuos o que
desencadeou um desenvolvimento da tecnologia de motores.[11] Jeremy
Philips diante da evidência de reiterados pedidos de patentes que insistem em
solicitar patentes para moto contínuos sugere a criação de um tipo especial de
patente em que a concessão se faria sem exame, satisfazendo ao interesse de
tais depositantes. Segundo Jeremy Philips não haveria qualquer ônus à sociedade
diante da inoperância de tais mecanismos.[12]
Sob o Alvará de 1809 Leandro Malavota
aponta um depósito de patente referente a um motor para dar movimento a
qualquer máquina sem o uso de qualquer combustível. O examinador do pedido, o
então Inspetor de Fábricas, José Caetano Gomes mesmo reconhecendo a
inexequibilidade do invento argumentou que negar a patente seria um ato de
desestímulo ao inventor: “um freio a
liberdade de pensar” e recomendou sua aprovação uma vez que nenhum sua
concessão não ofereceria nenhum prejuízo ao público. [13]
Comentando a legislação de 1882 Carvalho de Mendonça observa que não basta a
invenção ser industrial , deve ela ainda produzir um resultado industrial: “caracterizam-se também a invenção o fim que
ela procura atingir, a necessidade que visa a satisfazer, o objeto dela, a sua
utilidade econômica. Não se faz questão do mérito, da perfeição do invento, mas
que este produza resultado, utilidade. A máquina que não puder funcionar não
constituiria invenção suscetível de ser privilegiada: representaria esforço
impotente do inventor, cuja ideia se manifestaria ilusória ou impraticável”.
[14]
O rasco de autofluxo de Robert Boyle [15]
[1] PCT
International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette,
Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004, item 14.03
[2] item 9.38
PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines, PCT Gazette,
Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
[3] Guidelines
for Substantive Examination Part C abril 2010 item 4.11
http://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guiex/e/c.htm Case Law of the
Boards of Appeal of the European Patent Office Sixth Edition July 2010, p. 224
http://www.epo.org/law-practice/case-law-appeals/case-law.html
[4]
Tratado da Propriedade Intelectual: Patentes. Denis Borges Barbosa. Tomo II,
Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.1146
[5] GRUBB,
Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology:
Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press,
2004, p.67
[6] MPEP supra note 5 § 706.03 (II) cf. ERSTLING, Jay; SALMELA, Amy; WOO, Justin. Usefulness
varies by country: the utility requirement of patent law in the United states,
Europe and Canada. Cybaris, an Intellectual Property Law Review, 2012 http://web.wmitchell.edu/cybaris/wp-content/uploads/2012/04/Erstling-Salmela-Woo.pdf
[7] WADLOW, Christopher. Utility and industrial applicability. In:
TAKENAKA, Toshiko. Patent law and theory: a handbook of contemporary
research,Cheltenham:Edward Elgar, 2008, p.380
[8] 190 F.3d
1350, 52 USPQ.2d (BNA) 1029 (Fed.Cir.1999) cf. ROOT, Joseph. E. Rules of Patent
Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University
Press, 2011, p.103, 181
[9]
421 F.3d 1365, 76 USPQ.2d (BNA) 1225 (Fed.Cir.2005) cf. ROOT.op.cit.p.182
[10] O/389/13 de 27/09/2013 Patent Court, England and Wales
[11] MacLEOD, Christine. Inventing the industrial revolution: the
english patent system, 1660-1800, Cambridge:Cambridge University Press, 1988
p.175
[12] PHILIPS, Jeremy. Patentability: a perpetual problem, 22/10/2014 http://ipkitten.blogspot.co.uk/2014/10/patentability-perpetual-problem.html
[13]
MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do
sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen
Juris, 2011, p. 92
[14]
MENDONÇA, Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Campinas:Ed. Russel,
2003, v.III, t.I, p.153
[15] http://en.wikipedia.org/wiki/Perpetual_motion
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