Na década de 1950 enquanto Paul Roubier entendia pela necessidade de adoção do critério de atividade inventiva Alain Casalonga se opunha: “esta concepção, que se inspira na evidência do direito germânico e suíço é muito perigosa pois ela introduz no direito francês um caráter de subjetividade na apreciação de patenteabilidade, característica contra a qual se elevam até o presente momento toda a jurisprudência francesa”[1]. Para Alain Casalonga, a Alemanha tem no modelo de utilidade um mecanismo de proteção para as criações pouco inventivas, ao passo que na França esta proteção não existe, ou seja, a adoção do critério de atividade inventiva deixaria tais criações, que são muito numerosas e interessantes, sem proteção na França. Paul Mathély e Lavoix escrevem: “a teoria do nível inventivo deve ser condenada porque este critério é perverso. Ele é incerto, essencialmente subjetivo e arbitrário, praticamente inaplicável e fundamentalmente contrário à tradição jurídico francesa, a qual requer critérios certos, objetivos e constantes”.[2] Pelos menos duas decisões do Tribunal do Sena de 1957 sob influência de Mathély negaram-se a aplicar o critério de falta de atividade inventiva suficiente.
Esta divergência na avaliação da atividade inventiva seria um dos fatores que levou à divisão das tarefas de busca e exame quando da criação da EPO. Um primeiro acordo na direção da uniformização do sistema de patentes europeu veio com a criação do IIB International Patent Institute (ou no original IIB Institut International des Brevets) em 6 de junho de 1947 no Acordo de Haia pela França e os países do Benelux com o objetivo de realizar as buscas por novidade das patentes (sem exame substantivo) depositadas nestes países. Posteriormente outros países aderiram ao IIB: Turquia (1955) para exame técnico de todos os pedidos, Marrocos (1956), Mônaco, Suíça (realizando o exame técnico de relojoaria e têxteis), Inglaterra (1965) e Itália (1974).[3] A sede do IIB foi estabelecida em Haia para facilitar o acesso da documentação do escritório holandês de patentes (Octrooiraad)[4] que abrangia cerca de 5 milhões de documentos de patentes alemãs, norte americanas, belgas, britânicas, francesas, holandesas, suíças e de Luxemburgo. As atividades do IIB iniciaram em 1950 e ao fim de 1956 haviam sido examinados apenas 12 mil pedidos, o que é um número relativamente pequeno[5]. Em 1956 o IIB contava com 60 examinadores engenheiros de diversas especialidades. As dificuldades de domínio dos idiomas representavam um ônus para contratação de novos examinadores. O presidente do escritório de patentes alemão (Patentamt) Eduard Reimer[6] lançara a ideia de uma patente europeia na Revista Propriété Industrielle de setembro de 1955[7]: “a pesquisa de novidade feita pelo IIB não constitui na realidade senão uma parte do exame substantivo. Aquele abrange também, em particular, a questão do progresso técnico e do nível inventivo”.[8] Este fator foi decisivo para que o exame europeu na EPO ser realizado em Munique mantendo-se Haia apenas com funções de busca. Entre 1941 e 1943 se multiplicaram as tentativas de impor uma patente europeia de inspiração germânica sob iniciativa do jurista August von Knieriem[9] que previa a criação de um escritório europeu centralizado de patentes.
O IIB com sede em Haia na Holanda, posteriormente viria a compor a EPO. Isto explica o porquê da sede da EPO em Haia ter se dedicado inicialmente apenas as atividades de busca. [10] François Panel aponta que no momento da criação da EPO, as dificuldades logísticas de deslocar os examinadores de Haia para Munique foi outro fator que contribuiu para separação geográfica entre busca e exame[11]. Esta separação levou em alguns casos a incompatibilidade de critério de exame, por exemplo, a divisão de busca poderia indicar falta de unidade de invenção exigindo taxas adicionais para efetuar a busca completa de todo o quadro reivindicatório. Se quando do exame o depositante protestasse contra falta de unidade e o examinador constatasse a procedência dessa queixa isso levava a EPO a devolver a taxa extra, anteriormente cobrada ao depositante. [12]
O IIB (de forte influência francesa) não utilizava o conceito de atividade inventiva tendendo a ser mais flexível nas concessões, ao passo que desde Joseph Kohler este conceito estava bem sedimentado na Alemanha (que para contrabalançar o critério mais rígido em patentes adotou os modelos de utilidade). Como o exame no IIB estava resistindo a adoção da atividade inventiva, como medida conciliatório decidiu-se quando da criação da EPO manter o exame em Munique deixando Haia com as buscas apenas, uma vez que haveria dificuldades em manter uma harmonização no critério de atividade inventiva com Munique diante da prática de exame consolidada entre os examinadores de Haia de não examinar este critério.
Nos anos 1990 a EPO adotou o plano BEST (Bringing Examiners and Searches Together) em que o mesmo examinador realiza a busca e o exame do pedido. Até então os examinadores lotados em Haia realizavam a busca enquanto os examinadores em Munique realizavam o exame. A medida foi tomada tendo por objetivo aumentar a qualidade do exame.[13] Desde meados dos anos 1990, a EPO passou progressivamente de um sistema em que as buscas e exames substantivos eram tratados por diferentes examinadores, localizados em Haia (NL) e Munique (DE), respectivamente, em direção ao chamado BEST-system em que o examinador de busca atua também, tanto quanto possível, como primeiro examinador na divisão examinadora responsável pelo exame substantivo de um pedido de patente. Embora no início de 2000-2005, a implementação do BEST pudesse ser considerada substancialmente concluída, o Artigo 17 da EPC1973 ainda se referia às divisões de busca como localizadas na filial da Haia e foi substituído por uma emenda provisoriamente correspondente ao atual Artigo 17 da EPC, que é silente sobre a localização da divisão de pesquisa de acordo com a aplicação do BEST no EPO. Embora a passagem para o BEST tenha representado uma mudança processual importante para o EPO, esta disposição não muda nada para o requerente, uma vez que se limita a ancorar no EPC uma prática actualmente seguida no EPO nos últimos anos.[14]
[1]
CASALONGA, Alain. Supplément au Traité technique et pratique des brevets
d'invention, Paris:Pichon&Durand, 1958, p.35
[2]
BEIER, Karl. The inventive step in its historical development, 1986, IIC, v.17,
n.3, p.315
[3] PANEL, François. La protection des inventions en
droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.2
[4]
CASALONGA, op.cit., p.83
[5]
CASALONGA, op.cit., p.81
[6]
https://de.wikipedia.org/wiki/Eduard_Reimer
[7]
CASALONGA, op.cit, p.85
http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/fr/intproperty/120/wipo_pub_120_1955_09.pdf
[8]
CASALONGA, op.cit., p.85
[9]
SCHEUCHZER, Antoine. Nouveaute et Activite Inventive en Droit Europeen Des
Brevets, Librairie Droz:Genève, 1981, p.18
[10] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe
de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford
University Press, 2007, p.27; DRAHOS, Peter. The global governance of
knowledge: patent offices and their clients. Cambridge University Press:United
Kingdom, 2010, p.117; MATHÉLY, Paul. Le droit européen des brevets d'invention,
Journal des notaires et des avocats:Paris, 1978 p.7
[11] PANEL, François. La protection des inventions en
droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.147
[13] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent
offices and their clients. Cambridge University Press:United Kingdom, 2010,
p.124; GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology:
Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press,
2004, p.125
Nenhum comentário:
Postar um comentário