segunda-feira, 22 de maio de 2017

O aspecto sociológico do técnico no assunto


Em um sentido sociológico o conceito de técnico no assunto se aproxima do conceito weberiano de “tipo ideal”. O técnico no assunto opera segundo uma racionalidade com relação a um objetivo determinado por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens utilizando essas expectativas como condições ou meios para alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos.[1] O tipo ideal, segundo Weber, escrevendo no início do século XX, trata-se de um conceito sociológico puramente conceitual que expõe como se desenvolveria uma forma particular de ação social se o fizesse racionalmente em direção a um fim.[2] Cada tipo ideal ao acentuar o que é característico no grupo, busca a apreender o que é essencial nele para a análise sociológica[3]. Segundo Stephen Kalberg “Os tipos ideais não são estáticos, mas construídos a partir de uma série de orientações regulares de ação”.[4] Uma das principais características do tipo ideal é o fato de que não corresponde à realidade, mas pode ajudar em sua compreensão[5]: “Um conceito ideal é normalmente uma simplificação e generalização da realidade. Partindo desse modelo, é possível analisar diversos fatos reais como desvios do ideal: Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções, determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas”.[6] Segundo Max Weber: “obtém-se um tipo ideal pela acentuação unilateral de um ou vários pontos de vista e pela síntese de muitos fenômenos individuais concretos, difusos, discretos, mais ou menos presentes e às vezes ausentes, que são organizados segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados a fim de formar um constructo analítico homogêneo. Em sua pureza conceitual, esse constructo não pode ser encontrado empiricamente, na realidade, em lugar nenhum”.[7]

Na concepção de Max Weber, o tipo ideal é um instrumento da análise sociológica elaborado para a apreensão de fenômenos sociais. O tipo ideal não está ligado à "maioria" ou a uma média de valores encontrados na realidade, mas o de uma síntese idealizada da realidade social. Exemplo de tipo ideal é o "homem cordial", em Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Raízes do Brasil. Denis Barbosa define o técnico no assunto como um tipo ideal weberiano: “o técnico na arte provido dos conhecimentos gerais do estado da técnica e da experiência no ramo onde o invento se propõe solucionar o seu problema técnico”. Ao raciocinar de forma óbvia, ou seja, dentro daquilo que pode ser entendido como a “dinâmica natural, ou crescimento vegetativo, do estado da técnica[8], o técnico no assunto obtém soluções que outros indivíduos dentro do mesmo tipo ideal invariavelmente atingiriam de forma natural.

Karl Marx contrapõe-se à visão de Weber na medida em que não entende os acontecimentos sociais como passíveis de projeções ideais, para poder realizar uma análise. Marx, entende a sociedade como um conjunto de determinações históricas, culturais, econômicas e políticas: as sociedades se estruturam conforme a produção material de bens. No entanto, Marx também idealiza um “trabalhador médio[9] para desenvolver sua teoria de valor. No primeiro volume de sua obra “O Capital”, publicada em 1867, Karl Marx desenvolve sua teoria do valor do trabalho na qual a grandeza de valor de um produto é dada pelo tempo de trabalho médio necessário ou tempo de trabalho socialmente necessário para a produção do produto. O preço de uma mercadoria é apenas a denominação monetária da quantidade de trabalho social nela objetivado, ou seja, dada pela média socialmente necessária de tempo de trabalho:[10]o trabalho objetivado em valor é trabalho de qualidade social média e, portanto, a exteriorização de uma força de trabalho média. Mas uma grandeza média só existe como média de diferentes grandezas individuais da mesma espécie. Em cada ramo da indústria o trabalhador individual, Pedro ou Paulo, difere mais ou menos do trabalhador médio. Esses desvios individuais, que matematicamente se chamam ‘erros’, compensam-se mutuamente e desaparecem assim que se considere um número maior de trabalhadores”. [11] Ainda segundo Marx a maquinaria contribuiu para esta uniformização do trabalhador: “a uniteralidade e mesmo a imperfeição do trabalhador parcial convertem-se em sua perfeição como membro do trabalhador coletivo”.[12] Karl Mannheim critica as perspectivas do intelectualismo burguês de criação de tipos ideais tais como “um homem econômico” ou “um homem político” independente de aspectos subjetivos, reunindo um conjunto purificado de conhecimento destituído de qualquer percepção sensorial do indivíduo. Para Karl Mannheim, esta construção é um reflexo do positivismo moderno que sempre manteve sua afinidade com a visão liberal burguesa e que se baseava no ideal de ciência objetiva onde os aspectos subjetivos eram considerados pré-científicos e menos valorizados[13].

O conceito de homem mediano, remete a conceitos utilizados em estatística e desenvolvidos por Jacques Quételet em sua publicação de 1835 denominada de "Sur l'homme et le developpement de ses facultés, essai d'une physique sociale"[14] em que aplica a análise matemática no comportamento humano sob o ponto de vista da sociologia.[15] Quételet apresentou sua concepção do homem médio (l´homme moyen), modelo padrão para o comportamento humano, como o valor central das medidas de características humanas que são agrupadas de acordo com a curva normal.[16] Suas pretensões eram a de utilizar a distribuição normal para esclarecer a natureza das pessoas e da sociedade o que levaria às leis que descreveriam o comportamento humano e assim conseguir prever de que modo as forças sociais transformariam as características da sociedade. Na sua concepção o homem médio estaria sujeito à variação no tempo e em diferentes culturas. O impacto direto das teorias de Quételet sobre as ciências sociais, contudo, foi pouco expressivo. Os trabalhos em estatística de Quételet foram aplicados nas ciências naturais, como por exemplo, em estudos de dados biométricos por Francis Galton[17] ao redescobrir as impressões digitais, criando o primeiro sistema de identificação pessoal e nos estudos do movimento browniano em física estatística por Albert Einstein.[18]



[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Weber
[2] http://www.culturabrasil.pro.br/weber.htm
[3] KALBERG, Stephen. Max Weber: uma introdução, Rio de Janeiro:Zahar, 2010, p. 145
[4] KALBERG, Stephen. op.cit, p. 75
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Tipo_ideal
[6] WEBER, Max. A “objetividade” do conhecimento das ciências sociais, Ática, 2006
[7] KALBERG, Stephen. Max Weber: uma introdução, Rio de Janeiro:Zahar, 2010, p. 42
[8] BARBOSA, MAIOR, RAMOS, op.cit., p.74
[9] MARX, Karl. O capital, livro I: o processo de produção do capital,São Paulo:Boitempo, 2013, p.376
[10] MARX, Karl. Op.cit, p.117
[11] MARX, Karl. Op.cit, p.397
[12] MARX, Karl. Op.cit, p.423
[13] MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1968, p. 190
[14] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência, vol. IV A ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.74
[15] SEDGWICK, W.; TYLER, H; BIGELOW, R. História da ciência: desde a remota antiguidade até o alvorescer do século XX, Rio de Janeiro:Ed. Globo, 1952, p.333
[16] BELLOS, Alex. Alex no país dos números. São Paulo:Cia das Letras, 2011, p.387
[17] SALGADO-NETO, Geraldo; SALGADO, Aquiléa. Sir Francis Galton e os extremos superiores da curva normal. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 45, n. 1, p. 223-239, jan. 2011. https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/2178-4582.2011v45n1p223
[18] MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado, Rio de Janeiro:Zahar, 2011, p. 200

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