domingo, 19 de junho de 2016

Japão e as patentes

Em 1636 em resposta à ameaças dos missionários cristãos, foi promulgado um decreto de isolamento do Japão do resto do mundo. O sucesso na difusão do cristianismo alarmou os governantes japonese levando a uma perseguição dos missionários  e seus convertidos como a política de reclusão conhecida como “sakoku”.[1] A despeito dessa política alguns japoneses em Nagasaki demonstram interesse na cultura ocidental. Uma tela mostra o mapa mundi inspirado no modelo do holandês Plancio de 1592[2]. Sob pressão do Commodore Matthew Perry em 1853 o Japão foi forçado a reabrir seus portos ao comércio exterior. O longo período de isolamento despertou com o contato com o Ocidente um garnde interesse e curiosidade, o que fortaleceu uma cultura da cópia das tecnologias e padrões da cultura ocidental[3]. A revolução Meiji iniciada em 1868 enfatizou a busca por conhecimento tecnológico e chegou a aprovar uma lei de patentes em 1871 Summary Rules of Monopoly (Sembai Ryaku Kisoku); este código possui 19 artigos, cujo artigo 1 afirmava: “aquele que fizer uma nova invenção de qualquer tipo, terá, a partir desse momento, permissão para vendê-la em caráter de exclusividade”. A lei de 1871 viria a ser revogada no ano seguinte. [4] A primeira lei japonesa de patentes (efetiva) será promulgada em 1885. Para o shogun Meiji Mutsuhto “as relações com os países estrangeiros seriam conduzidas de futuro em concordância com as leis de todo o mundo” em um rompimento com a visão feudal até então predominante no Japão[5]. Na década anterior os Estados Unidos em missão de 1852 comandada pelo Comodore Perry, quatro navios de guerra ameaçaram o Japão caso não se estabelecessem relações comerciais. Em 1865 seria a Inglaterra, após bombardeio do porto de Kagoshima, a conseguir a abertura do portos japoneses aos produtos ingleses.[6] Segundo Takahashi Korekiyo a chegada de Comodore Perry precipitou o país a empreender um vigoroso impulso modernizador de sua indústria. [7]
Ian Inkster[8] mostra que a Revolução Meiji envolveu o que podemos denominar de “engenharia cultural” que teve um amplo alcance absorvendo técnicas do ocidente assim como impactos sociais importantes ao reforçar o sentimento de grupo e uma ética ao trabalho. A contribuição de pesquisadores estrangeiros como o químico holandês K. Gratama foi fundamental para o surgimento de universidades como o departamento de química na Universidade de Tóquio com elevado padrão de ensino. Segundo Ian Inkster: “a educação pública foi claramente o elo institucional mais próximo entre a formação de capital humano, engenharia cultural e transferência de tecnologia”.
Nuno Carvalho aponta o impacto provocado pela infração generalizada de um tear mecânico apresentado por um inventor japonês durante a primeira exposição industrial realizada no Japão em 1877. O inventor T. Fusekumo[9] morreu pobre apesar do enorme sucesso de sua invenção, para o qual não havia proteção legal disponível [10]. Uma segunda lei de patentes o Patent Monopoly Ordinance (Sembai Tokkyo Jorei), entrou em vigor em 18 de abril de 1885, dia considerado com dia da invenção no Japão (Hatsumei No Hi). A primeira patente foi concedida quatro meses mais tarde a Zuisho Hotta, um artista que inventou uma verniz conhecido como verniz Hotta usado no revestimento de navios e pontes de ferro[11]. Em 1886 Takahashi Korekiyo, primeiro diretor do escritório japonês de patentes, então um órgão do Departamento de Agricultura e Comércio [12], foi enviado em missão pelo governo japonês aos Estados Unidos e Europa para examinar seus sistemas de patentes e concluiu em seu relatório: “o que faz os Estados Unidos uma grande nação? e nós investigamos e encontramos que eram as patentes, deste modo também nós teremos patentes” [13]. Entre os cinco artigos do Pacto Imperial de 1868 no início da era Meiji constava a decisão de “procurar o saber em todas as partes do mundo, a fim de levantar as glórias do regime imperial”.[14] Takahashi Korekiyo foi primeiro ministro no Japáo entre 1921 e 1922 e assassinado em 1936 por um grupo de jovens oficiais. [15]A primeira lei de patentes japonesa foi aprovada em 1888 incorporando muitas das características da legislação norte americana[16], entre os quais o princípio de first to invent, abandonado apenas na reforma da lei em 1920. Após a adesão à CUP uma nova lei foi aprovada em 1899, com a principal modificação de estender os direitos às patentes também aos estrangeiros seguindo o princípio de tratamento nacional[17]. A influência alemã viria na lei de 1909 com a proteção aos modelos de utilidade e em 1921 com a adoção dos procedimentos de oposição administrativa e a remoção da proteção para produtos químicos [18]. O Japão, portanto, possui legislação patentária desde o início de seu processo de industrialização.
 
Chegada do Commodore Perry no Japão em 1854
 




[1] BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.59


[2] BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento, Rio de Janeiro:Zahar, 2003, p.76


[3] LEWIS, Brenda. Great civilizations, Parragon:London, 1999, p.171


[4] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.164


[5] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faze em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.42


[6] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faze em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.40 http://en.wikipedia.org/wiki/Matthew_C._Perry


[7] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 5


[8] INKSTER, Ian. Cultural engineering and yhe industrialization of Japan circa 1868-1912 In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.291-308


[9] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 57

[10] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 343.
 


[11] CRUZ, Murillo. A norma do novo: fundamentos do sistema de patentes na modernidade, 2015, p.296, http://www.nature.com/nature/journal/v135/n3406/abs/135218b0.html

[12] http: //en.wikipedia.org/wiki/Takahashi_Korekiyo.
 

[13]  BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 111; KHAN, Zorina; SOKOLOFF, Kenneth. Historical prspectives on patent systems in economic development. In: NETANEL, Neil Weinstock. The development agenda: global intellectual property and developing countries. Oxford University Press, 2009,p.218
 


[14] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faz em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.83


[15] http://en.wikipedia.org/wiki/Takahashi_Korekiyo


[16] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.159


[17] CRUZ, Murillo. A norma do novo: fundamentos do sistema de patentes na modernidade, 2015, p.296

[18]  KHAN, Zorina. An Economic History of Patent Institutions. 2010 http: //eh.net/encyclopedia/article/khan.patents. cf DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.164
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário