terça-feira, 26 de julho de 2022

Extinção da patente e dominio público

 

José Carlos Tinoco Soares (figura) sustenta que mesmo as patentes em domínio público seriam insuscetíveis de cópia, arguindo violação do princípio de imitação servil, com base em concorrência desleal [1]. Trata-se de interpretação não consensual na literatura, pois prevalece a tese de que extinta a patente, cessam os direitos do titular. Segundo Pollaud Dulian “o princípio da liberdade de comércio e da indústria implica a liberdade de reproduzir ou de imitar um objeto que não esteja coberto por um direito intelectual”. Segundo decisão da Corte de Cassação francesa de 2004; “na ausência de todo direito privativo, o único fato de comercializar produtos idênticos aos distribuídos pelo concorrente não é considerado incorreto”.[2] A intenção em provocar confusão no consumidor é um fator determinante na jurisprudência para caracterizar concorrência desleal. Para Pollaud Dulian “quando uma patente cessa de produzir seus efeitos e a invenção não mais é protegida por um direito privativo, a ação de concorrência desleal não pode corrigir esta ausência de direito, na medida em que ela não deve servir para reconstituir um direito privativo que não mais existe legalmente, mas ela [a concorrência desleal] permite que se aplique sanções no caso de reproduções consideradas ofensivas. È necessário nestes casos que o produto concorrente crie risco de confusão na reprodução de seu aspecto exterior, forma ou apresentação particular que a empresa confere aos seus produtos, e ainda que tais elementos reproduzidos não sejam considerados necessários para sua função técnica e também não sejam considerados banais ou usuais”.[3]

O Artigo 195 da LPI trata como crime de concorrência desleal quem emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem. Pedro Barbosa observa que de modo geral o instituto da concorrência desleal presume o interesse pecuniário, o ambiente de mercado concorrencial de um produto fungível (que se consome após o uso), dentro de um território, disputando mesma clientela em que os agentes econômicos agem em sincronia dentro de uma relação patrimonialista, despersonalizada e munida de racionalidade econômica.[4] A concorrência lesiva aos lucros de seus partícipes, mas leal, por sua vez, pode implicar em externalidades positivas com ganhos tecnológicos à sociedade como demonstra Schumpeter em seu conceito de destruição criativa. Desta forma: “a deslealdade competitiva tem a ver com o meio empregado, mas não tanto com o fim (dano perpetrado ou elementos subjetivos emulativos como o do intuito de causar dano)”.[5] O artigo 4º, VI da Lei nº 8.078/90 determina a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais que possam causar prejuízos aos consumidores. O CADE já se manifestou no sentido de que o exercício de direitos sobre patente obtida de forma fraudulenta pode se configurar em violação à ordem econômica passível de punição pela legislação antitruste: “Obter ou tentar obter marca ou patente por meio fraudulento não é em si uma violação à concorrência [...] O exercício de direitos sobre marca obtida fraudulentamente e de modo a amealhar fatia de mercado excluindo outros concorrentes é que pode converter-se em ofensa à ordem concorrencial”[6]

Em outro julgado o TJSP conclui: “a ação de contrafação, diz respeito à propriedade industrial e aos direitos e privilégios que do registro derivam, é de caráter real, circunstância que obriga, evidentemente, o ato do registro público, perante o INPI. A ação de concorrência desleal, de outra sorte, prescinde da prova do registro público do INPI e seu conteúdo é mais amplo, visto que se projeta, além dos sinais distintivos, à prática fraudulenta na captação de clientela do concorrente e de modo adredemente preparado, é ação eminentemente pessoal. Os elementos que integram o comportamento de concorrência desleal são estes: ato ilícito (considerado na similar apresentação do produto em relação ao concorrido), resultado pretendido (desvio de clientela), e finalmente, dão resultante da causa apontada”.[7]



[1]apud BARBOSA, Denis. Licitações, Subsídios e Patentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 144.

[2] Cass. Com. 9 junho 2004, PIBD 2004 n. 795-III-569, cf. POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.51

[3] POLLAUD-DULIAN, Frédéric , Propriété intellectuelle. La propriété industrielle, Economica:Paris, 2011, p.439

[4] BARBOSA, Pedro. Curso de concorrência desleal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 35

[5] BARBOSA, Pedro. op.cit, p.118

[6] Averigação Preliminar n.08000.022244/94-36 de 06/08/1997 Representante: Bodygard Benton Imp. Exp. Rep. Ltda Representada: Benton Plastics e outras cf. ANDRADE, Gustavo Piva. A interface entre a propriedade Intelectual e o direito antitruste. Revista da ABPI, nov/dez 2007, n.91, p.48

[7] Apelação Cível n. 209.403-1/7-00, Sexta Câmara Cível de 16.06.1994 TJSP



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