sexta-feira, 31 de julho de 2020

Patente de otimização em rede de computadores

Uniloc USA v. LG Electronics (Fed. Cir. 2020) a tecnologia patenteada refere-se a redes habilitadas para Bluetooth e redes similares. Essas redes envolvem uma estação primária e pelo menos uma estação secundária que formam redes ad hoc (piconets) entre si. A união dessa rede envolve um procedimento de consulta, no qual as estações primárias identificam estações secundárias e as estações secundárias podem solicitar a adesão à piconet, e um procedimento de página, no qual uma estação primária pode convidar as estações secundárias a se unirem à piconet. Uma estação estacionada em condição de baixo consumo de energia deve ser pesquisada para restaurar sua capacidade de se comunicar com a estação principal. Esse processo de votação também pode levar várias dezenas de segundos. A patente explica que esse atraso pode ser reduzido adicionando um campo de dados para pesquisa como parte da mensagem de consulta. Isso permite que consultas e pesquisas ocorram simultaneamente para uma estação estacionada, reduzindo assim os atrasos na pesquisa. A reivindicação pleiteia Estação primária para uso em um sistema de comunicações compreendendo pelo menos uma estação secundária, em que meios são fornecidos para transmitir uma série de mensagens de consulta, cada uma na forma de uma pluralidade de campos de dados predeterminados dispostos de acordo com um primeiro protocolo de comunicação, e para adicionar a cada mensagem de consulta antes da transmissão um campo de dados adicional para pesquisar pelo menos uma estação secundária. A Corte conclui pela eligibilidade pois considerou que a redução do tempo de latência nas estações estacionadas proporciona uma melhoria no sistema de comunicação e supera um problema que havia nas redes de computadores: “A compatibilidade da invenção reivindicada com sistemas de comunicação convencionais não a torna abstrata. Tampouco o fato de a melhoria não ser definida por referência a componentes "físicos". . . . Nosso precedente é claro que o software pode fazer melhorias elegíveis a patentes para a tecnologia de computadores, e as reivindicações relacionadas são elegíveis desde que sejam direcionadas a melhorias não abstratas da funcionalidade de um computador ou plataforma de rede”.[1]



[1] https://www.patentdocs.org/2020/05/uniloc-usa-inc-v-lg-electronics-usa-inc-fed-cir-2020.html


Critério de patenteabilidade no USPTO

Michael Borella indica que dados de 2015 mostram que aproximadamente 70% das patentes de métodos financeiros desafiadas pela sessão 101 acabaram invalidadas nas Cortes Distritais, quando no passado este número era em torno de 40% apenas. Como consequência os titulares de patentes demonstram cada vez mais preocupação com a validade de suas patentes após a decisão em Alice pela Suprema Corte.[1] Um estudo de Lincoln Essig e Damien Howard motra que as taxas de rejeição com base na seção 101 na área tecnológica 3600 (setor de serviços e comércio eletrônico) aumentou de 50% antes da decisão em Alice para cerca de 80% após a publicação dos guias de exame do USPTO alinhados com tal decisão. [2] Michael Borella e Ashley Hatzenbihler realizam estudo que analisa três parâmetros (especificidade da reivindicação, caráter técnico e novidade) de um total de 24 decisões do Federal Circuit que discutiram a patenteabilidade segundo a seção 101 entre 2014 e 2020. Se somarmos o fator aplicado a cada parâmetro o estudo mostrou uma correlação de 0.91 com o resultado da decisão em favor da patenteabilidade. A correlação para o fator especificidade foi de 0.58, para caráter técnico 0.80 e para novidade 0.74, de modo que o caráter técnico o fator que mais impacta na decisão final de eligibilidade pela seção 101.  Dos casos analisados apenas Elec. Commc'n. Techs., LLC v. ShoppersChoice.com, LLC (Fed. Cir. 2020) foi classificado como tendo nota zero nos três parâmetros. [3]



[1] http://www.patentdocs.org/2016/01/edekka-llc-v-3ballscom-inc-ed-tex-2015.html

[2] ESSIG, Lincoln; HOWARD, Damien. Impact of the USPTO Examination Guidelines on Software Patents Post-Alice, 02/09/2016, https://knobbe.com/news/2016/09/impact-uspto-examination-guidelines-software-patents-post-alice#_ftnref5

[3] https://www.patentdocs.org/2020/07/the-three-properties-of-patent-eligibility-an-empirical-study.html


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Patentes farmacêuticas e licença compulsória em meio à pandemia de COVID 19

Patentes farmacêuticas e licença compulsória em meio à pandemia de COVID 19, Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil 29/07/2020


Gabriel Leonardos, ABPI
O momento é oportuno para conversar sobre esse tema. A mídia não especializada frequentemente aborda o tema sobre um viés ideológico. Em primeiro lugar temos de deixar claro que o acesso a medicamentos e vacinas deve sempre ser assegurado como direito fundamental estabelecido na Constituição. O sistemas de patentes não é, nunca foio e não deve ser obstáculo para o acesso a medicamentos. Os Estados Unidos tem dificuldades de acesso a saúde pela população não é por causa do sistema de patente seja o sistema europeu em que esse acesso é maior que no caso norte americano. A patente assegura uma propriedade temporário para a concretização de uma ideia, não se trata de uma mera ideia pois isso não pode protegido por patente, é fundamental suficiência descritiva. Ademais ela deve ter novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. O exame pelo INPI é feito de modo absolutamente técnico. Não se trata de um título concedidos aos amigos do rei. Temos uma tradição em patentes desde a Convenção de Paris e as licenças compulsórias desde a Revisão de Haia de 1925.  TRIPs também assegura as licenças compulsórias ou seja, é um mecanismo previsto nos acordos internacionais. De 1945 a 1996 a indústria farmacêutica não tinha proteção de fármacos e um grupo importante de empresários se limitava a cópia. A lei de genéricos logicamente só faz sentido com uma lei de patentes em vigor pois se refere a medicamentos em que a patente expirou. No caso da pandemia da AIDS houve uma licença compulsória ao Efavirenz pelo ministro Temporão, comumente chamada quebra de patentes. Essa expressão não informa que o titular continua com sua patente e recebe por ela.  O artigo 71 da LPI trata das hipóteses de emergência nacional e interesse publico regulamentado pelo Decreto 3201 que prevê no artigo 7 a plicação imediata de uma licença compulsória em casos de urgência, que é o nosso caso atual, podendo ser decretada em horas, bastaria uma Portaria do Ministro em um ato unilateral do Ministério. A licença compulsória na prática nunca deverá ser usada pois o maior comprador é o governo e o titular tem todo interesse em ter um acordo para não perder mercado. José Serra anunciou o licença compulsória do Nelfinavir e a empresa logo concordou em negociar. Há pressões certamente mas o país é soberano em aplicar tais licenças. As patentes farmacêutica são menos de 8% das patentes depositadas no INPI. Não podemos desarticular todo o sistema por conta de um mecanismo já previsto na lei atual. O projeto de lei 1462/2020 promovido por setores que na verdade querem o fim da patente de medicamentos.   Os projetos de liei em discussão buscam ampliar as possibilidades de aplicação de licenças compulsórias e royalties pre estabelecidos de 1,5% fixos. Todos são de partido de esquerda como Jandira Feghali, Rondolfe Rodrigues, Paulo Ramos. Tradicionalmente os partidos de esquerda tem uma preocupação em torno da saúde pública o que é bom mas que vem o sistema de patentes de forma muito crítica e aproveitam para introduzir dispositivos que visam a enfraquecer tais patentes de farmacêuticas. Esse royalty de 1,5% parece pouco mas pode ser muito porque não faz sentido fixar royalty. A solução por arbitramento pelo INPI é muito mais interessante na discussão caso a caso. Não acho oportuno açodadamente mudar uma lei por conta da pandemia pois já temos leis que permitem tal dispositivo ser aplicado.  De fato a lei no artigo 71 da LPI poderia ser melhor descrita , mas se formos passar o pente fino na lei poderíamos rever vários outros trechos da lei. Só devemos aprovar leis nesse momento em que em meio a pandemia estamos todos preocupados, apos uma discussão ponderada e não açodadamente.  A iniciativa da OMS de um pool de patentes em covid para facilitar a obtenção de licenças . Em nenhum  momento a OMS disse que é contra patentes de medicamentos, pelo contrário o pool é uma indicação de que reconhece tais patentes, numa forma de reduzir o custo de transação na medida em que facilita tais licenciamentos. Tal como no ECAD onde você simplesmente paga o ECAD sem se preocupar em contactar o artista, o que facilita muito esse distribuição de direitos autorais. A proposta é da Costa Rica e o Brasil aderiu, é uma iniciativa louvável que funciona em eletrônica e comunicações mas não sei se haverá tempo para operacionalizar isso entre as empresas, as licenças compulsórias me parecem mais imediatas. A licença compulsória deve ser considerada um mecanismo de equilíbrio do sistema de patentes e não ser banalizado, temos de ter confiança que nosso sistema jurídico está razoavelmente adequado formulado e temos de sempre suspeita de soluções miraculosas seja na medicina ou no direito. 

Pedro Barbosa, PUC-RJ
O direito subjetivo do titular da patente somente advém com a concessão, até então o que ele tem é a expectativa de direito. Enquanto perdura o trâmite o titular não consegue tutelas inibitórias que se pode ser aplicada quando da concessão. Os pedidos de covid portanto são meras expectativas porque são recentes e ainda não foram concedidos. Uma licença compulsória é um dos instrumentos administrativos mais brandos de intervenção do poder público quando comparado com expropriações quando alguém por exemplo faz uso de trabalho escravo ou planta maconha, ou uma desapropriação com compensação como no caso de despropriação de imóveis. Se o Estado quiser expropriar uma patente ele o fará aplicando a compensação devida. Porque será que numa das formas mais brandas como a licença compulsória tem tanta resistência ? A propriedade industrial a propriedade intelectual não é sagrada , só no feudalismo a propriedade é sagrada. A propriedade intelectual é intensamente regulada pela constituição que trata da ordem econômica.  Vamos desmitificar o sistema de licença compulsória. Não faz sentido usar evocativos exasperados como "quebra da patente". Qual  diferença da doação e o furto ? a diferença esta na autonomia do ato, a diferença é que a licença compulsória é prevista na lei, o estado pode delimitar a autonomia provada mas ela não extirpa tal autonomia. A licença compulsória só trata inoponibilidade ao titular a este licenciamento que será devidamente remunerado, ou seja, não é nada tão radical assim, está devidamente delimitada por lei.  Se posso licenciar compulsoriamente a patente também posso licenciar compulsoriamente o pedido de patente. O chefe do Executiva pode conceder licenças compulsórias, seja do poder executivo federal ou do municipal, porém neste caso estaria delimitada aquele município só na medida daquele necessário. Aparelhos, respiradores, EPIs também podem ser sujeitos a licenças compulsórias e não apenas medicamentos. Soluções conciliatórias são sempre a melhor opção mas não devemos ter medo de usar esse mecanismo. O artigo 71 da LPI tem um aposto desde que o titular não atenda a essa necessidade ou seja, o Estado teria de provar esse ônus para só depois fazer uso da medida, o que no caso de uma pandemia não faz sentido, pois essa comprovação pode se arrastar por anos.  Esse instrumento integra o regime competitivo num estado capitalista, previsto em várias nações, logo não tenhamos.  medo de usá-la. A lei proposta é apoiada pro PSL, DEM e PP e outros deputados que não são de esquerda.  Não me parece que é uma questão de esquerda ou de direita. Condicionar uma emergência nacional a uma demonstração por parte do titular é ruim, e se o decreto conserta isso, me parece bom. Licenças compulsórias automáticas não são boas, é preciso fundamentação, concordo com Gabriel, não podemos banalizar esse instrumento.  Royalties fixados sem saber qual é a tecnologia em questão pode gerar mais confusão, sempre as vias consensuais são melhores opção. Ainda hoje a fixação de royalties é de uma legislação da década de 1950. Não acho que esse projeto abala a credibilidade internacional do país pois senão o Canadá estará com credibilidade abalada, e existe um movimento internacional no mesmo sentido.  Concordo com Gabriel sobre os pools de patentes. Precisamos discernir entre licença compulsória cruzada onde há uma sobreposição de tecnologias e pools de patentes que tem a vantagem de facilitar a cooperação e o desenvolvimento tecnológico.  Recomendo Yochai Benkler (The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven: Yale University, 2006) para entender melhor tais pools.  Temos de tomar cuidado, porque até agora não temos um tratamento efetivo para covid. Precisamos justificar o uso de licenças compulsórias para não banalizar seu uso. A própria concorrência desleal pode fundamentar o uso de licença compulsória. 

terça-feira, 28 de julho de 2020

INPI pode mudar de argumentação em uma ação ?

Segundo o TRF2 o INPI caso seja convencido por argumentos novos levantados pelas partes pode e deve mudar de opinião, ele não deve seguir intransigentemente sua posição na fase administrativa a qualquer custo : “No que tange os caso dos autos, não obstante o ato administrativo de invalidação tenha se baseado somente na ausência de suficiência descritiva, mostrando­-se silente, de fato, quanto à novidade e à atividade inventiva, não se pode olvidar que a mera ausência isolada desse requisito legal já é fundamento apto a sustentar o indeferimento da patente. Registre-­se que, diversamente do que sustenta a apelante, o fato do INPI ter, num primeiro momento, deferido o registro da patente, não representa óbice a que essa autarquia invalide tal ato. Não se pode olvidar, quanto a essa questão, que o deferimento de tal privilégio é condicionado aos requisitos previstos na Lei n.º 9.279/­96 e que Administração Pública deve pautar sua atuação nos termos da lei (princípio da legalidade), ostentando a prerrogativa de rever seus atos quando eivados de ilegalidade (princípio da autotutela). Constatado pelo INPI que a referida patente PI9901143­3 não obedeceu ao requisito da suficiência descritiva, tal órgão público tem o poder ­dever (rectius: poder jurídico) para invalidá-­lo”.[1]



[1] TRF2 AC 2009.51.01.812091-0, 2a Turma Especializada, Decisão: 23/02/2016, relatora: Simone Schreiber


Reversão do ônus da prova

Em geral o réu é inocente até que se prove o contrário. O acusado de contrafação de uma patente de método, no entanto, é culpado até que prove o contrário. È o que se conhece como princípio da “reversão do ônus da prova”. Cabe, portanto, ao réu provar sua inocência, demonstrando que utiliza processo diferente daquele patenteado. Esta provisão está presente no artigo 34 de TRIPs para fins de processo cíveis relativos à infração dos direitos do titular, se o objeto da patente é um processo para a obtenção de produto, as autoridades judiciais terão o poder de determinar que o réu prove que o processo para obter produto idêntico é diferente do processo patenteado”. O dispositivo está presente no artigo 42 da LPI parágrafo 2o . “Ocorrerá violação de direito da patente de processo, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente”. Para que sejam preservados os direitos do titular da patente, tal verificação do processo utilizado, poderá ocorrer em segredo de justiça, conforme o artigo 206 da LPI “Na hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades”. Este instituto tem como objetivo reforçar a eficácia de uma patente de processo, claramente mais difícil de se fazer valer em casos de contrafação. O francês Louis Daguerre inventou no século XIX o que seria o precusor de um método para se conseguir fotografias o daguerreótipo. Daguerre e seu sócio perderam as esperanças de fazer sua patente contra os contrafatores, por ser facilmente violável, de modo que abriram mão de seus direitos em troca de pensões do governo. [1]



[1] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 88


A validade dos dados de teste apresentados nas patentes

Robert Milikan em sua experiência da medição da carga do elétron francamente rejeitava muitas de suas medições tidas como “artefatos”. Gerald Horton mostra que nos cadernos de Milikan ao refazer suas experiências em 1913 seleciona 58 experiências de um total de 140. Louis Pasteur em seus experimentos com a vacina contra o antraz, segundo artigos publicados na época por Robert Koch, não preparou adequadamente suas amostras o que o que levou a usar alguns germes que eram fracos demais para proporcionar proteção e outros tão fortes que podiam infectar animais saudáveis. Nos testes da vacina contra raiva embora 60% dos cachorros que ele havia tratado tivessem de fato sobrevividio, esta era a mesma percentagem da mostra de cachorros não tratados pela vacina que também haviam sobrevidido, o que mostra uma manipulação dos dados experimentais. [1] Os cientistas que realizaram as medições do eclipse solar em 1919 em Sobral no Brasil e na África selecionaram experimentos para anunciar a confirmação da teoria de Einstein de que a massa gravitacional deformava o percurso da luz.[2] As fotografias tiradas em Sobral, que favoreciam a tese newtoniana, foram ignorados supostamente por erros de medição. Segundo Harry Collins: “a ciência, na realidade, não avança a partir de previsões teóricas apresentadas com clareza que são, então comprovadas ou refutadas. Mais propriamente,  validade atribuídas a deduções teóricas está intimamente vinculada a nossa capacidade de fazer medições. Teoria e medições andam lado a lado de forma mais sutil do que normalmente se tem noção”.[3]



[1] GOLDSMITH, Mike. Os cientistas e sesu experimentos de arromba. Coleção Mortos de Fama, São Paulo:Cia das Letras, 2007, p.146

[2] GOLDSMITH, Mike. Os cientistas e sesu experimentos de arromba. Coleção Mortos de Fama, São Paulo:Cia das Letras, 2007, p.183

[3] PINCH, Trevor; COLLINS, Harry. O golem: o que você deveria saber sobre ciência, São Paulo:Unesp, 2003, p.72


Seminário Impactos Estatais e Políticas Públicas do parágrafo único do artigo 40 da LPI

Seminário IBPI 28/07/2020 Impactos Estatais e Políticas Públicas do parágrafo único do artigo 40 da LPI


Walter Godoy
Calixto Salomão Filho USP
Trata-se de uma discussão muito atual diante do julgamento da ADIN 5529 no STF  e a questão do acesso de medicamentos na atual pandemia. O artigo 40 paragrafo único e a presença de um prazo mínimo após registro é uma peculiaridade quase única no ordenamento jurídico no direito comparado. Esse prazo mínimo após registro que recompensa pelo atraso apenas o titular da patente é na prática único. Em matéria de ordem econômico segundo a ótica do artigo 170 da constituição trata da livre concorrência e defesa do consumidor. Precisamos olhar estes dois aspectos com exemplos do que ocorre no mundo. Do lado do consumidor temos de avaliar se mais acesso significa restrição a possibilidade de ter o consumidor acesso aos novos produtos ? Será que esse ativismo e com licenças compulsórias de fato afasta novos medicamentos e prejudica acesso. Não verificamos isso na pratica . A correlação entre ativismo patentária e acesso a medicamentos é positiva e não negativa. Países menos protetivos por serem duros em reconhecer patentes e generosos em licenças compulsória tem mais acesso a medicamentos e não menos, por exemplo a Índia. A Índia em relação ao Brasil tem bem mais acesso a medicamentos do que o Brasil.  As vacinas dos grandes empresas a Índia teve acesso ao licenciamento voluntário do que o Brasil exatamente porque se sabe que lá o ativismo levaria ao licenciamento compulsório. esse exemplo mostra que em relação a grandes países consumidores a diferença entre monopólio de patente  concorrência não implica menos possibilidade de ter novas inovações porque nenhum laboratório irá abrir mão desse mercado. Talvez isso se aplique ao mercado brasileiros também. Acesso e inovação não se opõe eles podem ser complementares. Países que fazem muito licenciamento compulsória não perdem acesso a estes medicamentos. Será que mais acesso via licenciamento compulsório  isso impede o estabelecimento de indústrias inovadoras ? o caso da Índia que retardou a aplicação de TRIPS fez que se desenvolvesse e muito a indústria de genéricos.  No Brasil  o boom de genéricos veio logo depois a universalização dos medicamentos de AIDS. também não é verdade que a indústria local não se desenvolve no caso de mais restrições a patentes. Acesso a inovação pode se complementar a tais políticas. Logo do ponto de vista do consumidor garantir acesso não implica prejuízo a inovação. Se analisamos do ponto de vista do mercado, será que existe diferença entre mercados baseados na concorrência e os que tem muitas patentes ? Não se percebe em análise econométricas diferença de perfis de inovação nos dois casos. Doenças estão cada vez mais globais, a necessidade de acesso exige uma produção em massa, logo o fundamento de tutelar um mercado que alguns países terão acesso e outros não terão, já não faz sentido. A escassez é um dos principais efeitos do monopólio de uma patente, e isso não faz muito sentido num contexto que queremos bens para todos. Será possível atender esses dois objetivos: acesso e inovação ? As pandemias globais mostram que precisamos de produção em larga escala.  Licenças compulsórias não irá inibir investimento nem inovação. Esse projeto no Congresso é outro foco importante para garantir o licenciamento compulsório no caso de pandemia do covid pois somente o titular não dará conta da produção. Não dá para aceitar que um país como o Brasil tenha uma prazo quase único, isso é dar uma ênfase ao monopólio patentário que não atende as necessidades atuais de acesso e capacidade produtiva mais ampla. Precisamos perder o medo de que mais acesso compromete a inovação, isso não é verdade. Não podemos transferir o ônus do atraso para os consumidores.   

Pedro Marcos Barbosa 
A falta de autonomia financeira e apoio ao servidor e falta de pessoal do INPI é que nos levou a esses prazos. O sistema de informática do INPI deficiente é outra mostra dessa falta de estrutura. Outro ponto que é consenso que como dano desse atraso os preços acabam ficam mais caro por mais tempo para o consumidor e temos restrições concorrenciais. Nisso todos concordamos. A patente é uma propriedade sobre um bem de produção sujeita a uma relação jurídica complexa de índole resolúvel e sujeita a termo certo. Os bens de produtos não são acessíveis a todo mundo, mas em geral a empresa. A patente não recebe uma tributação o que é uma politica curiosa porque um cafezinho é tributado. A autonomia privada desse bem de produção é certamente menor e um planejamento econômico muito mais regulado. Francisco Loureiro escreveu a propriedade como relação jurídica complexa, ele não só tem o direito, ele tem uma série de deveres, ou seja, os não titulares também tem seus direitos. É uma propriedade resolúveis, não é uma propriedade perpétua. A patente adicionalmente não basta dizer que é temporária mas tem um termo certo. A ideia do legislador ao inserir o paragrafo único do artigo 40 foi de colocar um mecanismo de compensação. Não existe responsabilidade sem dano e nesse caso qual o dano ao titular do atraso do INPI ao conceder uma patente ?   podem sujeitos do direito que não foram responsáveis por essa demora serem responsabilizados por isso ? Na patente temos uma relação poliédrica, Fabio Konder Comparato, envolve vários lados o lado do autor da invenção, o titular da patente em geral a empresa, a concorrência, os entes públicos, os consumidores e o meio ambiente. Temos em torno da invenção vários envolvidos, é uma relação jurídica hexagonal. Não é possível olhar somente para um lado, temos que olhar todos os lados. Muitas vezes o próprio titular atrasa esse exame. Podemos responsabilizar o consumidor por esse dano ? Eu creio que não.  Paula Forgiani (FORGIONI, Paula. Fundamentos do Antitruste. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998) trata da exaustão de direitos e digamos que por causa do parágrafo único a patente se estende e o agente resolve comprar no exterior aquele produto. O titular pode impedir que esse produto seja importado, essa interpretação de exaustão nacional trata o agente publico como se fosse um cambista e não me parece razoável. O parágrafo único faz com o que o produto fique mais caro do que no resto do mundo isso gera um abuso de poder econômico.  Assim como não temos prorrogação de mandatos de políticos em caso de erro na eleição, ou prorrogação de penas, da mesma forma um erro do INPI não pode justificar a prorrogação desta patente.  Os Estados antes de TRIPs garantia 17 anos contados da concessão.  Alguns países tem os SPCs de extensão destas vigências, em geral no máximo cinco anos, em caso de atrasos da agência reguladora de medicamentos, outra autarquia que não o USPTO.  Logo para atrasos do INPI esse dispositivo do parágrafo único do artigo 40 é único no mundo. A livre iniciativa é prejudicada quando não sabe quando pode entrar no mercado e isso é critico quando se concede tais "patentes marajás" nas áreas de saúde e agroquímica e outras áreas.   

Gabriel Di Blasi
É importante diferenciar entre o que é inconstitucional e o que é negativo do ponto de vista prático. o objetivo do parágrafo único é salvaguardar o direito dos titulares contra atrasos no exame que nos último anos tornou-se regra. O CPI de 1967 estabelecia uma compensação de prazo, o 5772/71 retirou essa compensação de prazo. Na época que as patentes estavam livres na área farmacêutica ao contrário do que argumenta Calixto não se observou incremento da produção nacional farmacêutica. O que houve foi que as empresas se acomodaram em copiar. O não patenteamento levou a falta de inovação. Com a LPI criou-se um ambiente mais favorável para o funcionamento do mercado. Brasil assinou o TRIPs e a LPI trouxe a compatibilidade com tais acordos. O deputado Roberto Freire acolheu o parágrafo único do artigo 40 observa que naquela época já existia uma preocupação de capacitar o escritório de patentes. Meu pai diretor de patentes na década de 1970 chegou a contratar uma turma inteira do CEFET para ser examinador, pois era muito mais fácil contratar. A LPI criou segurança jurídica mas o governo não investiu no INPI sendo sucateado ao longo de décadas mesmo diante da perspectiva de aumento significativo de depósitos.  o dispositivo que era para ser uma exceção como apontado pelo deputado Roberto Freire virou a regra. Quero ressaltar os esforços excepcionais feitos pela gestão Pimentel e a atual em combater o atraso de exame e a tendência é que esse atraso caia a zero no próximo ano. Sem o parágrafo único teríamos patentes concedida natinortas.  O STF deve ir na linha de buscar uma modulação desses prazos. Se for necessário alterar esta norma cabe ao legislativo essa tarefa e não o judiciário que deve se limitar a julgar sua inconstitucionalidade.  A Constituição não fixa prazos de vigência, se limita dizer que o prazo tem que ser temporário, logo isso cabe a lei definir. Não existe direito adquirido no depósito da patente o que temos é mera expectativa de direito. O artigo 44 não pode ser visto como salvaguarda para o titular da patente. Também não entendo que apenas as empresas estrangeiras se beneficiam dessa extensão da vigência pois temos varias patentes da Petrobras, Unicamp e entre outras beneficiadas. Não faz sentido dizer que os titulares se utilizam disso para obter extensão de prazo é generalizar uma situação que não é a regra. nenhum titular tem interesse em estender sua patente, isso teria de ser comprovado, o interesse dele é ter logo sua patente. A incidência de parágrafo único na área farmacêutica chegou a 2018 em 80% e já caiu para menos da metade, a tendência é ele voltar a ser exceção. Para o avanço tecnológico as empresas precisam de ambiente propício e o direito de patente é fundamental para segurança jurídica e para inovação. A Índia possui uma politica pública diferente da Brasil, a inovação em medicamentos que se observou por lá não foi decorrência apenas do sistema de patentes. Se todo momento que tiver excepcionalidade se muda a lei isso gera insegurança por isso não necessidade de se mudar a lei. A lei de genéricos foi criada após a LPI, ou seja, o sistema de patente não impediu a lei de genéricos.  Tributar patente é promover bitributação porque o produto ao ser colocado no mercado já é tributado. A legislação dos Estados Unidos também prevê a extensão das patentes nos casos de atraso na aprovação do medicamento pelas autoridades de saúde (SPC). Não podemos esquecer a expectativa do próprio titular que esperava um mínimo de vigência, logo e legítimo se garantir uma vigência mínima.  Vários acordos TRIPs Plus também preveem extensões semelhantes como com os acordos dos Estados Unidos com Omã e Marrocos e vários outros países. Nos casos de má fé do titular em atrasar a concessão, que é algo raro,  uma solução seria modular esse prazo. 

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Média de etapas processuais para decisão técnica

O gráfico mostra o número de etapas processuais até a decisão de deferimento (9.1), indeferimento (9.2) ou arquivamento técnico (11.2). Para a a montagem do gráfico não se considerou 6.20, 6.21 ou 6.22 como etapa processual. O que se observa é que o número médio de etapas historicamente tem sido de duas etapas (basicamente um primeiro parecer para fazer algumas correções no pedido e o segundo parecer com a decisão). Note contudo que de 1996 a 2016 há uma constante sutil aumento desta média com o tempo, isso acontece paralelamente ao aumento do backlog. Ou seja, existe de fato uma correlação entre atrasos maiores e um maior número de etapas processuais, quando se esperaria o contrário, ou seja, quanto mais tempo demora a concessão da patente maior seria o interesse tanto do INPI como do depositante em resolver a questão no menor número de etapas possíveis. Por alguma razão não foi isso o que aconteceu, à medida que o atraso aumentava mais etapas haviam embora seja um aumento pequeno. Nos últimos anos se observa uma reversão desta tendência de aumento de etapas, a média que era em torno de 2 caiu para 1,7 etapas em 2019 e para 1 etapa em 2020, ou seja, em média atualmente, com o pedido já ajustado pelo requerente no 6.21 esse pedido na grande maioria dos casos é deferido em primeiro exame o que fez despencar a média de etapas. Em 2020 foram aproximadamente 23 mil decisões sendo apenas 2 mil de indeferimento (2 etapas), o que levou a média aproximadamente para (21x1 + 2x2)/23 = 1,08 etapas na conta aproximada e 1,05 no cálculo de média.

Parágrafo único do artigo 40 e a lei 5771/71

A contagem da vigência pela data de concessão, antes da Lei nº 5772/71 dava margem a graves distorções face a morosidade do DNPI no exame das patentes. Com a lei de 1971 a contagem passou a ser feita da data de depósito. Segundo o presidente do INPI Thedim Lobo em depoimento na Câmara dos Deputados realizado em 16/09/1971, ou seja, alguns meses antes da aprovação da nova lei: “todo o depósito de patente já significa uma prioridade para a sua proteção. Esta proteção é normalmente adquirida pelo depósito, dependendo a sua confirmação do exame que será levado a efeito pelo órgão, que julgará exatamente da novidade e da sua utilização industrial. Mas, a proteção em todos os países do mundo se inicia pelo depósito. O que acontecia aqui no Brasil é que por várias vezes estivemos dando uma proteção desmesuradamente grande. O processo de exame, pelas dificuldades técnicas, por naturais interesses daquele que desejava alongar privilégios, se estendia às vezes por quarenta anos. Eu próprio este ano assinei patente cuja proteção vai alongar-se exatamente a 42 anos. No mundo de hoje, no mundo moderno, em que a tecnologia muda rapidamente, em que o mundo se desenvolve de um modo surpreendente, não é de interesse de nenhum país que esse privilégio seja alongado por um período tão grande [...] A situação referida na vigência dos códigos anteriores ao Código de 1971, que contavam o privilégio a partir da expedição da patente, e com isso, até por interesse dos próprios requerentes, os pleitos arrastavam-se pachorrentamente por décadas, atravessando gerações, o que levou Thomaz Leonardos a afirmar pitorescamente que a concessão do privilégio brasileiro constituía verdadeira gestação de elefante ou dinossauro[1].
Ou seja, numa época em que a lei garantia um prazo fixo contado da concessão, tal como temos hoje com o parágrafo único do artigo 40, a tendência é gradativamente o tempo de exame do escritório de exame aumente gradativamente ano após ano, pois isso tende a gerar uma acomodação nos titulares. Foi o que aconteceu antes de 1971 e é o que acontece agora com o parágrafo único do artigo 40. Mas nos dois casos temos um contrapeso, o fato desse prazo de vigência total da patente ir se dilatando acaba formando uma pressão, por parte da sociedade (que quer usar logo as patentes e portanto que entrem no domínio público) para que o escritório de patentes tome medidas para um exame mais célere. Isso aconteceu em 1971 com a reforma do então DNPI e criação do INPI e acontece agora com medidas tomadas no INPI no sentido de se conseguir um exame mais célere. Ou seja, é inequívoco que o parágrafo único do artigo 40 é um instrumento que faz com que a sociedade se mobilize para pressionar o INPI por um exame mais célere. Se não tivéssemos esse mecanismo talvez a pressão da sociedade pela solução do backlog fosse menor. 
Thomas Thedim Lobo foi presidente do INPI de 06/04/1970 a 18/04/1974. Oficial da Marinha integrou o gabinete de preparação do governo Médici. Após a reforma na Marinha abriu um escritório de Propriedade Industrial. Autor de 'Introdução a Nova Lei de Propriedade Industrial' publicada pela Ed Atlas em 1997, Assumiu a presidência do INPI no governo de Medici. Faleceu em dezembro de 2010.
[1] . BARBOSA, Denis. A inexplicável política pública por trás do parágrafo único do art . 40 da Lei de Propriedade Industrial, Revista da EMARF, Rio de Janeiro, v.19, n.1, nov.2013/abr.2014, p.127-186; DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial – patentes, Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 125, 237

Patente da bicicleta e emancipação feminina

As primeiras bicicletas baseadas no modelo “penny farthing” eram dotadas de uma grande roda dianteira onde se localizava os pedais e de uma pequena roda traseira, estando o selim na altura da roda dianteira. Os primeiros modelos com o selim posicionado entre as duas rodas e com os pedais articulados à roda por uma correia de transmissão surgiriam apenas alguns anos após. Observando-se tal modelo hoje, diríamos que esta solução foi idealizada no intuito de tornar a bicicleta mais estável ou mais veloz, no entanto, a motivação do inventor deste novo modelo foi completamente distinta: o modelo “penny farthing” era um objeto de uso exclusivamente masculino, visto que para as mulheres de fins do século XIX que apareciam em público apenas com longas saias não podiam pedalar sem que seu vestido enroscasse na roda dianteira. Calças compridas seriam consideradas um escândalo para a época. A solução viria com o selim e os pedais afastados das rodas eliminando-se desta forma o problema. A patente da primeira bicicleta de senhora, com um só pedal e na qual se montava de lado, à amazona, foi depositada na Inglaterra em 1874 por James Starley. Dois anos depois Harry Lawson lançaria o modelo Crocodile incluindo a tração na roda traseira. Em 1879 a versão melhorada dispunha de corrente de transmissão e pedais comuns. [1]

[1] READERS'S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p.53


Suficiência descritiva e a patente do avião dos irmãos Wright

A suficiência descritiva de uma patente pode se revelar essencial em um posterior litígio da patente. Em dezembro de 1903, seis dias antes dos irmãos Wright testarem pela primeira vez seu Flyer em Kitty Hawk, o diretor do Smithsonian Institute, Samuel Langley fez uma apresentação mal sucedida de seu aeroplano motorizado, auxiliado por uma catapulta, e que acabou afundou no rio Potomac. Na época, Langley afirmou que o problema foi uma falha na catapulta.[1] Na disputa que se seguiu entre os irmãos Wright e Glenn Curtiss sobre o pagamento de patentes, Curtiss alegou que as patentes dos irmãos Wright não eram válidas porque o aeroplano de Langley antecipava sua novidade. Saber se o projeto original de Langley, que antecipava muitas das características dos aeroplanos dos irmãos Wright, era de fato operacional constituía um argumento fundamental no litígio em torno da patente. Uma das patentes principais dos irmãos Wright US821393) tratava do sistema de controle lateral por empenamento da asa. Em maio de 1914 Curtiss conseguiu voar com sucesso com uma réplica construída com base nos projetos originais de Langley, acrescentando, contudo, detalhes fundamentais como um reforço nas asas e flutuadores. O aeroplano de Curtiss tinha aletas separadas articuladas segundo invenção de Frederick Baldwin em vez do enpenamento de asa dos Wright. [2]A questão na justiça foi interrompida pelas circunstâncias da primeira guerra mundial que exigiram a ação do governo norte americano pondo um fim aos litígios tendo em vista a necessidade de impulsionar a indústria aeronáutica diante do esforço de guerra[3]. Em 1982 técnicos na NASA concluíram que o projeto original de Langley falhara por ser estruturalmente frágil e não por qualquer defeito na catapulta. [4] Para Robert Merges: “Existem boas razões para acreditar que a patente de Wright de forma significativa reduziu a inovação em aeronaves nos Estados Unidos absorvendo energia e deslocando esforços de pessoas como Curtiss”.[5]



[1] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 307

[2] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 312

[3] http://www.bbc.co.uk/dna/h2g2/alabaster/A1143541

[4] Asas da Loucura: a extraordinária vida de Santos Dumont, Paul Hoffman, Rio de Janeiro:Objetiva, 2010, p. 251

[5] MERGES, Robert; NELSON, Richard. On limiting or encouraging rivalry in technical progress: the effect of patent scope decisions. Journal of Economic Behaviour and Organization, v.25, 1994, p.15


Suficiência descritiva e o processo Haber Bosch

No século XIX a produção de salitre chileno estava sob exploração de industriais ingleses como John Thomas North presidente da Liverpool Nitrate Company. Segundo Alejandro Soto: “os britânicos lançaram as bases da industrialização do salitre quando introduziram o sistema Shanks. Este foi introduzido por James Humberstone e seu nome deve-se a John Shanks um britânico que o utilizou para a refinação do carbonato de sódio em Lancanshire em 1870. O sistema de Shanks permaneceu como a tecnologia básica para o refino do salitre até 1925. Seu impacto foi tal que permitiu os chilenos satisfazer a demanda crescente de salitre no mundo inteiro pelo esço de quase conquenta anos”.[1] Em 1890 uma tentativa de nacionalização das empresas de salitre por parte do presidente José Balmaceda foi seguida de uma guerra civil em que os rebeldes foram financiados por North garantindo os suprimentos de salitre necessários aos ingleses. No início do século XX a liderança técnica alemã na indústria de produtos químicos foi reforçada pela invenção do processo Haber-Bosch de fixação do nitrogênio, desenvolvido pela BASF e utilizado na área de fertilizantes, provocando uma revolução na agricultura.[2] Embora o nitrogênio seja abundante na atmosfera  ele é relativamente inerte, havendo necessidade de métodos para fixar o nitrogênio, ou seja, removê-lo da atmosfera comm cobinação química com outros elementos. Em uma tempestade a descarga elétrica dos raios faz com que certa quantidade de nitrogênio se combine com uma porção de nitrogênio formando o óxido nítrico. À medida em que este esfria, forma-se o gás dióxido de nitrogênio  que logo se combina com a água da chuva para formar o ácido nítrico que ao cair no solo faz com que o nitrogênio se fixe no solo necessário ao crescimento natural das plantas. O processo Haber Bosch buscou uma alternativa sintética deste processo natural. O nitrogênio ferve a 195C e o oxigênio a 183C, assim, quando o ar é liquefeito o nitrogênio entra primeiro em ebulição permanecendo apenas o oxigênio líquido. O processo Haber aproveita esta característica para separar os dois gases e assim obter-se o nitrogênio. Extrai hidrogênio da água por eletrólise e combina-se com hidrogênio em ambiente de alta pressão a 500C para se formar amônia. Depois combina-se a amônia produzida com oxigênio para se formar óxido nítrico. Em seguida o óxido nítrico se combina com mais oxigênio para formar dióxido de nitrogênio que misturado com água forma o ácido nítrico usado na indústria bélica.[3] Grande parte do trabalho de Fritz Harber, cujo objetivo  era produção de amônia para aindústria de fertizantes, foi encontrar um catalisador para aumentar a taxa desta reação que era relativamente lenta.

Em 1913 a primeira fábrica de amônia sintética foi instalada na Alemanha usando o processo Haber. Em reação com o oxigênio,a  amônia formava o dióxido de nitrogênio, precurso do ácido nítrico usado em explosivos e armamentos. O aperfeiçoamento do processo para produzir nitratos fixando nitrogênio do ar, levou a economia chilena à crise, pois o país obtinha até as vésperas da Primeira Guerra Mundial dois terços de suas receitas de exportação com a venda de salitre, que deixou de ter interesse no comércio mundial.[4] O bloqueio  dos britânicos cortando o fornecimento de salitre do Chile para a Alemanha tornara-se desta forma inócuo para a Alemanha. A indústria chilena tentou compensar essa perda pela criação de um cartel, a Associación de Productores de Salitre de Chile, porém, sem sucesso.[5] Um informe da Liga das Nações de 1933 assinala que o Chile foi um dos países mais afetados pela crise provocada pela grande depressão de 1929.[6] O Reich alemão, desprovido das importações de salitre do Chile, tinha grande necessidade de nitratos, indispensáveis para a fabricação de pólvora. [7] Com o processo foi possível a Alemanha continuar a produção de explosivos mesmo depois do corte de seus suprimentos de nitrato de sódio do Chile, prolongando a Primeira Guerra Mundial.[8] Muitos historiadores acreditam que a Alemanha teria esgotado todas suas fontes de nitrato já no início do ano de 1916 se não fosse pelo grande avanço proporcionado pelo processo Haber-Bosch que possibilitou aos alemães manter a produção de amônia e pelo processo Ostwald  converter a amônia em ácido nítrico e nitratos. Com esses dois processos, os Alemães conseguiram produzir fertilizantes e explosivos sem necessitar de fontes estrangeiras de compostos nitrogenados.[9]

O processo envolvia alta pressão e altas temperaturas, assim como o emprego de um catalisador para produzir amônia, elemento crítico do processo e cuidadosamente omitido pela BASF em todas as suas patentes. Durante a Primeira Guerra Mundial, mesmo com a expropriação governamental das patentes da BASF nos EUA, os peritos norte americanos não foram capazes de replicar o processo Haber-Bosch para a fixação de nitrogênio[10] devido a falta de conhecimento e habilidade para a construção de equipamentos de alta pressão necessários para o processo ser suportado, e a falta de conhecimento dos catalisadores requisitados. As patentes Alemães omitiam vários detalhes técnicos vitais, particularmente aqueles associados à preparação dos catalisadores. As patentes básicas deste processo expiraram em 1927 e ainda depois da primeira guerra pouca informação deste processo estava disponível fora da Alemanha.[11] Por não ser possível sua replicação a partir dos conhecimentos do estado da técnica e do conteúdo revelado no relatório descritivo, tais patentes seriam consideradas nulas pela legislação brasileira atual. Em 1918 Fritz Harber ganhou o Nobel de Química pelo desenvolvimento do processo  da síntese da amônia, sob protestos de cientistas que denunciavam a participação de Fritz Haber no uso de gases tóxicos por parte da Alemanha na Primeira Guerra como um uso de cilindros de gas cloro em abril de 1915 numa linha de frente de cinco quilômetros perto de Ypres na Bélgica e que levou a morte de cinco mil homens. [12]



[1] INAPI, Historia gráfica de la propriedad industrial em Chile, 2015, p.53

[2] Eureka: 100 grandes descobertas científicas do século XX. Rupert Lee. Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira, 2006, p. 186

[3] STOKLEY, James. A ciência reconstrói o mundo, Rio de Janeiro:Ed. Globo,1951, p.12

[4] As veias abertas da América Latina, Eduardo Galeano, Paz e Terra; Rio de Janeiro, 1990, p. 156

[5] LEWINSOHN, Richard. Trustes e cartéis: suas origens e influências na economia mundial. Rio de Janeiro:Liv. Globo, 1945. p.229

[6] INAPI, Historia gráfica de la propriedad industrial em Chile, 2015, p.88

[7] LEWINSOHN, Richard. Trustes e cartéis: suas origens e influências na economia mundial. Rio de Janeiro:Liv. Globo, 1945. p.64

[8] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 520

[9] http://www.saberatualizado.com.br/2015/07/nitrogenio-bom-e-mal.html

[10] Trajetórias da inovação: a mudança tecnológica nos Estados Unidos da América no século XX, David Mowery, Nathan Rosenberg, 2005, São Paulo:Ed.Unicamp, p.92

[11] Carteles Internacionales, Ervin Hexner, México:Fondo de Cultura, 1950, p. 380

[12] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.96


Suficiência descritiva e o mouse de computador

Douglas Engelbart do Instituto de Pesquisa Stanford (SRI), nos EUA, descreveu em 1968 um protótipo do que viria a se tornar o mouse. Apesar de só ter sido apresentado em 1968, numa apresentação que ficou conhecida como a “Mãe de todas as demonstrações”[1] onde se  apresentava os recursos de um computador pessoal conectado em rede, o acessório foi descrito em 1962 por Engelbart [2]. Uma patente (US3541541) foi depositada em 1967 e concedida em 1970, muito embora o protótipo não fosse nada ergonômico e estivessse sujeito a inúmeros aperfeiçoamentos. O sistema, conhecido como Sistema oN Line ou NLS utilizava uma tela, usava gráficos vetores, hipertextos com links nos quais se podeia clicar e janelas, tudo controlado pelo mouse. As ideias [3] foram aperfeiçoadas por Alan Kay da Xerox que introduziu o conceito de ícones acionando programas. O conceito estava presente na tese de  doutorado no MIT de Ivan Sutherland sobre um programa chamado Sketchpad pionerio no uso de interfaces gráficas com ícones e gráficos na tela para interação com o usuário, ao qual Alan Kay teve acesso.[4] O Xerox PARC localiza-se no parque industrial de Stanford, distante cerca de 5 mil quilômetros da sede da empresa em Rochester, Nova Iorque para que não fosse contaminado pela mentalidade da burocracia da corporação.

Douglas Engelbart, contudo, não recebeu royalties [5], em parte porque quando a patente expirou em 1987, a revolução dos microcomputadores pessoais, que difundiriam a invenção, ainda estava em seu início, e nesta época os mouses existentes já se utilizavam de mecanismos de funcionamento distintos que não constituíam contrafação, tais como os usados por Steve Jobs da Apple no Macintosh Plus de 1986. O modelo da Xerox tinha três botões, era dotado de duas rodas que conferiram movimentos apenas horizontais e verticais, custava trezentos dólares e não rolava suavemente. Steve Jobs contactou Dean Hovey, de uma firma de design industrial, propondo um modelo de botão único, que custasse quinze dólares, que pudesse ser usado em diversas superfícies com movimentos suaves em qualquer direção. A solução viria com a introdução de uma esfera no mecanismo do mouse, o que permitiria atingir as exigências traçadas por Steve Jobs. [6]



[1] ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital, São Paulo: Cia das Letras, 2014, p. 293

[2] http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL916208-6174,00-LANCAMENTO+DO+MOUSE+COMPLETA+ANOS.html

[3] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 793

[4] ISAACSON, Walter. Os inovadores: uma biografia da revolução digital, São Paulo: Cia das Letras, 2014, p. 298

[5] http://en.wikipedia.org/wiki/Douglas_Engelbart

[6] ISAACSON, Walter. Steve Jobs por Walter Isaacson: a biografia. São Paulo: Cia. das Letras, 2011, p.188

[7] https://www.learning-history.com/douglas-engelbart-inventor-computer-mouse/